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Mapa 6: Mapa político de Angola

1.3.1 Língua portuguesa no Brasil

Em função da semelhante herança do colonialismo português, a língua portuguesa é idioma oficial do Brasil, de cinco países africanos, conhecidos como PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, a saber: Moçambique, Angola, Guiné Bissau, São Tomé e Príncipe e Cabo Verde), do Timor Leste (país do sudeste asiático), além de Portugal. Entretanto, de acordo com informações do SIL (Summer Institute of Linguistics)17, há também expressiva quantidade de usuários de língua

63 portuguesa em Andorra (país europeu situado entre a França e a Espanha) e nas localidades de Goa18 (Índia) e Macau (China)19 por também terem sido colônias portuguesas.

No que se refere particularmente ao caso brasileiro, muito embora em todos os estados do Brasil seja possível estabelecer comunicação em português nas ruas, estabelecimentos comerciais, órgãos públicos etc., percebendo-se apenas uma variação dialetal, é necessário afirmar que esse país apresenta uma realidade plurilíngue, que conflui com sua diversidade e riqueza cultural. De acordo com informações de Savedra (2010), o Brasil possui cerca de 300 idiomas falados em seu território contemporaneamente. Desse total, a maior parte é praticada por comunidades indígenas20, uma média de 30 línguas é falada por comunidades de descendentes de imigrantes, há também uma considerável população utente de Libras (Língua Brasileira de Sinais) e, por fim, há algumas línguas usadas por comunidades remanescentes de quilombos. Esse universo linguístico brasileiro merece reconhecimento e reflexão:

A pluralidade linguística do Brasil, reflexo de sua formação étnica, manifesta-se em diferentes situações de/em contato, identificadas entre línguas autóctonas, exóctonas (línguas dos colonizadores, da escravidão, da imigração ou alóctonas), na diversidade linguística de fronteira (fronteiras hispânicas e fronteira francófona), no contato com falares étnicos específicos como, por exemplo, falares ciganos e, ainda na aquisição formal de línguas estrangeiras. Neste contexto, faz-se relevante enfatizar a importância na definição de políticas públicas de intervenção para defesa deste patrimônio cultural nacional, expresso, dentre outros meios, pela sua diversidade linguística (SAVEDRA, p.222, 2010).

Como já afirmado, entretanto, a língua portuguesa é majoritária em território brasileiro. Obviamente, é a língua herdada da história de colonização portuguesa vivenciada pelo Brasil, mas cuja consolidação se deu com o processo de formação da

18 Por mais de 400 anos, Goa foi território colonial português, passando a ser capital do Estado Português

da Índia em 1510. Em 1961, o exército indiano retoma o domínio territorial de Goa.

19 No século XVI, paulatinamente, os colonizadores portugueses foram assumindo o domínio territorial

de Macau, fazendo com que ele se tornasse um importante posto comercial entre a China, a Europa e o Japão. Em 1967, ocorreu um motim contrário ao domínio português e Portugal renunciou à possibilidade de ocupação perpétua do território. Entretanto, foi apenas em 1999 que definitivamente Macau voltou a pertencer à soberania chinesa.

20 Mais precisamente, o Brasil possui uma população indígena de 817.963 mil pessoas, 305 etnias e 274

idiomas, de acordo com o que foi levantado pelo Censo de 2010. Para mais informações, cf.: http://censo2010.ibge.gov.br/noticias-censo?view=noticia&id=3&idnoticia=2194&busca=1&t=censo- 2010-populacao-indigena-896-9-mil-tem-305-etnias-fala-274

Entretanto, é preciso esclarecer que a quantidade real de línguas indígenas varia em função do que o instituto que realiza a pesquisa está considerando como língua. Assim sendo, o IBGE declara a existência de 274 línguas indígenas, enquanto o Instituto Socioambiental (ISA) prevê a existência de 150.

64 identidade nacional nos anos de república – a partir de 1900, portanto. Nesse período, “o país, seu saber, seu sujeito político-social e suas instituições se individualizaram. Trata-se do que eu estou chamando de processo de descolonização do Brasil” (ORLANDI, 2009, p.218).

Em termos oficiais, o decreto do Marquês de Pombal datado de 1757 proibiu o uso de qualquer língua que não fosse a portuguesa em território nacional e, especialmente, em escolas e organismos públicos. Entretanto, conforme enfatiza o historiador Alberto da Costa e Silva (2012, p.56):

Apesar da interdição pombalina, podia-se ouvir, em Belém, uma senhora falar com outra, de janela a janela, em nheengatu; no Rio de Janeiro, um grupo de negros a conversar em quimbundo; e, em Salvador ou no Recife, em iorubá ou numa das muitas outras línguas faladas pelos africanos trazidos para o Brasil.

Ao longo de sua história, o português praticado no Brasil vai paulatinamente ganhando contornos que o diferenciaram de Portugal. A causa fundamental dessa particularização do português brasileiro – em comparação ao europeu – é sua constituição que prevê três famílias linguísticas, conforme assegura a pesquisadora Yeda Pessoa de Castro (2009): a família indo-europeia, a família das línguas tupi e a família níger-congo. Segundo, ela: “consequentemente, povos indígenas e povos negros, ambos marcaram profundamente a cultura do colonizador português que se estabeleceu no Brasil, dando origem a uma nova variação da língua portuguesa – brasileira, mestiça” (CASTRO, 2009, p.182).

Em função desse evidente contato linguístico, há uma corrente de pensadores da língua portuguesa – representados, sobretudo, por Dante Lucchesi – que apontam a existência da “transmissão linguística irregular” como cerne da história sociolinguística brasileira. Assim sendo, esse termo refere-se

ao processo de socialização e nativização de um modelo defectivo de segunda língua adquirida por uma população de indivíduos adultos, de forma precária, em situações de contato linguístico abrupto, massivo e radical. A reestruturação gramatical desse modelo defectivo, em situações de segregação com acesso restrito aos modelos da língua- alvo, pode gerar uma variedade linguística qualitativamente distinta da língua-alvo, no que se definiu como pidginização e crioulização. Mas a transmissão linguística irregular não implica necessariamente pidginização/crioulização, podendo resultar na formação de uma variedade histórica da língua-alvo que se caracteriza por exibir processos de variação e mudança induzidos pelo contato entre línguas. (LUCCHESI, 2009, p.35).

65 Ao se considerar a população de indivíduos adultos que adquiriu a língua portuguesa em condição irregular a que Lucchesi (2009) se refere, claramente está em relevo o contingente de africanos escravizados (em torno de 4 milhões de pessoas) que habitou terras brasileiras ao longo de 400 anos de servidão compulsória. Dessa forma, ainda que não tenha existido de fato um processo de crioulização da língua portuguesa, houve alterações linguísticas contundentes, sobretudo ao se considerar a gramática das gerações subsequentes – pois as mudanças gramaticais encontram o seu momento crítico exatamente na transmissão geracional (LUCCHESI, 2009, p.29).

De acordo com esse viés de raciocínio, a concordância verbal e nominal representam o mecanismo linguístico que mais sofreu os efeitos dessa transmissão irregular da língua portuguesa e, atualmente, constitui a “grande fronteira sociolinguística da sociedade brasileira” (LUCCHESI, 2009, p.31), sendo, inclusive, o grande alvo de preconceito linguístico.

Em termos gerais, de acordo com o pesquisador em questão, o Brasil encontra-se polarizado entre duas normas: a culta e a popular. Por um lado, a norma culta historicamente se formou principalmente no litoral brasileiro, local onde se concentravam os núcleos urbanos e as elites. Por outro lado, foi no interior do país, onde estavam instaladas fundamentalmente as atividades relacionadas à agropecuária e à mineração e, por conseguinte, africanos e indígenas e seus descendentes, além de senhores e colonos pobres de origem europeia, que majoritariamente teve lugar a formação do português popular brasileiro. É valido destacar que o fenômeno de urbanização é recente no Brasil – data de meados do século XX. Nesse sentido, “a norma popular brasileira atualmente, mesmo em sua variante urbana, exibe ainda os reflexos dos processos de variação e mudança induzidos pelo contato entre línguas que marcaram a sua origem histórica no interior do país” (LUCCHESI, 2009, p.32-33).

Esse português que vai se consolidando no Brasil, sinteticamente, pode ser assim demonstrado:

Há mais de quinhentos anos a língua portuguesa foi trazida ao Brasil. Nos séculos XVI a XVIII foi rotulada como o português no Brasil, pois era inteiramente lusitana, e não tinha superado as línguas indígenas. A partir do século XIX, a língua portuguesa tornou-se majoritária, começou a distanciar-se do português europeu, sendo então denominada português do Brasil. A partir dos anos 80 do século XX, suprime-se a preposição do, e começamos a falar em português

brasileiro. Sinaliza-se com isso que novos distanciamentos tinham

ocorrido, servindo a expressão para designar a identidade linguística dos brasileiros (CASTILHO, 2010, p.31).

66 A partir de outra perspectiva, mas também com o intento de buscar as origens do português brasileiro, Naro e Scherre (2007) – ao investigar diversos documentos históricos, como relatos de viagens, de missionários, peças de teatro, jornais etc. – constatam que, já a partir do século XVIII, a língua portuguesa passa a ser usada de forma maciça pela população brasileira, formada por descendentes e não descendentes de portugueses residentes, sobretudo, em regiões litorâneas, além de partes das regiões Nordeste, Sudeste e Sul do Brasil. Dessa forma, os indícios apontam para o fato de que, aos poucos, o português vai substituindo as línguas gerais amplamente usadas como veículo de comunicação entre portugueses (e seus descendentes) e comunidades indígenas: a língua geral paulista e a língua geral amazônica.

Em contrapartida, não há documentos que comprovem a existência de uma língua de comunicação entre os africanos escravizados no Brasil (ou seja, uma “língua geral africana”). Segundo os pesquisadores, “a documentação não transmite nem a mais leve suspeita de que a língua portuguesa falada pelos brasileiros descendentes dos primeiros cativos africanos fosse diferente da fala de brasileiros de outras origens étnicas (mantidas, naturalmente, as semelhanças socioeconômicas relevantes)” (NARO; SCHERRE, 2007, p.28).

Se, por um lado, os pesquisadores não admitem a presença de uma “língua geral africana” praticada no Brasil, durante o longo período de escravidão – a não ser em pequenas comunidades isoladas21 –, por outro lado, eles asseveram que o português praticado no Brasil sofreu influências de falantes de outras nacionalidades que aqui estabeleciam o seu convívio linguístico, sobretudo na aquisição do português como língua segunda: “O quadro linguístico inicial que surge então é o de uma comunidade em que as línguas dos diversos grupos se influenciavam, principalmente através do aprendizado de segundas línguas por falantes não nativos adultos” (NARO; SCHERRE, 2007, p.29).

Ainda acerca da presença africana no Brasil, Naro e Scherre (2007) consideram a hipótese amplamente aceita nos círculos acadêmicos de que possa ter havido um pidgin de base iorubá mais ao norte do Brasil e outro de base quimbundo mais ao sul, dada a concentração geográfica dos grupos originários de África. Entretanto, pelo fato de não ter restado fontes documentais que comprovem essa hipótese empiricamente, os

21 A esse respeito, Naro e Scherre (2007) destacam a língua africana falada na comunidade quilombola

do Cafundó, localizada no interior do Estado de São Paulo. Essa língua foi amplamente estudada por Vogt & Fry (1996) e, em sua descrição, observa-se “uma gramática portuguesa com léxico de provável etimologia quimbundo, língua da família banto” (Naro; Scherre, 2007, p.31).

67 estudiosos preferem concentrar-se em outra explicação para a comunicação praticada pelos escravizados e seus descendentes:

Parece mais verossímil que os brasileiros de origem africana falassem variantes locais do português popular do Brasil, da época, ou um pidgin de base africana que, com o correr do tempo, caiu em desuso, exceto para os casos de comunicação secreta. Essa abordagem tem a vantagem de explicar a pesada influência lexical das línguas africanas no português popular do Brasil (NARO; SCHERRE, 2007, p.31).

Apesar das diferenças de posicionamentos teóricos e vieses críticos dos cientistas dedicados ao estudo do português brasileiro, o fato é que a língua portuguesa em território brasileiro possui nuances peculiares que a particularizam – da mesma forma como é peculiar o português praticado em Angola, em Portugal, em Moçambique etc. A respeito dessa variedade brasileira da língua portuguesa, em seu livro, “O português são dois...” Rosa Virgínia Matos e Silva (2004) intitula o primeiro capítulo com uma provocação: “Dizem que vai mal o vernáculo no Brasil”. E, então, a autora discorre sobre o assunto22:

Multiplicam-se as situações em que dizem, no Brasil, que vai mal a língua portuguesa. Irá mal, de fato, o vernáculo no Brasil? Claro que não. Vai mal a expectativa de alguns, até numerosos sem dúvida, que, desligados da realidade da nação brasileira, desejam recuperar algo que nunca fomos e, por isso, não assumem de fato o que nos legou e lega a nossa própria história.

A afirmativa anterior indica duas atitudes polares que se refletem nas avaliações que se fazem sobre o uso da língua portuguesa no Brasil e, por consequência, sobre o dever ser de seu ensino: a dos que cobram a aplicação de uma norma obsoleta, idealizada por uma tradição cultural dominante, e a dos que encaram realisticamente a diversidade linguística do Brasil (SILVA, 2004, p.11).

Atualmente, há uma política de democratização do ensino brasileiro, no sentido de que quase a totalidade das crianças tem acesso à escola. No entanto, ainda se questiona a qualidade desse ensino, sobretudo no que concerne ao ensino de língua portuguesa. Apesar de a ciência linguística encontrar-se em um avançado estágio de discussão acerca da variedade brasileira da língua portuguesa, esse tipo de reflexão ainda não modificou a contento a realidade das salas de aula do país. Nesse sentido, a despeito de se falar em “português brasileiro”, continua-se ensinando uma norma que não condiz com a realidade linguística do país e, dessa forma, ainda é assaz frequente em ambientes escolares frases do tipo: “Eu não sei português. É muito difícil”. A partir

22 Ressalvando-se as devidas particularidades históricas e culturais, o comentário da professora Silva

(2004) a respeito do português brasileiro também é aplicável às situações de ensino da língua portuguesa em Angola e Moçambique.

68 desse cenário, faz parte da agenda dos pesquisadores da área de linguística e língua portuguesa do país estabelecer essa ligação entre o fazer científico e fazer prático que se dá no cotidiano escolar.

Apesar desse comentário, é imperioso reconhecer o avanço que alguns linguistas alcançaram no sentido de propor ações efetivas para modificar o cenário da educação em língua portuguesa no país. Em um universo de importantes pesquisadores, apenas alguns serão aqui mencionados a fim de representarem os demais: Bortoni-Ricardo (2006, 2010, 2013), Cyranka (2011, 2013, 2014), Almeida Baronas (2011), Laperuta (2014).

1.3.2 Contextos multilíngues: contato linguístico com línguas Bantu em