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2 NECESSIDADE DA PRÁXIS HUMANA DO TRABALHO-LAZER:

2.3 LAZER ENQUANTO NECESSIDADE DA PRÁXIS HUMANA E AS

2.3.4 Lazer-trabalho, tempo de trabalho, tempo disponível:

Ao discutir trabalho-lazer na formação econômica capitalista, é fundamental que destaquemos três contradições que se fazem maciças e claramente visíveis: a primeira diz respeito ao capital em sua articulação produtiva, primordialmente em nossos tempos que se concretiza de forma mais aguçada, que estabelece uma incompatibilidade radical entre a ordem social

existente que controla a vida dos trabalhadores, tanto no tempo do trabalho102 como no tempo disponível103, no que se refere ao consumo; a outra diz respeito a uma outra ordem em que os seres humanos detém o controle sobre suas atividades vitais, que se encontram fora da máxima exploração do tempo de trabalho necessário da força de trabalho empregada; e a terceira contradição diz respeito ao desemprego, em que o sistema produtivo que cria tempo supérfluo na sociedade como um todo, em uma escala cada vez maior, mas subjugado pela condição de gerar mão de obra de reserva, como forma de assegurar o arrocho do trabalho.

A luta dos trabalhadores pela redução de tempo de trabalho não gera no modo capitalista o tempo disponível, cuja legitimidade possa ser potencialmente mais criativa na práxis social do lazer, capaz de ser apropriado para satisfação de muitas das necessidades humanas e capazes de gerar a emancipação dos trabalhadores, pois esse tempo está subjugado à tirania das determinações fetichistas e das iniqüidades gritantes do apelo ao consumo.

Sobre o tempo disponível, Mészáros (2007, p. 159) destaca uma citação de Marx104:

Riqueza é tempo disponível, e nada mais. (...) Se a totalidade

de trabalho de um país fosse suficiente apenas para produzir o sustento da totalidade da população, não poderia haver

trabalho excedente e, por conseguinte, nada que se pudesse acumular como capital. (...) Uma nação verdadeiramente rica é

aquela em que não há juros ou em que se trabalho 6 horas ao invés de 12. (Grifo do autor).

102

O tempo de trabalho, segundo Marx (1987, p. 37 - 39) ¨é o modo vivo de ser do trabalho, indiferente a sua forma, ao seu conteúdo, à sua individualidade; é o seu modo vivo de ser como quantidade, ao mesmo tempo em que é a sua medida imanente. O tempo de trabalho objetivado nos valores de uso das mercadorias é tão exatamente a substância que os torna valores de troca, e daí mercadorias, como também mede sua grandeza determinada de valor. (...) O tempo de trabalho do indivíduo é, de fato, o tempo de trabalho de que a sociedade necessita para a apresentação de um valor de uso determinado, ou seja, para a satisfação de uma necessidade determinada. Trata-se porém, aqui, apenas da forma específica pela qual o trabalho recebe um caráter social.

103

Segundo Mészáros (2007, p. 159), ¨o conceito de tempo disponível, tomado em seu sentido positivo e libertador, como uma aspiração dos socialistas, que apareceu muito antes de Marx, em um panfleto anônimo intitulado A fonte e a solução das dificuldades nacionais (The Source and remedy of the National Difficulties), publicado em Londres, quase cinqüenta anos antes do Capital, em 1821. Em algumas passagens citadas por Marx, esse panfleto oferecia uma apreensão dialética notável tanto da natureza do processo produtivo capitalista, como centrando sua atenção nas categorias vitalmente importantes de tempo disponível, trabalho excedente e diminuição de tempo do trabalho¨. (Grifo do autor).

104

Conforme Mészáros a citação de Karl Marx, foi extraída da obra Grundrisse der Kritik der pollitischen Ökonomie (Marx – Engels – Werke, Berlim, Dietz Verlag, 1983, v. 42), p. 311.

Segundo Mészáros (2007, p. 674), a única alternativa viável para a superação da busca de soluções na reorientação da produção social da tirania do tempo mínimo para a maximização do tempo disponível, obviamente exigiria a adoção de uma contabilidade social radicalmente diferente da inexorável perseguição do lucro. ¨A categoria tempo disponível, enquanto princípio orientador, que pode ser utilizado criativa e positivamente, do intercâmbio social, pois é totalmente incompatível com os interesses da ordem estabelecida¨ (ibid., p. 674).

Sob as condições da crise econômica mundial a demanda por uma redução significativa da semana de trabalho tem uma estratégia fundamental. Segundo Mészáros (2007, p. 157),

não apenas porque o problema subjacente afeta profundamente e, portanto refere-se diretamente a todo trabalhador, manual e intelectual quer usem gravata ou macacão. Mas, igualmente, porque a questão do enfrentamento do desafio não se dissipará. Ao contrário, sua importância cresce a cada dia e o imperativo de se fazer algo significativo a respeito não pode ser excluído por meios legislativos pelas personificações parlamentares do capital nos países capitalisticamente avançados, tampouco, de fato, reprimido pela força bruta na ¨periferia¨ da ordem global do capital. Em outras palavras, essa é uma demanda estratégica vital para o trabalho, uma vez que é ¨não-negociável¨: isto é, não pode integrar-se nas pseudoconcessões manipuladas da ordem existente. Pois concerne diretamente á questão do

controle – um sistema alternativo de controle sociometabólico

– ao qual o capital se opõe e tem de se opor adversamente.

O papel socialmente dominante do capital na história é evidente por si mesmo em todo o processo sociometabólico. Mas, somente as leis fundamentais da ontologia podem explicar como é possível que em certas condições dadas a natureza (a natureza do capital) possa desdobrar-se e realizar-se plenamente de acordo com a natureza objetiva – seguindo suas próprias leis internas de desenvolvimento, de sua forma não desenvolvida para sua forma de maturidade, sem nenhuma consideração pelo homem. Portanto, de acordo com Mészáros (2002, p. 919) a alternativa hegemônica do trabalho ao domínio pelo capital é inconcebível sem a erradicação completa do capital do processo sociometabólico. E por isso:

A derrubada do capitalismo pode apenas arranhar a superfície do problema. Um bom indicador das inadequações para a

realização do projeto socialista é o slogan de que tudo pode ser derrubado, inclusive o Estado e – pela ¨expropriação dos expropriadores¨ - as personificações capitalistas do capital. A negação radical do Estado capitalista e a igualmente negativa 'expropriação dos expropriadores' sempre foram consideradas por Marx apenas o primeiro passo necessário na direção da transformação socialista exigida. Ele insistiu que até mesmo a negação mais radical permanece na dependência do objeto de sua negação. E as implicações deste julgamento são cruciais para a auto-administração dos produtores associados divisada com a alternativa hegemônica à ordem social do capital, pois a realização de tal ordem pode apenas ser um empreendimento inerentemente positivo. Por isso, a revolução socialista, não importa o quanto seja radical em intenção, não pode ser concebia como um ato único. Como vimos em O 18 Brumário, Marx descreveu a revolução social como um ato contínuo, consistentemente autocrítico, ou seja, como uma revolução

permanente capaz de prover e constantemente melhorar o

modo de controle positivamente autodeterminado da ordem socialista. Não é, portanto surpreendente que os apologistas da ordem estabelecida e os que, sem criatividade, idealizam o mercado tenham que recorrer à caricatura mais grotesca do projeto marxiano, caracterizando-o como a defesa 'da idade de

ouro do Estado de equilíbrio comunista'. Portando, o objetivo

real da transformação socialista – que ultrapassa a negação do Estado e das personificações do capital - só pode ser o estabelecimento de uma ordem sociometabólica alternativa auto-sustentada. Uma ordem da qual o capital – com todos os seus corolários, inclusive o denominado ¨mecanismo do mercado¨, que na realidade não poderia ser de outra coisa que não um 'mecanismo' – que tenha sido irreversivelmente removido. (MÉSZÁROS, 2002, p. 919-921). (Grifos do autor) Somente na alternativa hegemônica comunista, superadora ao domínio do capital, em todas as suas formas historicamente conhecidas e ainda reais, é que se torna possível à classe trabalhadora a passagem do reino da necessidade para o reino da liberdade. É fundamental que concebamos a liberdade, enquanto possibilidade de liberdade em relação a alguma coisa, pois esta deixa de ter sentido quando não se concebe a liberdade como algo oposto a uma sujeição.

E essa passagem implica na consideração de se reconhecer o trabalho e o lazer enquanto práxis de intervenção consciente dos trabalhadores em assumirem como ser social coletivo o papel de sujeito do processo histórico. E isso significa que a passagem não se dá apenas na forma da inevitável transcendência crítica da produção do conhecimento do lazer, mas pela apropriação diária e pela melhoria contínua das funções vitais de intercâmbio

metabólico que possamos travar com a natureza e entre os membros da sociedade pelos próprios indivíduos, que se autodeterminam nas relações de trabalho e lazer. Portanto, reafirmamos o que Frigotto (2002, p. 23) coloca: “O problema situa-se, então, na luta pela dissolução do caráter de mercadoria que assume a forças de trabalho e o conjunto de relações no interior do capitalismo e, conseqüentemente, na abolição das fronteiras entre trabalho manual que intelectual”, que dicotomiza a produção do conhecimento elaborado nas universidades e a realidade vivida pelos trabalhadores no fenômeno lazer, na práxis da existência humana empreganada de necessidades de primeira ordem não satisfeitas.

Nessa síntese, buscamos elementos que pudessem demarcar como se comportou o fenômeno da acumulação primitiva do capital ao seu amadurecimento e crises, que tem em sua base estrutural a história da indústria, cuja evolução reduziu a dignidade humana a limites morais e físicas de jornada de trabalho a condições ínfimas. E, nessa relação cruel em que se apodera o capital da existência humana, a práxis social do lazer emerge como uma necessidade de segunda ordem, assentada num paradoxo econômico em meio às contradições da conquista dos trabalhadores por uma jornada de trabalho, em cuja realidade possa estar disponibilizado um tempo que possa verdadeiramente ser um tempo disponível.

Compreender com maior propriedade a práxis social do lazer enquanto uma necessidade de segunda ordem na existência dos trabalhadores requer que avancemos na possibilidade de discuti-lo a partir da anatomia da sociedade capitalista, dividida em classes, que se define de acordo com a relação de propriedade com os diversos meios de produção da vida social, fundamento primeiro e último da história humana.

2.4. TRABALHO E LAZER ALIENADOS NA LUTA DE CLASSES E NAS