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Dadas às dimensões continentais e a abundância de recursos minerais e hídricos do Brasil, era esperado que o país tivesse uma significativa quantidade de estruturas de barramento. De acordo com tal relatório da ANA (2017), há ao menos 22920 barragens localizadas por imagens de satélite no país. Entretanto, os órgãos fiscalizadores não têm informações suficientes sobre 18593 delas, para que as mesmas sejam incluídas na Lei nº 12.334/2010, que estabelece a Política Nacional de Segurança de Barragens. Esta lei vale para barragens com altura maior ou igual a 15 metros, que têm capacidade igual ou maior a 3 milhões de m³ e que possuem reservatório com resíduos perigosos ou têm dano potencial médio ou alto.

O jornal Folha de São Paulo, em sua publicação de 10 de outubro de 2017, destaca que “...ao menos 25 barragens espalhadas por 8 estados brasileiros estão com sua estrutura comprometida e precisam de reparos para evitar danos e possíveis acidentes”. Este diagnóstico faz parte também do Relatório de Segurança de Barragens 2016 apresentado pela ANA (2017). Este é o primeiro relatório feito após o desastre da barragem da Samarco, em Mariana (MG), que resultou no maior desastre ambiental do país e deixou 19 mortos.

Ainda segundo o jornal Folha de São Paulo, na mesma publicação supracitada, “...a legislação relativamente recente sobre a segurança de barragens aliada à falta de estrutura e orçamento dos órgãos de fiscalização resultaram num cenário de desconhecimento. Em muitos casos, nem sequer o responsável legal pela barragem é identificado. Segundo a lei, os agentes privados ou públicos com direito sobre as terras onde está a barragem são os responsáveis pela segurança. Apesar de engatinhar, a lei de segurança de barragens é vista como marco na regulamentação do setor. Um marco legal que ganhou impulso com o desastre em Mariana.”

De acordo com Smirdele (2014), o estado de São Paulo, após o acidente ocorrido com a barragem de Euclides da Cunha e consequente rompimento da barragem Armando de Salles

Oliveira em 1977, foi o pioneiro na criação de um decreto-lei, dispondo sobre a segurança das barragens do estado e recomendando auditorias técnicas permanentes. Porém, o mesmo não foi implementado. Este documento serviu de modelo para a Lei Federal 9.433 de 1997, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos e outras providências.

As primeiras normativas mais abrangentes referentes à segurança de barragens remetem ao Comitê Brasileiro de Barragens (CBDB). Esta entidade publicou, em 1983, o documento intitulado: Diretrizes para a Inspeção e Avaliação de Segurança de Barragens em Operação. Posteriormente publicou a edição das “Recomendações para Formulação e Verificação de Critérios e Procedimentos de Segurança de Barragens (1986)” e, em 1996, “Auscultação e Instrumentação de Barragens no Brasil”. Desde então os avanços têm sido significativos e vêm ganhando cada vez mais interesse dos profissionais brasileiros (SMIRDELE, 2014).

O CBDB representa no Brasil a Comissão Internacional de Grandes Barragens (CIGB) que é uma organização não governamental, destinada a encorajar a troca de informações e de experiências adquiridas em planejamento, projeto, construção e operação de grandes barragens. A Comissão funciona por intermédio dos comitês nacionais dos países membros, totalizando hoje noventa e seis comitês instituídos para o desenvolvimento de trabalhos técnicos ou pesquisas científicas. O Comitê Brasileiro de Barragens tem atuação em âmbito nacional,

análoga à CIGB.9

Smirdele (2014) comenta ainda que o assunto “segurança de barragens” somente se tornou prioridade para o governo brasileiro em 2009, após a ruptura da barragem de Algodões, no Piauí, com a confirmação de pelo menos sete mortos. Esse acidente revelou a necessidade de se aprimorar a gestão das barragens brasileiras. Desta forma, em 20 de setembro de 2010, foi publicada a Lei Federal 12.334. De acordo com esta lei, a segurança de barragens é a condição que visa manter a sua integridade estrutural e operacional e a preservação da vida, da saúde, da propriedade e do meio ambiente. A segurança da barragem é responsabilidade do empreendedor. Já a responsabilidade pela fiscalização da segurança das barragens é dividida entre quatro grupos, de acordo com a finalidade da barragem, a saber: barragens para geração de energia - ANEEL; barragens para contenção de rejeitos minerais - Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM); barragens para contenção de rejeitos industriais - IBAMA ou órgãos ambientais estaduais, a depender da emissão da Licença Ambiental; e barragens de usos múltiplos - ANA ou de órgãos gestores estaduais de recursos hídricos.

São instrumentos da PNSB: o sistema de classificação de barragens por categoria de risco e por dano potencial associado; o Plano de Segurança de Barragem (PSB); o Sistema Nacional de Informações sobre Segurança de Barragens (SNISB); o Sistema Nacional de Informações sobre o Meio Ambiente (SINIMA); o Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental; o Cadastro Técnico Federal de Atividades Potencialmente Poluidoras ou Utilizadoras de Recursos Ambientais e o Relatório de Segurança de Barragens. Segundo esta lei de 2010, os empreendedores teriam um prazo de dois anos para se adequarem às novas normas, a contar da data de publicação dela, ao longo do qual deverão submeter à aprovação dos órgãos fiscalizadores um relatório especificando as ações e o cronograma para a implantação do Plano de Segurança da Barragem.

Referente a outras normativas vigentes no território nacional, a Resolução CNRH nº 143 de 2012 estabelece critérios gerais de classificação de barragens por categoria de risco, dano potencial associado e pelo volume do reservatório. A Resolução CNRH nº 144 de 2012 estabelece diretrizes para implementação da PNSB. Já a Resolução ANA 091 de 2012 estabelece o conteúdo mínimo e detalhamento do PSB e realização da Revisão Periódica de Segurança em barragens fiscalizadas pela ANA. Finalmente, o ofício Circular nº 308 de março de 2012 (SFG/ANEEL) objetivou efetuar classificação de risco das barragens e identificar o planejamento em relação aos itens requeridos pela Lei 12.334/2010.

Apesar dos avanços obtidos com segurança de barragens, o conhecimento sobre os mecanismos que conduzem aos incidentes e acidentes com ruptura em barragens não são de domínio total da engenharia. São muitas as incertezas, mesmo com a crescente a utilização de modelos e simulações matemáticas mais avançadas pelo fato de que, por vezes, há uma dependência de dados de entrada não confiáveis ou inexistentes, sem tratamento ou devido a avaliação crítica ser feita por profissionais não qualificados, equipes sem capacitação e treinamento técnico adequado para as atividades de operação e manutenção, sistemas de auscultação deficiente e/ou sem regularidade nas leituras, análises e interpretação, desorganização da documentação sobre

a memória técnica da barragem, etc. (MEDEIROS, 200310 apud SMIRDELE, 2014).

No que tange o monitoramento da segurança de uma barragem em operação, Smirdele (2014) destaca que antes da análise de barragens em operação, é imprescindível o conhecimento do histórico da estrutura: período que a mesma foi construída (conhecimentos técnicos da época),

10 MEDEIROS, C.H. de A.C. Segurança de Barragens: O que fazer para convergir teoria e prática? In: XXVI

incidentes, causas, consequências, soluções. Esta autora destaca ainda a importância da memória técnica da estrutura, referindo-se às ferramentas e arquivos que subsidiam a transferência de informações entre os profissionais envolvidos no monitoramento. Esta memória não pode ser perdida, de modo que as ocorrências devem ser discutidas e registradas para que os futuros engenheiros tenham subsídios para tomada de decisão.

Cruz (1996) comenta que os principais meios que o engenheiro dispõe para avaliar a segurança de um empreendimento ao longo de sua “vida útil” são: inspeções visuais (inclusive subaquáticas, quando for o caso), monitoramento geodésico dos deslocamentos verticais e/ou horizontais, levantamentos batimétricos e instrumentação de auscultação. Esta dissertação destacará a avaliação da segurança a partir da inspeção visual e, principalmente, a análise da instrumentação hidrogeotécnica da barragem da UHE Dona Francisca.