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A legislação fiscal e a insolvência

3 A FISCALIDADE NO CONTEXTO DA INSOLVÊNCIA

3.1 A legislação fiscal e a insolvência

A LGT e o CPPT enquadram a tributação de qualquer atividade económica, mesmo no contexto de uma insolvência. Iniciado o processo de insolvência, ou simplesmente um PER ou PEAP, e nomeado o AJ, a primeira grande responsabilidade fiscal do AJ ocorre imediatamente com a cominação explícita da sua responsabilidade fiscal subsidiária, nos termos dos art.s 80º e 181º, nº 2 do CPPT, responsabilidade esta consolidada pelo acórdão do STA44no Processo n.º 01145/09 (Pontes, 24-02- 2011).

Determinam estes articulados que o AJ tem a obrigação de solicitar ao Chefe da Repartição de Finanças local, comunicando à AT o número de identificação fiscal (NIF) do insolvente e requerendo certidão das dívidas do mesmo para com a AT. O art. 80º do CPPT aplica-se no caso do PER e do recente PEAP, e os art.s 180º e 181º, nº2 do CPPT, no caso de ser declarado o estado de insolvência.

42 Este paper de Paula Martins Cunha (2015, pp. 29, ss.) foi redigido quando ainda estava em vigor a Circular 1/2010 da

AT, entretanto substituída pela Circular 10/2015, mas o escopo ainda é atual.

43 A este propósito pronuncia-se José Cabalta Nabais (2016, p. 147 e ss) do seguinte modo:

“É a este contexto que devemos reconduzir a questão em apreço. As empresas dissolvidas na sequência de um processo de insolvência mantêm a sua capacidade jurídica até à data do encerramento da liquidação, o que significa que durante esse período mantêm também a sua capacidade tributária e, por essa razão, estão vinculadas ao cumprimento das obrigações fiscais, incluindo à entrega atempada das obrigações declarativas”.

44 Segundo o acórdão do STA de 24-02-2011, da Relatora Dulce Neto, no processo n.º 01145/09, não se encontra motivo

para que a liquidação derivada da dissolução em processo de falência tenha um tratamento diferenciado das demais liquidações de patrimónios societários.

Existe uma pequena diferença entre os procedimentos incutidos ao AJ consoante se trate de uma insolvência plena ou de um processo que ainda é extrajudicial. No PER e no PEAP o AJ apenas informa a AT e a SS, nos termos do art. 80º do CPPT. Já no caso de a insolvência ser declarada, o nº 2 do art. 181º do CPPT exige ao AJ que requeira a apensação dos PEF da AT e da SS que estejam a correr contra o insolvente.

Mas, apesar de prescrito nos art.s 85º, nº 2 do CIRE, e 181º, nº 2 do CPPT, apenas um juiz pode ordenar a outro juiz a apensação dos seus processos fiscais, portanto, o requerimento do AJ contendo o pedido de apensação dos PEF deverá ser dirigido ao juiz do seu processo de insolvência e não diretamente ao Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) nem ao Chefe da Repartição de Finanças. No entanto, pelo art. 32º, nº 7 da LGT, o Chefe da Repartição de Finanças apenas poderá remeter para apensação os PEF depois de ter citado os possíveis responsáveis subsidiários das suas eventuais responsabilidades45, em cumprimento do Ofício Circulado da AT 091 de 27-70-2012 (Pires, 2012). Note-se que o CPPT prevê a apensação de todos os processos em curso, ao contrário do estatuído pelo CIRE, que apenas prevê a apensação das execuções (fiscais ou não) em que se tenha procedido à penhora de bens. De facto, se nos PEF não existirem bens apreendidos, não há qualquer utilidade na apensação dos restantes processos. Como defende Rui Morais (2006, p. 205), o que está em causa é a necessidade de atualizar os registos conservadores, e não os efeitos na reclamação de créditos. Mas o CIRE não entra em confronto com este ponto do CPPT, pois não impede o AJ de pedir a apensação (inútil) de execuções em curso onde não existam bens apreendidos, nem bens dados em garantia.

Um último argumento relevante para a responsabilização fiscal do AJ enquanto responsável pela fiscalidade dos atos tributáveis da massa prende-se com o seguinte:

• O art. 172º, nº 3 do CIRE prevê o pagamento atempado de todas as dívidas da massa nas respetivas datas de vencimento, aplicando-se esta lei a todos os impostos cujo facto gerador seja posterior à declaração inicial do estado de insolvência.

• Neste sentido, o art. 180º, nº 6 do CPPT vem esclarecer que podem e devem prosseguir contra o insolvente, agora contra a massa, as ações executivas fiscais referentes à cobrança de tributos cuja data de pagamento termine depois do início do processo de insolvência.

45 De facto, não tem sentido que um Chefe da Repartição de Finanças possa não ter de cumprir uma ordem de um juiz.

A falta desta notificação invalidava as reversões futuras por preclusão caso um plano aprovado viesse a ser incumprido passados mais de cinco anos (alteração introduzida pela Lei do Orçamento de Estado de 2012).

• Acresce que aos PEF cujo facto gerador do tributo seja anterior ao processo de insolvência, e apenas a estes, aplica-se o referido no art. 180º do CPPT, pelo que deverão ser normalmente reclamados apenas como dívida da insolvência.46

Portanto, mesmo quando a empresa se encontra em gestão pelo devedor, o AJ é responsável por exigir aos gestores correntes que deem a devida prioridade aos recursos da empresa em recuperação por forma a pagar atempadamente estes tributos, ou solicitar o fim da tentativa de recuperação, nos termos do art. 226º, nº 1 do CIRE, ou de os incluírem num eventual plano de recuperação nos termos do recente47 nº7 do art. 180º CPPT, sob pena de ficar responsabilizável por estes tributos.

Por fim, é de recordar que as dívidas para com a SS são dívidas tributárias, apesar de reguladas pelo Código do Regime Contributivo do Sistema Previdencial da Segurança Social (CRCSPSS). Neste sentido se pronunciou Edgar Valles (2015, p. 87 e ss.) e o TCA Sul no Acórdão nº 02108/07 de 8 de janeiro de 2008 (Correia, 8-1-2008)48, apenas alguns de muitos. Portanto, sem qualquer dúvida, a LGT e o CPPT aplicam-se às dívidas para com a SS reguladas e liquidadas (calculadas) pelo CRCSPSS. Mas infelizmente nenhum dos procedimentos descritos nos art.s 80º e 181º, nº2 do CPPT, é habitualmente realizado pelos AJ relativamente à SS. No entanto, todas as obrigações e os procedimentos habitualmente realizados pelo AJ relativamente à AT devem também ser realizados para com a SS, não se vislumbrando nenhuma exceção nem nenhuma justificação para tal omissão. Normalmente, quando um gestor sucede a outro, as anteriores dívidas fiscais são também da responsabilidade do novo gestor, neste caso do AJ, conforme estipula o art. 24º, nº 1, al. b) da LGT. Assim, apenas após o cumprimento das obrigações descritas nos art.s 80º e 181º, nº2 do CPPT , logo nos dez primeiros dias do seu mandato, fica o AJ sob a proteção do art. 26º, nºs 1 e 2 da LGT, já não podendo ser responsabilizável por dívidas fiscais e contributivas cujo facto gerador seja anterior à sua nomeação.

46 As dívidas fiscais contêm duas datas relevantes:

1. a data da constituição do ato comercial, ou do facto tributário que lhe deu origem; 2. e a data limite, final, para o normal e atempado pagamento do tributo.

A segunda data é a que aqui releva para os efeitos da apensação e suspensão do PEF ao processo de insolvência (art.180º, nº 6 do CPPT).

Para a classificação como sendo uma dívida da insolvência ou uma dívida da massa o que releva é a data da constituição.

• As dívidas da insolvência são as contraídas e, portanto, constituídas, antes de decretado o início da insolvência.

• As dívidas da massa são as contraídas pelo AJ ou os gestores correntes depois do início do processo de insolvência.

47 A alteração ao CPPT, com a introdução do nº 7 ao art. 180º, ocorreu com a publicação da Lei n.º 100/2017, de 28 de

agosto.

48 Este acórdão não deixa dúvidas de que as dívidas para com a SS são dívidas inteiramente tributárias, e como tal devem

ser tratadas num processo de insolvência pelo AJ, como está presente no extrato do sumário que se transcreve:

“I - A partir da revisão constitucional de 1982, acolhendo a melhor doutrina e a mais recente jurisprudência, as contribuições devidas à Segurança Social devem considerar-se como verdadeiros impostos na medida em que no facto tributário que as gera não aparece especificamente contemplada qualquer contrapartida ou actividade administrativa.”

Por último, nos termos do art. 26º, nº 3 da LGT e a contrario pelo art. 59º, nº 4 do CIRE49, o AJ ainda fica dispensado de qualquer responsabilidade tributária se cumprir o estipulado no rateio conforme advoga Martins Leitão (2017, p. 76).

Esta responsabilidade é facilmente cumprida e ultrapassável, pois as propostas de rateio são sempre colocadas à apreciação dos credores e, portanto, do Estado, antes de serem executadas.