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ANEXO XV. Resultados SPSS

Cartograma 10. Ramo de atividade económica de especialização regional, 2011

Fonte: INE (2012b, p. 55)

O ramo de atividade económica predominante no território português continua a ser a agricultura, silvicultura, caça e pescas. Excetuando a região do Algarve e de quase toda a zona costeira do País, cujos ramos de atividade variam entre a construção, o comércio, os serviços e a indústria, praticamente toda a região interior se dedica a atividades relacionadas com a agricultura e as pescas.

A análise destes indicadores revestiu-se de grande importância não apenas para compreender a organização social, regional e económica do País, mas, igualmente, para a definição da amostra do estudo. Aliás, apesar de ter sido realizada, primeiramente, uma análise territorial em termos de NUTS II, verificou-se que esta abordagem não fazia diferenciações que, para o presente trabalho, permitiam identificar a distribuição entre urbano e rural a nível micro, ou seja, em termos mais concretos e específicos dos municípios, aspeto importante para a definição da amostra para os inquéritos por questionário, mas também para a realização dos focus groups. Assim, como será possível analisar com mais detalhe no Capítulo V (Processo metodológico), a nível macro, foi dada ênfase à análise por NUTS I quando foi realizada a seleção da amostra nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, e por NUTS II quando se pretendia selecionar a amostra de Portugal Continental. E, a nível micro, nas duas anteriores seleções em termos de NUTS (I e II), elaborou-se uma análise minuciosa dos municípios.

1.1.2. Definição de rural: estado da arte

O rural é definido estatisticamente em oposição ao urbano. Mas será que assim é em termos teóricos? Como refletem sobre o rural quem se dedica ao seu estudo? O rural, com todas as suas características, dinâmicas e mudanças ao longo do século passado, foi adquirindo contornos que não é possível sintetizar em apenas uma forma de o analisar. Aliás, como refere Elisabete Figueiredo (2011), “não há rural, mas rurais” (Figueiredo, 2011, p. 14), o que remete qualquer análise do rural que se pretenda realizar para a pluralidade dos seus contornos.

O meio rural, como se entendia no século XIX e início do século XX, tem sofrido várias transformações. Nos anos 50 o território português era marcadamente rural, mais de ¾ da população residia no meio rural, aí exercia a sua atividade e a própria economia nacional precisava dos seus frutos (Portela, 1997, p. 1). O rural do Estado Novo (1933- 1974) era caracterizado por ter a agricultura como profissão e estilo de vida; com uma marcada desconfiança face ao progresso técnico-social e a tudo o que era externo; no qual predominavam as ações rotineiras, baseadas, sobretudo, no calendário das estações do ano (primavera, verão, outono e inverno) – que definiam quando era altura de semear, tratar e colher os produtos agrícolas.

A organização económica primordial no Estado Novo era a familiar, aliás, a família e as relações de vizinhança eram os guardiões das tradições locais e os homens adultos aqueles a quem mulheres e crianças deveriam guardar respeito absoluto. Sobressaem as relações de entreajuda entre os vizinhos e familiares, quer para atividades agrícolas, quer para a manutenção das memórias e tradições; o rural era ainda o local onde se acreditava em superstições e crendices, e onde os cultos pagãos e a vida religiosa eram cumpridos ferverosamente (Domingues, 2012, pp. 136-137).

A Figura 1 ilustra bem as características apresentadas. Trata-se de um exemplo de uma série de sete cartazes editados para comemorar os dez anos de governação de Salazar e ensinar aos jovens os princípios do regime.

Figura 1. A Lição 7 de Salazar: “Deus, Pátria, Família: a Trilogia da Educação Nacional”

Fonte:

http://www.oliveirasalazar.org/download/documentos/A%20li%C3% A7%C3%A3o%20de%20Salazar___4D121BE9-3394-4D43-AB1F- A81584CE2799.pdf, consultado a 19 de novembro de 2012

A Figura 1 traduz a imagem que o Secretariado da Propaganda Nacional (SPN) queria transmitir do País e, mais concretamente, do meio rural. A esposa tratava da casa e dos filhos, enquanto o marido estava a trabalhar na agricultura. Ao fim do dia, o homem volta a casa, e vê-se a saudação ao chefe de família. Em todo este ambiente sobressai a importância da Igreja, da família nuclear, da educação (o filho com a farda da Mocidade Portuguesa), da perpetuação dos costumes com as brincadeiras da filha em volta das casinhas de bonecas e dos tachos. Com esta imagem e outras semelhantes, a pretensão era transmitir uma imagem da felicidade vivenciada no meio rural e na vida no campo (Domingues, 2012, p. 19), traçando os contornos do que era essa mesma vida. Aliás, como refere Ferrão (2000),

Historicamente, o mundo rural destaca-se por se organizar em torno de uma tetralogia de aspectos bem conhecida:

- uma função principal: a produção de alimentos; - uma actividade económica dominante: a agricultura; - um grupo social de referência: a família camponesa […];

- um tipo de paisagem que reflecte a conquista de equilíbrios entre as características naturais e o tipo de actividades humanas desenvolvidas. (Ferrão, 2000, p. 46).

Nos anos 60 assiste-se a um forte período de emigração. O meio rural vê a sua população decrescer, à semelhança do que acontece por todo o País, a procura de novas oportunidades por parte dos portugueses fá-los rumar aos outros países europeus (sobretudo, França, Luxemburgo, Bélgica e Suíça), e aqui inicia o que viria a ser o rural

dos tempos futuros, um local que se procura em tempos de férias, cujos residentes permanentes são as pessoas mais velhas. A par desta situação, e como consequência dela, a superfície rural cultivada também diminui, quem fica perde as forças para poder trabalhar a terra e os jovens preferem procurar trabalho nas cidades (Portela, 1997, pp. 3- 4).

No início da década de 70, mais propriamente em 1974, o acontecimento político do 25 de Abril origina mudanças sociais, culturais, económicas, entre outras, que fazem sentir a vontade de voltar a Portugal. Para além disso, houve também um forte movimento dos retornados, que se veem forçados a regressar das ex-colónias. A democratização do sistema político iniciou um ciclo em que foi possível melhorar os sistemas de educação, as redes de transportes, a saúde pública, a segurança social. No entanto, estes movimentos populacionais não se deram para as áreas mais rurais, mas sim para as cidades, onde existiam as oportunidades de emprego (CEE, 1988, p. 23; Portela, 1997). Igualmente, a perda de predominância, no meio rural, da agricultura a partir do final do século XX, originou uma diminuição das pessoas que se dedicam ao cultivo da terra; provocando um processo de migração da população residente para as zonas urbanas, deixando as rurais envelhecidas e, consequentemente, desertificadas. Associado a este processo de mudança da atividade principal, verificou-se uma alteração também nas práticas, os procedimentos tornam-se mecânicos e modernos; emergindo novas atividades a montante e a jusante da agricultura, mas igualmente completamente desconectadas desta (CEE, 1988, pp. 5-6).

Nas palavras de Fidalgo (1999), a partir dos anos 80, o rural é transformado num local que se procura para viver tranquilamente, com qualidade de vida e sossego, sem receios relativamente à violência e usufruindo do ar puro, ou seja, razões de ordem social e natural (Fidalgo, 1999, p. 2). Afirmam Figueiredo e Ferrão (2007), que esta tendência de consideração do rural se mantém atualmente, uma vez que “as áreas rurais continuam a ser percepcionadas como idílicas, como lugares dominados por uma maior estabilidade e segurança nas relações sociais, assim como por uma maior superioridade moral” (Figueiredo & Ferrão, 2007, p. 3). O rural pode, agora, dedicar-se a outras atividades complementares (exemplo do turismo rural), deixando de ser a agricultura a única fonte de ocupação das terras e dos seus residentes.

José Madureira Pinto (1981) sistematiza as características do espaço social rural português, nas décadas de 70/80, considerando a formação das sociedades capitalistas. Esta sistematização é realizada tendo em conta as especificidades, funções e

transformações daquele espaço. O autor constrói uma tabela onde separa dois indicadores principais: as “funções externas no espaço social rural”, que subdivide em a) fornecimento de bens alimentares e de matérias-primas; b) reserva/fornecimento de força de trabalho aos setores produtivos não agrícolas; c) reservas de espaço físico; e d) funções político-ideológicas de conservação da ordem social. E a “especificidade do espaço social rural”, analisando a 1) dependência em relação aos processos naturais e estreita ligação ao espaço local de grande parte dos agentes sociais que nele habitam; 2) persistência do grupo doméstico enquanto unidade de produção, consumo e residência; e 3) importância das relações de interconhecimento na configuração dos principais processos sociais locais (Pinto, 1981, p. 329).

Segundo o autor (1981), e para mencionar apenas alguns dos traços do espaço social rural, a terra aumenta a sua produtividade com a integração de capital técnico (novos conhecimentos e procedimentos); o que talvez tenha contribuído para a dessacralização da agricultura; a mudança dá-se também na visão racional que é adotada (contrariamente à visão camponesa); o que permite olhar de maneira diferente a escola e a escolarização. Outros fatores já mencionados são também evidenciados por Madureira Pinto, a saber: êxodos agrícolas intensos, migrações pendulares, perda de significado das solidariedades de vizinhança e do grupo familiar alargado, difusão de padrões culturais urbanos (mass media), entre outros (Pinto, 1981, p. 329).

Na década de 1990 as principais mudanças em termos espaciais foram influenciadas, sobretudo, pela continuidade das evoluções tecnológicas, bem como pela sua utilização por parte dos indivíduos. Utilizando a explicação de Baptista (2011) para descrever o rural que começou a aparecer a partir do final do século passado e que ainda hoje se mantém, pode dizer-se que

As pequenas vilas e aldeias são ainda um rural familiar e de nascimento, onde a população continua a envelhecer e a declinar, mas onde também se verificam novas dinâmicas, hábitos e atitudes. Cresceu a mobilidade quotidiana, tanto para trabalhar como para outros actos individuais e familiares. São numerosos, e com consequências na vida local, os que pelo verão, pelas festas ou mesmo nos fins- de-semana, vêm das cidades onde vivem e trabalham, aos locais onde nasceram. (Baptista, 2011, p.

52).

Figueiredo (2011) concorda mesmo que “uma boa parte dos territórios rurais atravessa hoje processos mais ou menos profundos de redefinição, de reestruturação, de reconfiguração e, até, de reinvenção e recriação” (Figueiredo, 2011, pp. 13-14). É um território onde emergem os serviços, recebe cada vez mais residentes do meio urbano, e

prepara-se para os receber, aliás, conforme referido pelo escritor Julio Llamazares, em crónica no jornal espanhol El País, “El turismo rural, como su nombre indica, es una invención urbana, una forma de llamar al veraneo del interior sin que parezca algo para pobres.” (Llamazares, 2005). Mas estes processos de redefinição não se fazem sem a existência constante de assimetrias, houve evoluções consideráveis em termos económicos, ambientais e sociais, mas permanecem os registos de perdas demográficas e, sobretudo, apesar de todas as tentativas, uma diminuição da vitalidade económica, denotando as empresas um fraco nível de competitividade, coesão e sustentabilidade (CE, 2008, p. 1).

Por via dos cinco “érre’s” (reestruturação, redefinição, recriação, reconfiguração e reinvenção) surge, então, uma necessidade de encontrar uma compreensão para o que é hoje o rural. Figueiredo (2011) considera que, devido às metamorfoses que o rural vai sofrendo, este encontra-se perante uma “esquizofrenia funcional”, uma vez que há novas funções que se procuram no rural (tanto os residentes no meio urbano, como os autóctones) e que o próprio meio impõe (na medida em que a agricultura é uma atividade em decrescendo) (Figueiredo, 2011, p. 16).

Domingues (2012) considera mesmo que estamos perante um rural que está a atravessar um processo de “desruralização”, motivado pelo despovoamento, envelhecimento, abandono da produção agrícola, da criação de gado e dos campos. E, incluindo o rural culturas, “visões do mundo, imaginários e as gentes e a geografia, o território e as paisagens desses imaginários” (Domingues, 2012, p. 121), a “desruralização” ocorre também com o desaparecimento de saberes, estilos de vida, costumes, ofícios e práticas culturais. O rural, na opinião do autor, é, hoje, uma miragem, um local de residência para quem vive de pensões e poupanças, destino confiado apenas para passar férias (Domingues, 2012, p. 23 e 69).

Cimadevilla (2010) distancia-se das teorias dicotómicas iniciadas por Comte, Saint- Simon, Weber e Marx (cit. in Santos, 1987), dando um contributo no sentido do

continuum rural-urbano. Enquanto aqueles autores utilizavam as dicotomias

agricultura/indústria – para evidenciar a vertente espacial – e rural/urbano – que evidenciava o caráter temporal dos diferentes meios, no qual o rural pertencia ao passado, enquanto o urbano seria o futuro – para explicar a forma de produção económica e a vivência social, respetivamente (Santos, 1987, p. 7); Cimadevilla (2010) tenta afastar-se destas dicotomias afirmando que

[…] postular la interpenetración de contrários en la dicotomía urbano-rural, supone simplemente

afirmar que la predominancia de un polo sobre el otro no inhibe el processo contrario. Por esa razón, reconocidos los procesos de penetración de lo urbano sobre lo rural, incluso como hegemónicos, también se requiere observar sus procesos opuestos (Cimadevilla, 2010, pp. 81-82).

Assim, não está em causa uma posição hegemónica de um pólo sobre o outro, mas sim uma interpenetração e coexistência dos contrários (Cimadevilla, 2010, p. 83), a dicotomia rural-urbano é, por isso, desvalorizada, no sentido em que não há uma verdadeira oposição de territórios, mas antes um continuum que se vai afirmando através da geografia, mas também dos residentes, das suas rotinas cognitivas e sociais.

Aquele continuum é evidenciado através do aumento da procura do rural por parte daqueles que trabalham e vivem os seus dias em zonas urbanas, uma vez que poderá ocorrer que tentem levar algumas das comodidades que se encontram apenas nos grandes centros para as pequenas localidades, numa tentativa de melhorar as condições de vida. Em determinadas situações ocorridas no meio urbano, pode considerar-se utilizar conhecimentos que são tipicamente conhecidos como originários das regiões mais tradicionais e rurais, como explica Cimadevilla (2010) “[…] sino que es el caso de los actores y situaciones que en ambientes citadinos recurren a la emergencia de los saberes, valores, prácticas y dispositivos que por associación típica fueron y son considerados rurales.” (Cimadevilla, 2010, p. 82). A esta união o autor atribui a designação de rurbanidade, ou seja, a coexistência do rural e do urbano em cada um dos meios, mas, em vez de completamente isolados, as características de ambos (rural e urbano) são evidenciadas de forma conjunta e agregada (Cimadevilla, 2010, p. 83).

O caráter híbrido assumido por aquela rurbanização é igualmente tratado por Cloke (2011), que considera que não se pode assumir, logo à partida, a hegemonia do meio urbano, como tendo estendido as suas características ao meio rural, mas sim, e mais até, do meio rural perante o urbano. O autor afirma que grande parte do que é hoje território urbano foi, em tempos, rural, dedicado à agricultura, logo, apropriado por este (Cloke, 2011, pp. 567-568).

A procura cada vez mais frequente de locais semelhantes aos rurais, mas próximos dos urbanos, é uma evidência da hegemonia do rural sobre o urbano, defendida por Cloke (2011), com o surgimento do que Fidalgo (1999) designa de “urbanizações tipo aldeia”. Ao mesmo tempo que aldeias do interior assistem à sua desertificação e abandono, as periferias das metrópoles transformam-se em aldeamentos residenciais e/ou turísticos (Fidalgo, 1999, p. 90). Com este novo paradigma mudam os

relacionamentos entre os meios rural e urbano, se no início do século XX era fácil encontrar fronteiras, agora há movimentos pendulares que dificultam essa definição:

[…] os movimentos casa-trabalho; os movimentos em direcção à cidade para a satisfação de um

conjunto de bens e serviços; os movimentos em direcção aos espaços rurais para o usufruto das amenidades naturais; as redes de articulação e de intercâmbio entre as empresas localizadas nos espaços rurais e nos espaços urbanos. (Marques, 2003, pp. 510-511).

Esta tendência pendular pode mesmo verificar-se através da existência cada vez maior dos alojamentos de residência secundária (Cartograma 11).