• Nenhum resultado encontrado

Trabalhas sem alegria para um mundo caduco, onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo. Praticas laboriosamente os gestos universais, sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual (Carlos Drummond de Andrade – Elegia 1938)

O trabalho assumiu um sentido deturpado na sociedade capitalista, uma vez que, ao invés de humanizar o homem, coisifica-o. Daí a importância de resgatar o trabalho como principio educativo, uma vez que o saber é decorrente da atuação humana em sua atividade prática, ou seja, em seu trabalho, entendido como todas atividades humanas por meio das quais o homem apreende, compreende e transforma a realidade e ao mesmo tempo é transformado por ela. (MARX,1983).

A idéia de um Ensino Profissional integrado com o Ensino Médio parte da premissa de que o trabalho, na perspectiva assinalada, educa e forma, uma vez que se constitui do processo de relação entre o homem e a natureza. Nessa relação, o homem aplica sua própria força natural pertencente à sua corporeidade para se apropriar da natureza e produzir sua existência. Ao fazer isso, ele modifica a natureza externa e modifica a si mesmo, uma vez que produz, a partir dessa relação, significados, sentimentos, formas subjetivas de ver o mundo e criar ou recriar sua existência (MARX, 1983). É o que Kosik (1976) chama de concepção ontológica ou ontocriativa do homem. Tesser (1995, p. 38), a este respeito, corrobora a visão de Marx e Kosik, ao afirmar que “o homem se define por aquilo que faz. Ao mesmo tempo que pelo trabalho produz a existência, ele produz a si mesmo. O homem é produtor e produto de seu trabalho” O autor acrescenta, ainda, que o homem se faz em sua relação (leia-se trabalho) com a natureza, imprimindo intencionalidade à sua ação. Em outras palavras, o homem pensa para fazer e pensa no que faz, o que constitui a ação práxica.

Considerando o exposto, a integração entre formação profissional e Ensino Médio tem o objetivo de abordar, portanto, o trabalho como atividade que produz valores de uso para o trabalhador de acordo com suas necessidades enquanto ser humano. Contrapõe-se à visão capitalista-burguesa de preparação para o trabalho como adestramento para os postos de emprego disponíveis na sociedade, cujo objetivo essencial é gerar lucros para os donos do capital.

Uma escola calcada no trabalho enquanto princípio educativo encerra uma visão de formação omnilaetral ou politécnica como denomina Gramsci (1968). Esta escola é descrita por Machado (1989) como uma escola de cultura geral, que dá condições ao educando de se apropriar da cultura, das ciências e da tecnologia produzidas pela coletividade humana como instrumentos para produção de sua existência e para a transformação social. Nessa mesma linha, Frigotto (2005, p. 59-60) afirma que está implícito o sentido de propriedade em sua concepção ontológica, uma vez que “é o direito do ser humano, em relação e acordo solidário com outros seres humanos, de apropriar-se, transformar, criar e recriar pelo trabalho – mediado pelo conhecimento, ciência e tecnologia”.

A discussão em torno de uma formação omnilateral e politécnica remonta aos anos 80 antes e depois da promulgação da Constituição Federal de 1988, a chamada Constituição Cidadã (SAVIANI, 2001). Esta discussão foi avivada na elaboração da versão da LDBN do Deputado Otávio Elísio que continha as propostas da sociedade civil e que foi ignorado em favor do projeto do Senador Darcy Ribeiro. Frigotto (2005, p. 58) argumenta que uma escola de nível médio integrada com o mundo do trabalho e da produção tem duplo objetivo: “[...] o de construir concepções e práticas que refuncionalizam as estruturas que geram a desigualdade e o de construir concepções inerentes a uma práxis capaz de transformar as relações sociais vigentes na sociedade e nos processo educativos”.

Saviani (2002), Ciavatta (2005), Ramos (2005), dentre outros autores, colocam que a concepção que sempre prevaleceu em relação ao Ensino Médio, no que se refere à relação Educação e Trabalho, foi a liberal-burguesa, para quem o trabalho corresponde ao saber-fazer. Este, uma vez objetivado em produtos a serem comercializados, são trocados por salários para os trabalhadores e transformados em usura ou lucro para os donos dos meios de produção. Daí a prevalência de uma estrutura dual, destinada a formar as classes populares que, em troca de um salário, geralmente não lícito, produzirá lucros para a classe que o usufruirá. Sobre este tema, Frigotto (2005, p. 63) argumenta que:

[...] no plano da ideologia, a representação que se constrói é a de que o trabalhador ganha o que é justo pela sua produção, pois parte do pressuposto de que os capitalistas (detentores do capital) e os trabalhadores que vendem sua força de trabalho o fazem numa situação de igualdade e por livre escolha.

Saviani (2001) explica que tal contradição foi gerada no advento da Idade Moderna, em que a emergência da burguesia e do liberalismo econômico quebrou a estrutura feudal pautada no direito natural, implantando o direito positivo. Sustenta o autor que:

A sociedade moderna arranca o trabalhador do vínculo com a terra e o despoja de todos os seus meios de existência. Ele fica exclusivamente com sua força de trabalho, obrigado, portanto, a operá-la com meios de produção que são alheios. [...] O trabalhador se converte em trabalhador livre porque desvinculado da terra, livre porque pode vender sua força de trabalho [...], mas também no sentido negativo na medida em que é desvinculada dos seus meios de existência. (SAVIANI, 2001, p. 155).

O trabalho, da forma como colocada nessa citação, deixa de ser formador do trabalhador, deixa de ser sua mediação com o mundo natural para ser mercadoria negociável por quem não possui os meios de produção.

E a escola nesse contexto?

A indústria, como forma de produção material dos seres humanos, trouxe consigo a urbanização e a aplicação da ciência ao aumento da produção. Trouxe também a necessidade de se dar ao trabalhador uma formação que lhe possibilitasse lidar com as novas condições produtivas. A indústria, em sua gênese, consistiu na transferência da força manual para a máquina, que por sua vez a sujeitou. Enquanto essa força motriz humana gerou os almejados lucros, a intelectualidade do trabalhador foi ignorada. Nesse sentido, a escola a ele destinada não se preocupava em lhe conferir uma formação humana capaz de tirá-lo da condição de explorado passivo e conferir-lhe a humanidade, ontologicamente falando (de ser transformador). A partir do momento em que a ciência avança e passa a transferir o conhecimento humano para a máquina, surge a necessidade de um novo trabalhador, que em sua maioria não existia, em virtude do histórico processo de desumanização engendrado anteriormente. Nesse ponto, uma contradição desemboca no seio da sociedade: a nova forma de produzir, baseada na transferência do conhecimento humano para a máquina, necessita de um trabalhador criativo, capaz de resolver complexos problemas e, portanto, desenvolvido em sua intelectualidade. Por outro lado, sendo o conhecimento o meio de produção, “na medida em que o saber se generaliza e é apropriado por todos, então os trabalhadores passam a ser

proprietários de meios de produção. Mas é da lógica da sociedade capitalista que o trabalhador só detenha a força de trabalho” (SAVIANI, 2001, p. 161). Assim, o trabalhador não pode ter o saber, mas sem saber ele não pode produzir. Como resolver tal impasse?

O governo brasileiro, comandado por Fernando Henrique Cardoso, tentou resolver este impasse por meio do Decreto 2.208/97 (BRASIL, 1997), na medida em que separou a formação humana do próprio humano, tomando-o, somente, enquanto força produtiva. A contradição que a evolução do próprio capitalismo impôs gerou um espaço para se resgatar o conceito de formação omnilateral que toma o trabalho, entendido como ontológico ao ser humano, como princípio educativo, ou seja, a possibilidade de superar a dicotomia trabalho manual/trabalho intelectual, de incorporar a dimensão intelectual ao trabalho produtivo, de formar trabalhadores capazes de atuar como dirigentes e cidadãos. (GRAMSCI apud FRIGOTTO, CIAVATTA, RAMOS, 2005).

O contexto que desenrolamos em nossa análise constitui importante oportunidade de resgatar a educação enquanto prática social de formação humana integral. A escola, portanto:

passa a ser percebida como uma totalidade, um espaço de relações que participam da produção de existências humanas e sociais [...], no decorrer do processo [...] cria a realidade humana [...], ao mesmo tempo, uma realidade social que passa a existir de forma independente do homem. Por essa razão, são dadas as condições do homem conhecer o mundo através de sua reprodução, espiritual e intelectualmente. (CORRÊA, 2005, p. 129-137).

As concepções que esboçamos até aqui são fundamentais para a compreensão da conjuntura que enreda o Curso de Formação de Docentes em Nível Médio no Estado do Paraná. Além de considerarmos que a rede pública de ensino fez a opção pelo Ensino Profissional na modalidade integrada com o Ensino Médio, tal opção não só influencia a dinâmica do próprio curso, como no conteúdo ministrado nele, uma vez que trata da formação de professores. Assim, trataremos de expor, a seguir, como se encontra a configuração do Ensino Profissional no Estado do Paraná e, em particular, do Curso de Formação de Docentes. E, para completar a idéia que acastelamos em termos de formação integrada, utilizaremos as palavras de Ciavatta (2005, p. 84):

A formação integrada sugere tornar íntegro, inteiro, o ser humano dividido pela divisão social do trabalho entre a ação de executar e a ação de pensar, dirigir ou planejar. Trata-se de superar a redução da preparação para o trabalho ao seu aspecto operacional, simplificado, escoimado dos

conhecimentos que estão na sua gênese científico-tecnológica e na sua apropriação histórico-social. Como formação humana, o que se busca é garantir ao adolescente, ao jovem e ao adulto trabalhador o direito a uma formação completa para a leitura do mundo e para a atuação como cidadão pertencente a um país, integrado dignamente à sua sociedade política. Formação que, neste sentido, supõe a compreensão das relações sociais subjacentes a todos os fenômenos.

Ter o trabalho como princípio educativo, explica Frigotto (2005), não é uma técnica didático-metodológica no processo de aprendizagem, mas, antes de tudo, um princípio ético-político. O trabalho, concebido dessa forma, é um dever e, ao mesmo tempo, um direito. Um dever, uma vez que é “justo que todos colaborem na produção de bens materiais, culturais e simbólicos, fundamentais à produção da vida humana”. E é também um direito, pelo fato de o ser humano ser constituído de natureza que “necessita estabelecer, por sua ação consciente, um metabolismo com o meio natural, transformando em bens, para sua produção e reprodução”. (FRIGOTTO, 2005, p. 61).

O saber é resultado dessa relação homem/natureza, mas, no que tange à propriedade, historicamente a classe social que detém a posse dos instrumentos intelectuais que lhe permite sistematizar o saber socialmente produzido, transforma-o em teoria e o utiliza em seu favor. Esse saber socialmente produzido pelo trabalho humano e sistematizado em teoria por uma classe tem um lugar próprio de disseminação que é a escola. (KUENZER, 1985).

Ao ser repassada para e pela escola, a teoria é deslocada de seu ambiente de produção, tornando-a distante de sua dinamicidade no seio das relações sociais, “o que não deixa de ser um serviço ao capital em seu movimento de acumulação, para o quê, a produção e a apropriação privada de certos conhecimentos é fundamental”. Ao tomar o trabalho como princípio para a práxis pedagógica, subentende-se a sua historicização, a fim de se recuperar seu real sentido e para compreendê-lo no contexto de cada sistema produtivo (KUENZER, 1988,P. 64).

Finalizamos com uma idéia defendida nos estudos de Kuenzer (1985, p. 29) a qual, a nosso ver, deve permear a formação de professores:

Conceber o trabalho dessa forma implica reconhecê-lo como atividade ao mesmo tempo teórica e prática, reflexiva e ativa. Considerando o que é intrínseco ao trabalho humano, no seu acontecendo, independentemente do modo de produção, ele tem sempre duas dimensões, pois decisão e ação são momentos inseparáveis. Não existe atividade humana da qual se possa

excluir toda e qualquer atividade intelectual, assim como toda atividade intelectual exige algum tipo de esforço físico ou atividade instrumental.

A nossa Fênix, a partir das premissas assinaladas anteriormente neste item, terá uma nova plumagem, não só em termos do colorido, mas também da textura, da disposição, pois as raízes são outras. Isto posto em termos da intenção, expressa nos documentos oficiais e das pessoas que ajudaram em seu renascimento em solo parananense.