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O titulo juventude e políticas públicas, propositadamente colocado numa pesquisa que se volta para o Ensino Médio, tem o intuito de fazer frente à compreensão sedimentada de que “ora é discutida a escola, ora são analisados os programas educativos “[...] muitas vezes em oposição ao sistema escolar” (SPÓSITO, 2008, p. 84). Concordamos com a autora, quando aponta que, no Brasil, essas duas dimensões, escola e programas de ensino, são inseparáveis, especialmente em se tratando dos jovens que frequentam a escola pública. Entretanto, deixar os jovens fora da elaboração dessas políticas é uma questão a ser superada.

O Estado é uma instituição social originária da sociedade, portanto, deve desempenhar funções para esta mesma sociedade: “O governo, contudo, é um conjunto particular de pessoas que, em qualquer dado tempo, ocupam posições de autoridade dentro do Estado”. (JOHNSON, 1997, p. 91). O Estado é composto pelo conjunto de instituições de caráter um tanto quanto permanentes. O governo, por sua vez, é alterado com certa regularidade. No Brasil, Estado e governo são comumente confundidos e normalmente tomados como um só.

Para Höfling (2001), as políticas públicas podem ser caracterizadas como o Estado em ação, ou seja, o Estado implantando um projeto de governo, por meio de programas ou ações destinadas a setores específicos da sociedade, adotadas com o propósito de resolver problemas ou situações de conflitos ligados à sociedade. De acordo com Johnson (1997, p. 178), “Política é o processo social através do qual o poder coletivo é gerado, organizado, distribuído e usado nos sistemas sociais.”

As negociações e encontros da sociedade civil com o Estado são necessários e têm gerado discussões em torno das políticas para a juventude. Os jovens como foco de políticas públicas são preocupação recente, não só no Brasil, mas também nos demais países da América Latina e da Europa. Desde a década de 1990, o debate sobre juventude vem sendo desencadeado tanto pelas Ciências Humanas como por atores governamentais e da sociedade civil. O campo da cultura

foi pioneiro nessa discussão. O/a jovem, até 1995, pratica- mente não era objeto de ações específicas por parte do governo federal27.

De acordo com Spósito e Corrochano (2005), no Brasil, os programas e ações voltados para jovens exigem geralmente uma contrapartida, sendo caracterizados pela transferência de renda. Esta contrapartida se caracteriza pela permanência na escola, participação em atividades socioeducativas e serviço comunitário28. No governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), houve iniciativas que abrangeram o/a jovem em diversos ministérios, sem, contudo, formar um campo de políticas públicas para os/as jovens. No período de transição para o governo Lula, ampliou-se o debate sobre os jovens, principalmente por organizações da sociedade civil. Em 2003, foi criado um grupo interministerial para discutir políticas de juventude.

O impacto dessas iniciativas constitui o novo lócus de disputa em torno de modelos normativos que orientam as representações sobre a condição do/a jovem no país, bem como as expectativas de sua inserção na vida adulta, disputa por recursos sempre escassos, conflito em torno das orientações que alimentam as ações destinadas aos segmentos jovens.

Outro ponto de conflito no que diz respeito às políticas públicas e à juventude, segundo Spósito e Corrochano (2005), centra-se na indefinição sobre a quem elas devem ser destinadas. No debate, três grupos se destacam com relação a quem devem ser destinadas as ações: a) a todos os/as jovens, b) aos que estejam em situação de exclusão social; e c) aos que se encontrem em situação de vulnerabilidade29.

Ainda segundo as autoras, as políticas de juventude constituem espaços de intervenção pública que podem ser caracterizados como periféricos e transversais. No que se refere às intervenções de caráter periférico, elas são adotadas em períodos de crise e podem desaparecer como problema público; já as intervenções

27 Para se aprofundar na questão da juventude e políticas públicas no governo Fernando

Henrique Cardoso, conferir Spósito e Corrochano (2005).

28 Projeto Agente Jovem, Programa Serviço Civil Voluntário, Programa Bolsa Trabalho e

Renda, Programa Primeiro Emprego, ProJovem, entre outros. Esses programas se destinam a jovens carentes de capital cultural e financeiro. Evidenciando a parte assistencialista do governo brasileiro também para o jovem, desconsidera os jovens de outros estratos sociais. Tem o objetivo de adequar o jovem ao sistema em vigor, ou ajustá-los à vida adulta.

29 Vulnerabilidade pode ser compreendida como condição precária de existência material e

de vínculos sociais, que levam à destituição do sentimento de pertença à sociedade. (SILVA, 2008).

de caráter transversal dizem respeito a todas as ações do Estado. Nas ações governamentais voltadas para os/as jovens no período em análise, o discurso dominante esteve em torno da violência e desemprego, fenômenos recorrentes entre os jovens dos estratos sociais mais pobres.

Desse modo, as políticas públicas de juventude são normativas e prescritivas. Além disso, disseminam condutas idealizadas, preconcebidas e/ou estereotipadas e tipificadas, e são ações voltadas para a gestão do tempo livre dos pobres. Nelas, há pouco diálogo com os/as jovens que são vistos como público-alvo, e não como sujeitos do processo. Essa concepção de políticas públicas – pela expectativa de controlar as condutas – coloca sobre a escolarização formal todas as responsabilidades e expectativas, o que, no limite, acarreta o desgaste da instituição escolar, visto que ela não reúne as condições para ser a redentora da sociedade.

Quando tomamos essas diretrizes para análise, somos obrigados a interpretá-las numa perspectiva de conjunto. Ao final, é um jogo de interesses, nem sempre representando todos os interessados na questão em disputa. Neste sentido, a educação é entendida como um bem que deve ser destinado a todos, sendo que o melhor ensino é concedido ou negado em decorrência da disputa que nela se estabelece.

O campo educacional, nos dias de hoje, está fortemente influenciado pelo campo econômico, por isso as ações devem ser feitas com exíguos recursos, e pelo campo político, em que o jogo concorrencial se dá em uma arena, sendo que as melhores chances são para quem tem maior acesso a informações, poder de negociação e decisão. As demandas por escolaridade fazem parte do contexto da sociedade de direitos, todavia, nesse jogo, esses direitos são dados e negados.

As políticas voltadas para a juventude devem considerar suas multiplicidades, tomadas a partir das formas de vida e de trabalho, da cultura, dos valores e da socialização dos jovens. No campo da educação, na agenda da política pública, por exemplo, é necessária a construção de escolas adequadas, cuja organização esteja voltada para as formas de viver, com os valores e a cultura das múltiplas juventudes. A aplicação efetiva das políticas não se resume a colocar o Ensino Médio na agenda das discussões políticas, mas deve respeitar e incorporar ao debate aspectos como a pluralidade e a diversidade.

As causas que levam a repensar o Ensino Médio são apontadas, tanto por especialistas, como pelo governo. Ambos firmam que tais causas são provenientes

das mudanças ocorridas no mundo do trabalho, da baixa qualidade desta etapa de escolarização e do elevado índice de abandono que tem sido evidenciado com maior ênfase, a partir do final do século XX30.

Esse panorama de “crise” encontra raízes históricas na oferta de escolarização estatal. Segundo Kuenzer (2009, p. 25), os textos oficiais e também os elaborados por especialistas “têm indicado ser a ambiguidade de um nível de ensino, que ao mesmo tempo tem de preparar para o mundo do trabalho e para a continuidade dos estudos, a raiz dos males do Ensino Médio.” A resolução do problema, por esse ponto de vista, se daria com a organização de um Ensino Médio que contemplasse essas funções.

Assim formulado, o problema parece ter fácil enfrentamento, uma vez que localizado no âmbito da filosofia da educação – basta melhor definir as finalidades – e no âmbito da pedagogia – basta melhor definir os conteúdos e procedimentos metodológicos. Nada mais equivocado e, exatamente por isso, conservador; ao contrario, a definição da concepção é um problema político, porquanto o acesso a esse nível de ensino e a natureza da formação por ele oferecida – acadêmica ou profissionalizante – inscrevem-se no âmbito das relações de poder típicas de uma sociedade dividida em classes sociais, às quais se atribui ou o exercício das funções intelectuais e dirigentes, ou o exercício das funções instrumentais. Ou seja, inscreve-se no âmbito da concepção de sociedade. (KUENZER, 2009, p. 25-26).

Para Kuenzer (2009, p. 26), o problema dessa etapa de escolarização não é a ambiguidade, e sim a dualidade estrutural, uma vez que, “[...] desde o surgimento da primeira iniciativa estatal nessa área até o presente, sempre se constituíram duas redes, uma profissional e outra de educação geral [...]”. A educação profissional historicamente antecede a educação geral, o Ensino Médio, que só passou a ser ofertada pelo Estado em 1940. A primeira oferta estatal ocorreu em 1909 “com a criação de 19 escolas de artes e ofícios.” (KUENZER, 2009, p. 27). Essa primeira instituição criada tinha como função primordial, ainda conforme a autora, a repressão

30 Em seminário realizado em Brasília em 2010 para debater o Ensino Médio promovido pelo

Ministério da Educação, foi disponibilizado um resumo executivo da pesquisa Melhores práticas em escolas de Ensino Médio no Brasil, na apresentação dessa pesquisa, lê-se: “A pesquisa ‘Melhores Práticas em Escolas de Ensino Médio no Brasil’ originou-se em 2008, quando o Ministério da Educação (MEC) iniciou entendimento com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) tendo em vista a necessidade do aprimoramento das políticas públicas nesse nível de ensino e a importância que o tema assumia para o Ministério” (BRASIL, 2010, p. 7, grifo nosso).

dos órfãos e pobres, uma vez que, nesse período, as indústrias eram incipientes31.

As duas formas de qualificação são partes da mesma proposta, pensada no contexto do desenvolvimento econômico do país, que buscava o caminho do desenvolvimento pela industrialização.

O ensino profissionalizante não dava acesso ao nível superior. Havia nítida separação entre a educação dos trabalhadores e a da elite. Aos trabalhadores havia, segundo a autora, a opção de “escolhas” da modalidade “no nível ginasial: normal, técnico comercial e técnico agrícola.” Para a elite, havia outra trajetória: “o ensino primário seguido pelo secundário propedêutico, completado pelo ensino superior.” (KUENZER, 2009, p. 27).

Para Kuenzer (2009), o modelo de produção taylorista-fordista pautava a pedagogia da educação centrada na divisão de tarefas e na linha de montagem, em que as habilidades eram consideradas em relação à capacidade de memorização e rigidez. Com a intensificação da globalização e a reestruturação produtiva da economia, cujas bases foram alteradas quando o novo modelo de produção passou a ser o da flexibilidade e da dinâmica, pautadas no modelo de células de produção baseadas no modelo japonês, denominado por Toyotismo e não mais em linhas de montagem, “essas novas determinações mudariam radicalmente o eixo da educação média e profissional.” (KUENZER, 2009, p. 32). E que exigiram alterações curriculares.

O domínio dos códigos e linguagens, a autonomia, a ética, a dinâmica e a flexibilidade, segundo a autora, passam a ser capacidades valorizadas. Havia uma tendência internacional de reconhecer a necessidade de expansão dos anos de escolaridade. Assim, a divisão entre uma escola que ensinasse a pensar e outra que ensinasse a fazer não era mais requisitada pela sociedade. O Ensino Médio foi colocado frente às novas determinações que, na prática, não tinham se apresentado de fácil solução, uma vez que inúmeras tentativas vinham sendo empreendidas desde a década de 1990, no sentido de reestruturá-lo. Tal movimento, em tese, deveria ter como norte os sentidos e os significados da juventude, considerados fundamentais nessa etapa de escolarização, como tem sido feito no Ensino Médio atualmente.

3 REFERENCIAL TEÓRICO-ANALÍTICO: A TEORIA Da PRÁTICA, SEGUNDO PIERRE BOURDIEU

O referencial teórico de análise pauta-se, entre outros aspectos, na teoria da prática de Pierre Bourdieu, que oferece subsídios para a compreensão das relações entre atores sociais e o mundo social, conferindo-lhes inteligibilidade e sentido a partir do conceito de campo e de seus conceitos correlatos, incluindo ator, estrutura, habitus, sub-campo, poder simbólico, entre outros, que serão apresentados a seguir.