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CAPÍTULO I. MEIO RURAL PORTUGUÊS

1.4. Caracterização Socio-Histórica do Lazer

1.4.2. Lazer: breve evolução socio-histórica

O ócio tem as suas origens na Grécia de Aristóteles (384 a. C.) é, por isso, uma forma bastante antiga de aproveitar o tempo. São de Aristóteles as frases “We work in order to have leisure” e “we are unleisurely in order to achieve leisure” (Gini, 2003, p. 9), e pode retirar-se delas o sentido de ser necessário trabalhar para se aproveitar o tempo de lazer mas, mais do que isso, é porque se desempenha um trabalho que se requer um tempo diferente, um tempo afastado de atividades rotineiras, que permita pensar e fazer diferente. A contemplação era o principal objetivo do ócio no tempo de Aristóteles, que considerava que era através do tempo livre que se conseguia pensar, escrever poesia e música. E também em Roma, no tempo de Séneca (primeiros anos da vida cristã), o lazer ganha grande importância, sendo um tempo de descanso e recreação da mente para que depois se pudesse voltar ao trabalho (Puig & Trilla, 2004, p. 23).

Aproximadamente, entre os séculos V e XV (Idade Média) e fins do século XIII e meados do século XVII (Renascimento), o sol e a Igreja controlavam os períodos de lazer e de trabalho dos agricultores e dos artesãos, o primeiro através da delimitação do dia e da noite; e a segunda pela definição dos dias festivos e de pausa do trabalho. Entre 1789 e 1799, durante a Revolução Francesa, esta forma de organização do lazer e do trabalho alteram. É possível, a partir desta altura, a negociação do horário de trabalho e a Igreja deixa de controlar todos os feriados e dias festivos (Puig & Trilla, 2004, pp. 24-26).

Mais recentemente, nas sociedades pré-industriais, o lazer (e o ócio) relacionava-se com as atividades de culto, tradicionais e as festas (Aquino & Martins, 2007, p. 485). O lazer autónomo e livre que se mencionou anteriormente não tinha, nestas sociedades, visibilidade. Aliás, o lazer, mesmo mais tarde, no período industrial, surge associado ao trabalho e à produção, e afastado da ludicidade de que hoje é composto (Aquino & Martins, 2007, p. 485).

Apenas durante a Revolução Industrial o ócio e o lazer adquirem verdadeiro significado, quando os operários lutam por melhores condições laborais, inclusivamente, pela possibilidade de terem tempo livre, ao qual se podem dedicar sem qualquer imposição da fábrica e da produção (Aquino & Martins, 2007, p. 485). Até então, as mulheres, que se dedicavam exclusivamente à casa e à família, não tinham tempo livre; e os homens viviam para o trabalho.

Com os sindicatos, iniciou a luta. Os trabalhadores precisavam de repor energias e dedicar mais tempo à família e aos filhos. Como foi possível verificar, a visão utilitarista da família deu lugar a uma visão romântica, o amor passa a ter um lugar privilegiado dentro do seio familiar, alterando a relação com o trabalho, consequentemente, com o tempo livre e, por sua vez, com o lazer (Pereira & Neto, 1999, p. 87).

Na atualidade, as grandes alterações em termos de dinâmicas urbanas, o desenvolvimento da tecnologia, mais uma vez, as exigências do mercado de trabalho, faz aumentar a indisponibilidade para ter tempo livre, logo altera as práticas de lazer. O meio rural ainda é um espaço onde se consegue vivenciar o tempo livre de maneira saudável, a rua ainda pode ser contemplada nas brincadeiras das crianças e jovens, o que aumenta as possibilidades de sociabilidade com os pares; o tempo despendido em viagens não é tão elevado como para os residentes do meio urbano (Ferraz & Pereira, 2009, p. 258) e o contacto com a natureza, logo a diversidade de práticas de lazer, é maior.

Não foi objetivo apresentar aqui uma extensa explanação acerca do desenvolvimento das práticas de lazer na sociedade ao longo dos tempos. Pretendeu-se, sim, demonstrar que o ócio e o lazer sempre fizeram parte da realidade dos seres humanos, apesar de, como se referiu, com contornos bastante diferenciados da forma como se explora na atualidade. O acesso a novos artefactos, as mudanças na família, no trabalho e nos meios rural e urbano potenciam a existência desses diferentes contornos.

SÍNTESE

O meio rural não é estático. Na verdade, esta era uma afirmação que quase não necessitava ser feita, não fosse o rural frequentemente associado a velhas tradições, antigas formas de fazer e pouco relacionado com dinamismo, modernidade e inovação. No entanto, o rural dos anos 50 é totalmente diferente do rural de 1970, de 1990 e, muito mais ainda, de 2012. O rural dos anos 50 é caracterizado como sendo um apenas, o de 1990 é analisado na sua forma plural (Figueiredo, 2011); o rural de meados do século XX não conhecia o empreendedorismo e a inovação (com a aceção tecnológica que hoje lhes é atribuída), apesar das cidades começarem a ter acesso às primeiras televisões; o rural de 1950 é original e não uma cópia do urbano, como o é o de 1990 e anos seguintes (Domingues, 2012).

Para a presente investigação, a definição de rural utilizada, sobretudo para auxiliar na construção da amostra, foi a estatística do INE, segundo a qual para se considerar uma região como rural a sua população residente deve ser igual ou inferior a 2.000 habitantes e densidade populacional igual ou inferior a 100 habitantes por Km2. Através da análise feita no capítulo pode concluir-se que Portugal tem um território com características estatísticas maioritariamente rurais, uma vez que da sua população total de 10.562.178 habitantes, a maior parte é residente do litoral.

Desta forma, e apesar da sua atividade económica predominante ainda ser a agricultura, a população já é bastante envelhecida, com os jovens a procurar diferentes oportunidades de trabalho nas cidades. Algo que dificulta o cultivo das terras, uma vez que os seus residentes já não têm forças para o fazer, e também o desenvolvimento das regiões rurais, procurando-se isso mais através do turismo.

Assim, se o rural da década de 50 era baseado numa economia agrícola, com uma grande importância para todo o País, uma vez que o fornecia de produtos alimentares; se se relacionava muito com superstições, crendices, crenças religiosas e tradições, era também um rural associado à felicidade de viver no campo. Já no rural dos anos 60, os fortes movimentos emigratórios, em busca de melhores oportunidades laborais, transformaram-no no rural dos tempos de férias.

Na década de 70, os acontecimentos políticos do 25 de abril de 1974, possibilitaram o regresso dos retornados das ex-colónias, mas também, o melhoramento dos sistemas de educação, saúde e transportes, mas tudo isso ocorreu para e nas cidades, ficando,

mais uma vez, o rural destinado ao envelhecimento e à desertificação. Mas esse rural assiste a uma reviravolta quando, nos anos 80, começa a ser percecionado como idílico, como um local de elevada superioridade moral, muito procurado, por isso, pelos veraneantes que anseiam por momentos de descanso, longe da azáfama diária citadina.

A partir da década de 90 nem o meio rural consegue afastar-se da evolução tecnológica, os procedimentos modernizam-se e vive-se uma forte necessidade de reestruturação. Uma mudança que se vive ainda atualmente, e que foi fortemente potenciada pelos movimentos pendulares dos residentes no meio urbano para passar momentos de lazer e de férias no rural. Por esta razão, são várias as perspetivas teóricas defendidas, que vão desde a proposta de uma rurbanidade (Cimadevilla, 2010; Cloke, 2011); à 2ª ruralidade (Covas & Covas, 2012) associada à sociedade de risco, passando pela desruralização (Domingues, 2012).

De facto, houve acontecimentos de vária ordem (políticos, económicos, religiosos, educativos e culturais) que potenciaram a mudança, não apenas, do meio rural, mas igualmente das suas instituições, como a família, a escola, o trabalho e o lazer. Cristóvão, Medeiros e Melides (2011) afirmam mesmo que

[…] os campos são diversos e, na verdade, existem vários rurais, com diferenças entre norte e sul,

montanhas e vales, pequena e grande agricultura, áreas de menor ou maior densidade populacional, e distintas articulações com os (também diversos) espaços urbanos. (Cristóvão et al., 2011, p. 177).

Neste capítulo foi realizada uma análise a essas principais instituições. A família, apesar de manter alguma das suas características imutáveis, assume um caráter também bastante dinâmico, adapta-se aos tempos, vão surgindo novas formas de constituir família. E não é diferente no meio rural, local onde já chegam as novas tecnologias. A família é um espaço privilegiado de interações, mas as mudanças ocorridas no seu seio conduziram ao surgimento de uma sociedade individualista, algo que teve repercussões na forma de se viver em família. Atualmente esta instituição é caracterizada por manter os seus filhos até mais tarde, com os estudos a prolongarem-se por mais tempo, os casamentos a ocorrerem cada vez mais tarde e, consequentemente, a procriação.

Mas as novas tecnologias promovem também a mudança no trabalho, se a fase agrícola correspondeu a uma “sociedade de bens de base”, a fase industrial foi uma “sociedade de bens tangíveis” e a fase pós-industrial uma “sociedade de bens intangíveis” (Almeida, 2012, p. 29). O trabalho tecnologiza-se, enreda-se e torna-se global, mas isso acontece também na escola, onde as tecnologias entram, sem que os

aula com computadores a serem distribuídos e internet de banda larga e quadros interativos a serem instalados. Ao mesmo tempo, deslocalizam-se os espaços escolares, com a construção de agrupamentos nos centros urbanos e o desmantelamento das escolas dos meios rurais.

Por último, o lazer, apesar da sua difícil aceitação na sociedade, hoje é considerado quase como um bem essencial, necessário para que se reponham as energias de um trabalho desgastante e ubíquo, tem, por isso, uma forte carga psicológica (Gini, 2003). Com as características móveis dos novos media, o trabalho está em toda a parte, mesmo nos tempos de lazer que, a ser assim, não podem, então, designar-se de lazer. Puig e Trilla (2004) concordam que “Não é possível o ócio, se não tiver ficado claro e disponível um espaço de tempo livre de qualquer tipo de obrigação.” (Puig & Trilla, 2004, p. 125).

Família, escola, trabalho e lazer estão amplamente relacionados, quer nos meios urbanos, quer nos rurais, que, por estes verificarem a existência de tantas mudanças, Domingues (2012) considera que “o actual contexo de mudança acelerada está a desmultiplicar até ao infinito as representações sobre a ruralidade: a pós-, a neo-, a des- ruralização.” (Domingues, 2012, p. 317).

Resumidamente, e em jeito de caracterização do que foi o meio rural nas diferentes décadas (1950, 1970 e 1990), pode dizer-se que o rural dos anos 50 era um rural residente e laboral; o dos anos 70 era de migração e o dos anos 90 é um rural familiar e afetuoso. O rural do século XXI está a começar a ser um rural dos pequenos negócios, dos tempos livres e pendular.