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Mapa 08: Distribuição dos troncos linguísticos em África

3.1 Questionário socioeconômico

Com o intuito de concretizar os objetivos desse trabalho de pesquisa – a saber, analisar o sistema das formas de tratamento de três variedades de língua portuguesa (a brasileira, a moçambicana e a angolana), avaliando suas semelhanças e diferenças – foi imprescindível a realização de uma investigação empírica, que contou com entrevistas a falantes das variedades em questão.

Durante os meses de junho a novembro de 2012 foram entrevistados 23 falantes da cidade de São Paulo (Brasil); em seguida, de fevereiro a maio de 2013 realizou-se entrevistas com 25 pessoas da cidade de Maputo (Moçambique); e, finalmente, durante os meses de junho e julho ocorreram outras 25 entrevistas com angolanos residentes na cidade de Luanda. É preciso salientar que as cidades de São Paulo, Maputo e Luanda foram, a priori, privilegiadas por contarem com características semelhantes: as três representam as cidades com maior densidade populacional de seus países e todas elas possuem um fluxo muito grande de pessoas oriundas de todas as demais regiões do país, em busca de melhores condições de vida.

Sendo assim, partiu-se da hipótese de que as características dessas cidades, de representarem polos atratores de população migrante, contribuiriam para os objetivos aqui estabelecidos, uma vez que diversas variedades linguísticas nacionais poderiam ser encontradas em uma única cidade. Não há dúvida de que, quando se propõe a analisar uma variedade linguística “nacional”, como a brasileira, por exemplo, seria necessário compor uma amostra representativa de todas as regiões do país. Contudo, pelas limitações de uma pesquisa da natureza desta que aqui se apresenta, foi preciso eleger uma localidade que representasse o país. Portanto, ao mencionar a variedade angolana, verdadeiramente está em foco a variedade luandense do português; do mesmo modo, a variedade moçambicana do português é representada pela variedade da cidade de Maputo e a brasileira pela variedade paulistana.

A interação com os participantes dos três países aconteceu da mesma forma: em encontros individuais (entre a pesquisadora e os entrevistados), havia uma primeira

132 etapa que constituía em um questionário socioeconômico e uma segunda etapa que consistia na exposição de fotografias pré-selecionadas69 que motivavam a produção das formas de tratamento. É preciso informar que todas as entrevistas foram gravadas por meio de câmera filmadora e gravador de voz e que todo esse material foi submetido à posterior transcrição.

Para a aplicação do questionário socioeconômico, foi de fundamental importância uma etapa prévia de elaboração das perguntas, que utilizou os princípios da teoria sociolinguística como embasamento. Nesse sentido, era necessário que se propusessem questões adequadas a fim de se traçar um conveniente panorama sociolinguístico dos informantes. Assim sendo, tomou-se como ponto de partida os questionários empregados por três pesquisas anteriores: i) para o caso brasileiro, utilizou-se como modelo a pesquisa realizada no âmbito do projeto Subsídios Sociolinguísticos do Projeto Censo à Educação realizado pelos pesquisadores do Programa de Estudos sobre o uso da Língua (PEUL). Esse trabalho foi reportado na obra Padrões sociolinguísticos: análise de fenômenos variáveis do português falado na cidade do Rio de Janeiro, organizada por Giselle Machline de Oliveira e Silva e Maria Marta Pereira Scherre, em 1996; ii) para o caso angolano, foi imprescindível o embasamento fornecido pela tese de pós-doutoramento do antropólogo e professor da Universidade Estadual Paulista (UNESP) Dagoberto José Fonseca, intitulada Nas marolas do Atlântico: interpretações de Angola, da África, do Brasil e de Portugal. Essa pesquisa foi apresentada à Faculdade de Educação da Universidade de Campinas, em 2009; iii) e, para o caso moçambicano, o subsídio fundamental foi fornecido pelo linguista e professor da Universidade Eduardo Mondlane (UEM) Gregório Firmino, a partir da obra A questão linguística na África pós-colonial: o caso do português e das línguas autóctones em Moçambique (2006).

A fim de discorrer sobre as variáveis sociais e o perfil do corpus Censo, Giselle Machline de Oliveira e Silva (1996) descreve o emprego de variáveis externas estratificadas (tais como sexo, faixa etária e nível de escolarização) e variáveis externas não estratificadas (como mercado ocupacional, mídia, sensibilidade linguística e renda).

No que se refere às variedades sociais estratificadas, William Labov, ao propor os seus Padrões Sociolinguísticos, em 1972, já previa a sua utilização a fim de se

69 A questão metodológica acerca do emprego de fotografias será descrita na seção seguinte (cf. a

133 compreender os fenômenos linguísticos em análise. A fim de contextualizar historicamente a utilização das variáveis, Silva e Paiva (1996, p.371) esboçam o seguinte panorama:

Se Labov foi o pioneiro na procura sistemática de métodos e técnicas para a abordagem das variáveis sociais hoje consideradas tradicionais (classe social, nível de escolarização, idade, sexo e etnia), coube ao grupo dirigido por Gillian Sankoff, Henriqueta Cedergren e David Sankoff, em 1973, nas Universidades de Montreal e Québec, não só trazer contribuições que provocaram um considerável avanço da Sociolinguística Quantitativa, como também desenvolver as primeiras investigações de outras variáveis extralinguísticas, como por exemplo, a inserção dos falantes no mercado linguístico.

A necessidade de se considerar as variáveis estratificadas na elaboração deste questionário foi enfatizada ao se apreciar o estudo sobre formas de tratamento realizado por Mundim (1981). Essa estudiosa lançou hipóteses de que as variáveis desse tipo influenciavam diretamente nas escolhas tratamentais. As suas hipóteses eram:

1. As mulheres usam menos você que os homens; 2. Os jovens usam mais você que os adultos e os velhos;

3. As pessoas de nível de escolaridade mais alto usam mais você do que as outras;

4. Classes ocupacionais que têm status social (médico, deputado, gerente e guarda de trânsito), sugerem maior uso de senhor do que outras (MUNDIM, 1981, p.9).

Além das três variáveis estratificadas, Mundim (1981) também apontava para o mercado ocupacional como uma hipótese para explicar as escolhas de formas de tratamento feitas pelos seus informantes. A esse respeito, Silva (1996) afirma que a relação estabelecida entre a atividade profissional desempenhada por uma pessoa e a sua correspondente necessidade de uso de formas linguísticas consideradas de prestígio é o objetivo de se considerar a variável não estratificada “mercado ocupacional”. De acordo com ela, para se obter informações mais concretas sobre essa variável faz-se necessário inquirir não só a respeito da profissão atual desempenhada pelo informante, mas também de suas ocupações anteriores, bem como a de seus pais e cônjuges.

A questão da ocupação é de grande relevância para a sociolinguística, haja vista que, desde o clássico estudo laboviano sobre a variação no ‘r’ realizado em lojas de departamento nova-iorquinas, a profissão desempenhada pelo informante foi um dos

134 fatores fundamentais empregados para se explicar seus usos linguísticos. Sobre essa temática, Labov (1972/2008, p.65-66) faz a seguinte afirmativa:

Evidencia-se que a ocupação de uma pessoa está mais intimamente relacionada a seu comportamento linguístico – para aquelas que trabalham ativamente – do que qualquer outra característica social. Os resultados aqui apresentados indicam que as lojas estão objetivamente diferenciadas numa ordem fixa e que os empregos nessas lojas são avaliados pelos empregados nessa mesma ordem (LABOV, 1972/2008, p.65-66).

Nesse mesmo sentido, Guy (1988) correlaciona diferenças de prestígio e poder associadas à profissão com a forma de se expressar das pessoas. Segundo ele, um banqueiro não fala da mesma forma como um ajudante de restaurante e um professor não se expressa como um encanador. Assim, “eles sinalizam as diferenças sociais entre eles pela característica de sua fonologia, gramática e escolha lexical, exatamente da mesma forma como fazem extralinguisticamente, por meio de sua escolha de roupas, carros e assim por diante”70 (GUY, 1988, p.37, tradução nossa).

Ainda refletindo sobre as variáveis não estratificadas, Silva (1996) faz o seguinte comentário acerca do trabalho dos pesquisadores do projeto PEUL – que foi de grande importância para se pensar na proposição das questões que comporiam o questionário socioeconômico da presente pesquisa:

Sob orientação do professor Anthony Naro, estão sendo propostas novas variáveis do tipo origem do falante, bens culturais, bens materiais e motivações, com o objetivo de descobrir aspectos sociais mais sutis que possam lançar luzes para uma compreensão mais ampla da(s) comunidade(s) de fala brasileira (SILVA, 1996, p.378).

A autora menciona a origem dos falantes como um dos fatores que podem determinar o seu comportamento linguístico. Além disso, há uma preocupação com os bens culturais e materiais, que permeiam a vida desses informantes, também como um fator que possa contribuir para a análise linguística. A esse respeito, optou-se, por um lado, em inserir questões sobre origem – tanto do falante como de seus pais –, partindo da hipótese de que opções linguísticas de ordem diatópica poderiam ser relevantes aos objetivos desse trabalho. Por outro lado, houve a opção de não incluir a variável renda por se acreditar que uma questão a esse respeito geraria desconforto aos informantes e que isso prejudicaria a necessária relação empática entre pesquisadora e entrevistado.

70 “They signal the social differences between them by features of their phonology, grammar, and lexical

135 Entretanto, a questão levantada por Silva (1996) acerca dos bens culturais foi aqui considerada, sobretudo no que concerne à exposição à mídia como um possível fator de influência nas escolhas linguísticas. Argumentando a favor dessa variável, a pesquisadora considera:

No mundo moderno os meios de comunicação de massa, como televisão, rádio, jornais e revistas, constituem um vetor poderoso, que atinge o indivíduo, influenciando-o. Assim, a variável mídia diz respeito ao grau de exposição do falante aos meios de comunicação de massa. Considerou-se indiferentemente a influência de todos os meios de comunicação, porém, indubitavelmente, o tempo de exposição à televisão é maior do que aos outros, de acordo com o depoimento dos próprios falantes. Consequentemente, sua influência deve ser mais forte do que qualquer outro meio de comunicação. Com o estudo desta variável, objetivava-se testar se a maior ou menor exposição à mídia influencia um maior ou menor índice de formas de prestígio (SILVA, 1996, p.63). 71

A partir do questionário de Fonseca (2009a) e de Firmino (2006), observou-se que havia algumas questões fundamentais para a realidade dos países africanos de língua portuguesa, que não tinham fundamento para o Brasil. Essas questões especificamente se referiam às noções de pertencimento étnico e uso de outras línguas cotidianamente para além do português – considerando-se, assim, as realidades plurilíngues desses países. Desse modo, optou-se por fazer um modelo de questionário para cada país, sendo que, para Angola e Moçambique, além das perguntas utilizadas no questionário brasileiro, foram acrescidas as perguntas apontadas pelos pesquisadores citados como relevantes a esses países.

Com um objetivo ilustrativo, segue o modelo de questionário aplicado aos entrevistados brasileiros, da cidade de São Paulo:

71 A partir do que foi exposto, avaliou-se a necessidade de incluir na variável “exposição à mídia” uma

questão acerca do acesso dos informantes à internet, haja vista que ela corresponde a um dos meios de acesso à informação mais utilizado contemporaneamente.

136

Quadro 07: Questionário sociolinguístico para informantes brasileiros

(1ª etapa da pesquisa – cidade de São Paulo, Brasil)

Fonte: própria

Com o mesmo intuito, seguem os questionários aplicados aos entrevistados moçambicanos e angolanos, das cidades de Maputo e Luanda, respectivamente. É preciso salientar que para esses dois países seguiu-se o mesmo modelo de questões, com uma pequena alteração nas questões de número 4.1 e 5:

1. Nome: 2. Idade:

3. Mora em qual bairro?

3.1. Já morou em outro bairro? Por quanto tempo? 4. Onde nasceu? Em qual cidade? Qual estado?

4.1. Se nasceu em outra cidade (que não São Paulo), por quanto tempo viveu lá? Há quanto tempo se mudou para São Paulo?

4.2. Onde seus pais nasceram? 5. Se sente paulistano?

6. Qual é a sua cor? Negra, branca, parda? 7. Já foi / Vai à escola? Por quanto tempo?

7.1. Fez outros cursos? (cursos técnicos, informática, profissionalizantes) 8. Qual é a sua profissão?

8.1. Onde trabalha? Em qual bairro? 8.2. Sempre trabalhou com isso?

9. Além do português, fala também outra língua? Se sim, quando? 10. Segue alguma religião?

11. Costuma assistir à televisão? Quanto?

11.1. Se sim, quais são seus programas favoritos?

11.2. Você lê revista ou jornal? Ouve rádio? Com qual frequência? 11.3. Acessa a internet? Com qual frequência?

11.4. Se sim, para que usa a internet?

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Quadro 08: Questionário sociolinguístico para informantes moçambicanos

(2ª etapa da pesquisa – cidade de Maputo, Moçambique)

Fonte: própria

1. Nome: 2. Idade:

3. Mora em qual bairro?

3.1. Já morou em outro bairro? Por quanto tempo? 4. Onde nasceu? Em qual cidade? Qual província?

4.1. Se nasceu em outra cidade (que não Maputo), por quanto tempo viveu lá? Há quanto tempo se mudou para Maputo?

4.2. Onde seus pais nasceram? 5. Se sente um cidadão de Maputo? 6. Qual é a sua etnia?

7. Qual é a sua cor?

8. Já foi / Vai à escola? Por quanto tempo?

8.1. Fez outros cursos? (cursos técnicos, informática, profissionalizantes) 9. Qual é a sua profissão?

9.1. Onde trabalha? Em qual bairro? 9.2. Sempre trabalhou com isso? 10. Onde aprendeu o português? 10.1. Quando usa o português? 10.2. Qual é sua língua materna?

10.3. Além do português e da língua materna, fala alguma outra língua? Quando? 10.4. Qual língua usa em casa?

10.5. Em qual língua se sente mais à vontade? Por quê? 11. Segue alguma religião?

12. Costuma assistir à televisão? Quanto?

12.1. Se sim, qual é o canal de sua preferência? Quais são seus programas favoritos?

12.2. Você lê revista ou jornal? Ouve rádio? Com qual frequência? 12.3. Acessa a internet? Com qual frequência?

12.4 Se sim, para que usa a internet?

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Quadro 09: Questionário sociolinguístico para informantes angolanos

(3ª etapa da pesquisa – cidade de Luanda, Angola)

Fonte: própria

1. Nome: 2. Idade:

3. Mora em qual bairro?

3.1. Já morou em outro bairro? Por quanto tempo? 4. Onde nasceu? Em qual cidade? Qual província?

4.1. Se nasceu em outra cidade (que não Luanda), por quanto tempo viveu lá? Há quanto tempo se mudou para Luanda?

4.2. Onde seus pais nasceram? 5. Se sente um cidadão de Luanda? 6. Qual é a sua etnia?

7. Qual é a sua cor?

8. Já foi / Vai à escola? Por quanto tempo?

8.1. Fez outros cursos? (cursos técnicos, informática, profissionalizantes) 9. Qual é a sua profissão?

9.1. Onde trabalha? Em qual bairro? 9.2. Sempre trabalhou com isso? 10. Onde aprendeu o português? 10.1. Quando usa o português? 10.2. Qual é sua língua materna?

10.3. Além do português e da língua materna, fala alguma outra língua? Quando? 10.4. Qual língua usa em casa?

10.5. Em qual língua se sente mais à vontade? Por quê? 11. Segue alguma religião?

12. Costuma assistir à televisão? Quanto?

12.1. Se sim, qual é o canal de sua preferência? Quais são seus programas favoritos?

12.2. Você lê revista ou jornal? Ouve rádio? Com qual frequência? 12.3. Acessa a internet? Com qual frequência?

12.4 Se sim, para que usa a internet?

139 3.2 Fotografias sociais

Aos estudiosos do sistema de formas de tratamento, um problema metodológico crucial se coloca: por meio de entrevistas sociolinguísticas, como obter os dados de fala necessários a fim de se estudar o fenômeno pretendido em sua complexidade e diversidade de formas possíveis disponibilizadas pelos sistema?

Quando se opta por estudar formas de tratamento por meio de textos escritos, é preciso mencionar que há ligeiramente mais facilidade em encontrar situações interlocutivas que favoreçam o aparecimento dos tratamentos – a depender do gênero textual privilegiado para análise – , como por exemplo, o trabalho com peças de teatro (LOPES; DUARTE, 2003), cartas pessoais (LOPES, 2005, 2009; MARCOTULIO, 2010), textos literários, documentos históricos (LOPES, 2006), textos jornalísticos (BALSALOBRE, 2010), entre outros.

No entanto, quando a intenção é a de se estudar dados de fala contemporânea, surge a dificuldade em se obter os dados desejados. Uma das vias de estudo possíveis é optar-se por analisar vídeos da televisão, ou veiculados pela internet, com programas de entrevistas72. A vantagem desse método, por um lado, é a não interferência da subjetividade do pesquisador, haja vista que ele atuará apenas como um observador. Por outro lado, contudo, durante um programa de entrevista, as formas de tratamento se repetem e não são produzidas em abundância pelos interlocutores, uma vez que os papéis sociais e os níveis de formalidade tendem a permanecer estáveis durante o período da gravação.

Sendo assim, durante os anos 1980 alguns pesquisadores se propuseram a testar um método de pesquisa com formas de tratamento que se mostrou bastante eficaz: o uso de fotografias. Nessa vertente de estudos, dois trabalhos se destacam: o artigo de Maria Teresa dos Santos Abreu e José da Veiga Mercer, publicado em 1988, acerca do emprego do pronome zero na cidade de Curitiba e a dissertação de mestrado em Linguística, apresentada à UFRJ, no ano de 1981, por Sônia Mundim, que foi intitulada Formas de tratamento e vocativos no Rio de Janeiro.

Começando pelo mais antigo, a pesquisa realizada por Sônia Mundim aplicou a metodologia pioneiramente utilizada por Gisele Machline de Oliveira Silva (1974), que

72 Essa alternativa de se utilizar programas de entrevistas foi mencionada como uma possibilidade de

estudos de formas de tratamento na página 130 dessa seção. Naquela ocasião, explicou-se os motivos pelos quais, nesse estudo, faz-se a opção por não se adotar essa perspectiva metodológica.

140 consiste em apresentar fotografias de pessoas a entrevistados e propor uma situação de fala em que apareça a forma de tratamento em avaliação. Nesse trabalho de 1981, a autora relata o percurso empregado para se obter os dados e realizar a análise, ou seja, foram entrevistados 75 informantes com idades entre 25 e 45 anos. Para cada um deles foram mostradas 11 fotografias do que a autora chamou de alvos – em outras palavras, tratava-se de fotos de pessoas que retratavam perfis de profissionais da sociedade carioca da época.

A escolha das fotografias como metodologia de pesquisa foi assim justificada por Mundim (1981, p.22):

Dada a impossibilidade de se organizar um corpus adequado sobre variação pronominal em termos de uso real, percebemos que o nosso estudo deveria voltar-se para a atitude linguística. Assim, a melhor forma de coletar os dados seria através de entrevistas e questionários que apresentassem uma mesma situação para todos os informantes (MUNDIM, 1981, p.22).

Com esse instrumental de trabalho, a pesquisadora conseguiu obter uma homogeneidade em suas entrevistas, uma vez que todos os informantes se dirigiam aos mesmos alvos fotografados e, por isso, “teriam a mesma fonte visual motivadora para manifestarem suas expressões verbais” (MUNDIM, 1981, p.22). Diante desse mesmo “dispositivo visual”, a observação se focava nos diferentes motivadores que levavam os informantes a elegerem diferentes formas de tratamento para esses alvos. Como mencionado, essas fotografias representavam profissionais da sociedade carioca da época, com diferentes status sociais, a saber:

a) Vendedores que trabalham ao ar livre: camelô, feirante, vendedor de mate (da praia);

b) Vendedores que trabalham em loja comercial: vendedor de meias, garçom;

c) Autoridade reconhecida e estabelecida: guarda de trânsito; d) Profissional liberal: médico;

e) Político: deputado;

f) Executivo em geral: gerente de banco;

g) Profissional técnico que está em contato com o povo: motorista de taxi;

h) Autoridade relativa: porteiro (MUNDIM, 1981, p.26).

Todas as fotografias precisavam caracterizar o alvo da melhor forma possível e em pleno exercício de suas funções, de maneira que o informante, ao olhar, imediatamente pudesse identificar esse alvo. Com essas imagens em mãos, a proposta que a pesquisadora fazia aos seus entrevistados era que eles estabelecessem pequenos

141 diálogos com os alvos fotografados, simulando situações reais. Todavia, ela sempre explicitava que as pessoas das imagens não representavam ninguém de suas relações. Portanto, tratava-se de desconhecidos, cuja relação seria não íntima.

A partir da simulação desses diálogos pelos entrevistados, Mundim (1981) conseguia obter os dados das formas de tratamento nominais e pronominais com bastante naturalidade. Além disso, era também seu objetivo avaliar a correlação entre essas formas de tratamento e os vocativos pelos cariocas. Assim sendo, quando os vocativos não apareciam espontaneamente nos diálogos, a pesquisadora fornecia uma nova instrução: “induzíamos o informante a usá-lo, pedindo-lhe que imaginasse o alvo parado a certa distância, a ponto de não poder tocá-lo. Desta forma, surgia sempre uma expressão vocativa” (MUNDIM, 1981, p.23).

Dessa forma, ao apresentar esses alvos aos entrevistados a pesquisadora estava interessada em testar cinco hipóteses73, a saber:

1. As mulheres usam menos você que os homens; 2. Os jovens usam mais você que os adultos e os velhos;

3. As pessoas de nível de escolaridade mais alto usam mais você do que as outras;

4. Classes ocupacionais que têm status social (médico, deputado, gerente e guarda de trânsito), sugerem maior uso de senhor do que