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LÍNGUA CULTA: INIMIGA OU ALIADA? Pronominais

Dê-me um cigarro Diz a gramática Do professor e do aluno E do mulato sabido

Mas o bom negro e o bom branco Da Nação Brasileira Dizem todos os dias Deixa disso camarada Me dá um cigarro

(Oswald de Andrade)

2.1. Língua: uma linguagem em ebulição.

Realizando-se historicamente, a linguagem se apresenta sob a forma de língua, ao acompanhar a tradição lingüística de uma comunidade de sujeitos falantes/ouvintes. A língua constitui-se num fato social que só possui existência concreta nas relações sociais, dentro de uma determinada situação da realidade. Assim, na interação entre os homens, nesse estar com os outros como parte de uma comunidade, a língua ganha significações diferenciadas, tantas quantos forem os contextos.

Uma língua não pode ser compreendida longe de seu horizonte social; daí estar acompanhada de sua referência histórica (língua portuguesa). Portanto, a língua está presente em todos os atos de compreensão e de interpretação do mundo. LUFT (1998:47)

afirma: A linguagem é uma prática. As línguas existem para com elas praticarmos a comunicação e interpretarmos o mundo.

A língua, em suas variedades, sempre foi motivo de preocupação de autores consagrados da literatura. Para ilustrar este capítulo, recorremos a Oswald de Andrade. A colocação enclítica do pronome é uma das regras da norma culta que muito incomoda o aluno. Se o uso do falante brasileiro é proclítico, por que a insistência em uma norma lusitana enclítica? É o que podemos observar no poema que abre o capítulo, nas críticas e mesmo na linguagem usada por vários escritores renomados de nossa literatura. LUFT (1998:91) comenta:

Para a colocação dos pronomes, por exemplo, em vez de derivar a teoria, ou as regras, do USO DOS FALANTES 1(cultos, se se der preferência à linguagem culta para fins escolares, o que é compreensível), impõem-se ainda hoje, no Brasil, regras de colocação lusitana. Há até o ingênuo constatando que ‘para os portugueses não existe problema, pois habitualmente observam as regras’. Assim, com base em despropósitos como esse, gramáticos e professores brasileiros se empenham em corrigir colocações de pronomes... à brasileira. E entre outras regras de colocação, corre aquela das palavras que “atraem” pronomes. [...] Fraco metaforismo gramatical.

Ora, se a língua existe para que homens e mulheres dela se apropriem e com ela pratiquem a comunicação e interprete o mundo, é necessário que o aluno crie uma certa intimidade com a sua própria língua. Conhecimentos dissociados da prática não concorrerão para essa proximidade, principalmente se estiverem dissociados do universo do aluno e de um uso prático imediato no seu cotidiano.

A língua utilizada por uma comunidade reflete a civilização atual, é dinâmica e acompanha o desenvolvimento da nação. Constituindo-se num espaço cultural, historicamente relacionado, a língua praticada, reconhecida pelos falantes nativos e por falantes de outras línguas, encerra em si várias tradições lingüísticas, análogas ou divergentes, mas sempre relacionadas historicamente, ou seja, é a língua histórica. Dentro dessas diversidades lingüísticas há uma homogeneidade quanto ao dialeto e ao estilo, embora essa homogeneidade não consiga ser totalmente unificada, por mais comum que a língua se apresente na prática dos falantes. É a língua funcional, conforme BECHARA

(1999:38):

Todo falante de uma língua histórica é plurilíngüe, porque domina ativa ou passivamente mais de uma língua funcional, embora não consiga nunca saber toda a extensão de uma língua histórica; e o sucesso da educação lingüística é transformá-lo num ‘poliglota’ dentro de sua própria língua nacional.

Assim, uma língua que acompanha o desenvolvimento da nação que representa, como a portuguesa, não pode apresentar um único estilo de uso, uma vez que essa característica pertence à língua morta. Esse tipo de língua funciona como veículo de comunicação em comunidades específicas, para fins específicos, como é o caso do latim. Caracteriza-se basicamente pela imutabilidade, pela permanência de um ou de poucos estilos dentro da prática determinada a que se destina. Segundo LUFT (1998:40), toda língua é um sistema de usos e costumes verbais; espelha os demais usos e costumes humanos. Não há língua viva estática; estáticas, imutáveis, petrificadas, são as línguas mortas, que estudamos para conhecer o passado, sua arte ou história, etc.

A língua portuguesa é uma língua viva, mutável, e, como tal, acompanha o ritmo vertiginoso do desenvolvimento da nação brasileira, refletindo seus usos e costumes. Portanto, considerar apenas um de seus estilos de uso, focalizando a sua aprendizagem sob uma carga teórica carregada de conhecimentos muitas vezes inúteis para a sua prática efetiva, é querer rotulá-la com a imutabilidade e com a unificação que ela, como língua viva está longe de ter; é roubar-lhe a essência do dinamismo e da variabilidade; é querer tirar-lhe a vida, pois que, conforme CUNHA (1985:85): a petrificação lingüística é a morte letárgica do idioma.

Existem variedades lingüísticas. E variedade lingüística pressupõe diferença, diversidade lingüística, mas não deficiência. Como já foi citado anteriormente, nem dentro de uma mesma comunidade consegue-se uma língua homogênea e unificada. Existem diferenças geográficas e sociais envolvendo as pessoas que utilizam uma mesma língua, e, conseqüentemente, surgem as variações lingüísticas: os dialetos regionais, as diversidades entre linguagem oral e escrita, os níveis de linguagem, o registro formal e o coloquial, a língua culta ou padrão e a popular, etc. SUASSUNA (1999:106) orienta para o fato de que as variedades lingüísticas acontecem não só na ação interindividual, mas também nos diferentes usos que um mesmo indivíduo faz de sua língua.

Assim, dentro do quadro de variação lingüística, entre as diversas modalidades da língua, uma adquire prestígio e passa a ter um status oficial, seja por associação com a escrita ou com a classe dominante. Considerando-se que uma amostra da língua corresponde à língua de todos, mantém-se uma visão elitista da língua, transformando-a em mais um fator de diferenciação social e disseminando relações lingüísticas de dominação, sem atentar, como seria devido, para a legitimidade da norma.

Conforme PRETI, in BASTOS (1998:90):

Seria preciso, sobretudo, entender que a transformação lingüística que se opera num país como o Brasil é o resultado de grandes transformações sociais, de um processo mais amplo de democratização, do desaparecimento da censura na linguagem escrita dos meios de comunicação, a tal ponto que as variantes populares se introduzem nas falas cultas, na linguagem dos jornais e não são mais identificadas como formas de menor prestígio social, antes fazem parte normal da linguagem espontânea e se tornam opções bem aceitas, porque já existe expectativa para elas.

De qualquer forma, considerar-se uma variedade melhor que outra, ou conceituar-se como erro o uso de uma variedade diferente da padrão, ou ainda legitimar-se uma variedade lingüística por ela pertencer à linguagem literária consagrada ou à classe dominante, apenas caracteriza uma posição preconceituosa e inaceitável. Segundo SOARES (1999:41):

[...] os preconceitos sociais, que valorizam certas regiões do país em detrimento de outras, determinados contextos, em relação a outros, alguns grupos sociais, em oposição a outros, levam leigos e até especialistas a atribuir superioridade a certos dialetos regionais, a certos registros e, sobretudo, a certo dialeto social, criando-se assim, estereótipos lingüisticamente inaceitáveis. Do ponto de vista lingüístico, ou sociolingüístico, o conceito de ‘deficiência lingüística’é um desses estereótipos. [...]

Não se pode falar em superioridade ou em inferioridade entre língua, ou entre dialetos, ou entre registros. São apenas diferenças que marcam o uso de cada um deles de acordo com a adequação às necessidades e características do grupo e à situação em que o ato de comunicação acontece. Cada variedade possui em si mesma características específicas para determinadas situações e geralmente não pode ser substituída por outra, sob o risco de colocar em prejuízo o ato comunicativo. Portanto, seja qual for o dialeto

usado, ele é tão válido quanto outro na comunicação; todas as variedades são sistemas lingüísticos complexos, estruturados de forma lógica e justificada. Afirma-nos LUFT (1998:62): cada um sabe a língua, a sua língua, a que ele fala: a do seu tempo, da sua região, da sua classe social, e segundo sua maneira pessoal de a internalizar.

2.2. “É bom não confundir o dialeto padrão numa língua com a