• Nenhum resultado encontrado

É sabido que, na contemporaneidade, a figura do jovem e a temática da juventude vêm ganhando repercussão social e, com isso, despertando gradativo interesse por parte de pesquisadores. As visões tecidas sobre o conceito de juventude são diversas, no entanto, encara-se como um desafio positivo.

Como destaca Bourdieu (1λκ3, p.121), “nós somos sempre os jovens ou os velhos de alguém”. É com base nesse pensamento que foi abordada a juventude. Entender as

37 questões que assolam a juventude só se torna capaz se partir de um olhar sobre o processo histórico e cultural pelo qual essa categoria percorreu até os tempos contemporâneos; realizando estudos assim é que se permite perceber que “o ser jovem” tem mudado no tempo e no espaço. Analisar o percurso e o processo pelo qual os jovens e suas culturas passaram e ainda passam, por sua vez, desencadeia acirradas discussões, envolvendo as esferas políticas, econômicas, educacionais e, também, entre gerações. Enfim, foi um desafio. Mas, mesmo com tantos olhares diferentes e opiniões divergentes, fica evidente um ponto em comum: a existência de mitos e de estereótipos a respeito dessa categoria humano-social.

É necessário, primeiramente, enxergar o jovem como um sujeito com valores, direitos e deveres, comportamentos e hábitos, visões de mundo, condutas, interesses e necessidades singulares e entender que estão imbricados em um contexto de sociedade que perpassa por processos de transitoriedade e de imediatismo.

De acordo com Lesko e Talburt (2012), a juventude não é, apenas, uma categoria unibiológica, ela se caracteriza, também, como uma invenção da sociedade. Como houve a mudança de uma sociedade agrícola para pós-industrial, a definição de juventude evoluiu ao longo de todo o processo. Os jovens costumavam ser propriedades dos pais, nutridos por práticas e ações populares domésticas, então forçados ao trabalho e sem direito legal. Hoje, nas medidas proporções, a juventude é uma instituição pública, objetivada pelo Estado, preservada em lei, mercantilizada pelas empresas e estudadas e monitoradas por perícia científica racional.

Com base em cenários de mudanças bruscas, a juventude acaba sendo associada e vinculada, direta ou indiretamente, a determinados problemas sociais tais como gravidez na adolescência, dependência da tecnologia, em especial internet e celular, sexo, drogas, delinquência, vandalismo, consumismo exagerado, gangues, individualismo, desemprego, alcoolismo, falta de valores, entre outros. Estas visões mostram uma imagem puramente negativa e homogênea a respeito dos jovens, retratando concepções de caráter naturalistas, presentes em vários contextos e momentos históricos da sociedade.

Estudando a base da palavra juventude, descobre-se que ela provém do latim “juventus” e seu conceito se oriunda da Grécia Antiga, com os filósofos Sócrates (469-399 a. C.), Platão (427-347 a. C.) e Aristóteles (384-332 a. C.), que até reconheciam a existência desses “indivíduos”, entretanto, o modelo exaltado naquela época era do “homem maduro que educa e dirige”. Esses jovens a que se referem largavam tudo para viver e acompanhar os homens mais velhos e experientes, que, por sua vez, os orientavam e instruíam. Era dessa forma que

38 toda graça e vigor físico dos jovens eram postos a serviço de algo que estava além deles e que lhes serviam de norma, de estímulo e de freio (ORTEGA; GASSET, 1987, p.242).

Segundo Ortega y Gasset (1987, p.245), os jovens sentiam sua própria juventude como uma transgressão do dever. Esse pensamento manifestava-se

“[...] objetivamente no fato de que a vida social não estava organizada com base neles. Os costumes, os prazeres públicos estavam ajustados ao tipo de vida próprio para as pessoas maduras, e eles tinham que se contentar com as sobras que estas lhes deixavam ou então buscar prazeres censuráveis. Até nas roupas viam-se forçados a imitar os velhos. [...] Em suma, a juventude vivia na servidão à maturidade.”

De acordo com Grossman (1998), as virtudes cívicas e militares eram prioridades para a preparação dos jovens espartanos, que, ao atingirem a idade de 16 anos, já podiam se pronunciar nas assembleias. Ao completarem 18 anos, atingiam a maioridade civil, ocasião em que eram inscritos nos registros públicos da cidade e, aos 20 anos, era-lhes imposta a preparação paramilitar, visto que, nesse sistema, a educação tinha como finalidade única preparar e desenvolver os indivíduos para atuarem de maneira civil e militar.

Ainda segundo Grossman (1998), todo desembaraço físico e moral das crianças e dos jovens gregos era muito valorizado; traziam os métodos ginásticos como obrigatoriedade para os moços e moças. As mulheres eram obrigadas a fazer esses exercícios físicos pelo fato de que, num futuro próximo, elas pudessem ser mães saudáveis, casavam-se prematuramente, e este era um período de preparação para os afazeres e as atribuições da vida adulta. No caso dos indivíduos do gênero masculino, seguiam a guerra ou a política, e, para uma minoria rica, havia a possibilidade de se dedicar aos estudos, já que não havia a necessidade da sua força de trabalho.

Ainda na época antiga, ao se debruçar o olhar para a juventude do mundo romano, pode-se trazer outro exemplo claro. Fraschett (1996, p.71) mostra que "puer" era o sujeito até os 15 anos, a "adulescentia" era a etapa que oscilava entre os 15 e os 30 anos, e a "juventa", por sua vez, ficava dos 35 aos 40 anos de idade. Essa classificação das etapas da vida se justificaria pelo exercício do "patrio poder3", que concedia aos pais plenos poderes sobre todas as fases da vida dos filhos, que evidenciavam a continuidade da sua submissão.

Já Ariès (1986, p.10) descreve outro detalhe, relatando que, na Idade Média, período em que a visão era repleta de incógnitas e de incertezas, não existia separação entre o

39 mundo infantil e o mundo adulto, ou seja, a criança, no momento em que conseguia ter algum “desembaraço físico, era logo misturada aos adultos e partilhava de seus trabalhos e jogos. Desde criança ela se transformava em homem, sem passar pelas etapas da juventude”. Com isso, o que se esperava dela era a figura de um indivíduo maduro e responsável, completamente adulto; os outros momentos da vida não tinham valor, eram considerados descartáveis e insignificantes. Pais (2009, p. 373) é enfático ao dizer que, em determinados períodos, os jovens desejavam o envelhecimento, chegando a imitar os mais velhos, “exibindo um ar permanentemente caduco”.

Segundo Lima e Lima (2012), no século XIX, surgiu a terminologia “adolescência”, conceito que foi conduzido e amparado pelas ciências médicas e psicopedagógicas. Essas duas ciências foram as pioneiras em segmentar as faixas etárias. Entretanto, essa segmentação tinha enfoque, especificamente, voltado ao olhar clínico, desconsiderando os jovens como sujeitos providos de cultura.

Com a Revolução Industrial e a Segunda Guerra Mundial, períodos que, de certa forma, proporcionaram consideráveis transformações na sociedade, mudou-se, também, a forma de compreender a juventude. Foi nessa época que horizontes se abriram para os conceitos de adolescência e de juventude, com crescente repercussão social. É nessa perspectiva que Barbiani (2007, p.141) acaba ressaltando que a juventude se destaca no pós-guerra, pois “consolida um discurso jurídico, um discurso escolar e uma florescente indústria, reivindicando a existência dos jovens como sujeitos de direito e como sujeitos de consumo”. As contribuições da autora vêm ao encontro das ideias apresentadas anteriormente, evidenciando o fato de os jovens passarem, no decorrer da história, de sujeitos ignorados e desprezados a sujeitos providos de direitos e valores.

A partir daí, com o pós-guerra, as identidades juvenis foram sendo reconhecidas e suas identidades se construíram dentro de espaços-tempos, de sociabilidades e de práticas coletivas. Momentos marcantes, que colocaram em jogo, firmemente, interesses em comum, dando sentido, enfim, ao “estar juntos” e ao “ser parte”. Estenderam ainda mais, construíram no “nós” o que diferenciava-os dos outros.

Em meio a essas etapas e mudanças, os jovens se encontram, ora superficialmente marcados pelos padrões e pelas idealizações do passado, ora pelas transformações imediatistas e contínuas da Modernidade, da Pós-Modernidade e da Hipermodernidade. Mesmo se sentindo perdidos nesses embaraços de concepções, eles continuam sendo sujeitos da informação e da comunicação, capazes de ultrapassar qualquer

40 barreira provida da tradição; enfim, acabam por se inscreverem na história em um novo modelo de estar e de agir no mundo.

Como visto até o presente momento, a visão de juventude foi negada e desvalorizada por muito tempo, pois a sociedade não reconhecia a sua existência. Já em tempos contemporâneos, é preciso chamar atenção ao fato de que é notável, ainda, deparar-se com uma série de situações preconceituosas, bem como estereotipadas imagens da juventude. Esses equívocos de olhares, querendo ou não, trazem tais imagens à tona e influenciam na maneira de ver e de compreender essa categoria.

As representações para a faixa etária são das mais comuns, em que estabelecem relações com o processo de transição, de passagem para a vida, na qual o jovem é um vir a ser, tendo, no futuro, o sentido das suas atitudes práticas no presente. Nessa perspectiva, há um prognóstico de encarar e conceber a juventude em sua negatividade, como se fosse algo que ainda não chegou a ser, vindo a negar, muitas vezes, o presente vivido (DAYRELL, 2007).

De acordo com Pais (2005), esses processos de transgressão para a vida adulta e a conjuntura linear da vida aconteciam a partir de situações extremamente específicas que marcavam esse ritual de passagem, como, por exemplo, o desapego da família de origem, o matrimônio e a obtenção de emprego. Já na atualidade, esses fatos são voláteis e desuniformes. O rompimento com a família de origem, nem sempre, coincide com o findar da escolaridade; o trabalho, muitas vezes, acontece atrelado aos estudos, existindo, assim, um processo descontínuo e de separações no decorrer da caminhada.

Ainda analisando as visões deturpadas que boa parte da sociedade tem em relação à juventude, encontra-se mascarada a noção de que essa faixa etária se encontra estagnada, pairando sobre comportamentos marcados pelo hedonismo4 e pela irresponsabilidade. Tudo isso se encontra numa relativização entre a aplicação e a confirmação, baseadas num ponto de vista comportamental juvenil muito pessoal e subjetivo, sendo que, na verdade, está relacionado, por vezes, às influências da condição socioeconômica (DAYRELL, 2007).

Sob o ponto de vista de que a expansão de uma parcela da população juvenil está sob a tutela de seus pais ou responsáveis, Pais (2005) também descreve essa maior fluidez e descontinuidade nos traços que, antes, delimitavam essas diferentes fases da vida, os quais, agora, não são mais estáveis. Contudo, diante do que Pais (2003) expõe, a juventude deve vir a

41 ser compreendida não como uma simples fase de transição. Pelo contrário, deve ser considerada como uma etapa de vida que todos os indivíduos irão passar ou já passaram. Tratar a juventude como parte natural do processo de vida seria o mesmo que reconhecer o outro e a si mesmo no mundo, como integrante dele e, consequentemente, responsável por ele. Ele utiliza a expressão “curso da vida” para explicar que toda fase é, por conseguinte, resultado de um complexo processo de construção social.