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3 A FISCALIDADE NO CONTEXTO DA INSOLVÊNCIA

3.2 Os diversos tributos da atividade da massa insolvente

3.2.1 Tributação em IRC

Ao deliberar pelo início da liquidação, os credores geralmente determinam também a cessação da atividade comercial regular (Arrumba, 2013). Mas não é obrigatório, e nem sempre assim acontece57. De facto, os credores podem decidir terminar obras em curso ou vender stocks de forma normal antes de encerrarem a atividade comercial corrente58 , por forma a mitigarem prejuízos. A decisão é dos credores, mas a responsabilização é do AJ.

Deste momento em diante, entram em confronto o procedimento de liquidação de entidades comerciais previsto dos art.s 79º, 81º e 82º do CIRC, e o já referido art. 65º, nº 3 do CIRE, que determina o fim das obrigações declarativas e fiscais. Sendo o CIRE uma lei especial, ainda que

55 Os art.s 65º, nº 1 e 226º, nº 6, do CIRE contrariam e sobrepõem-se ao art. 117º, nº 10 do CIRC.

56 Após a declaração de insolvência e o início da liquidação, a Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC) entende que

um novo CC já não será deontologicamente responsável pelo pagamento dos honorários do anterior CC, mantendo-se o dever de cordialidade, colaboração e comunicação entre os CC envolvidos.

57 O único trabalho encontrado em que se aborda especificamente este assunto é o de Arrumba (2013), que defende que

da liquidação do AJ não existem contas a prestar à AT, pois esta fase processual não é tributável porque não procura o lucro.

58 Por exemplo, decidida a liquidação de uma farmácia, esta é mantida em atividade comercial corrente, mesmo que

reduzida, por forma a evitar que se perca o alvará; ou num estaleiro podem decidir acabar um barco para evitar terem de devolver em dobro o valor já adiantado pelo armador, e ficar com o barco em carteira.

prevaleça o disposto no mesmo, o disposto no CIRC não é pura e simplesmente obliterado. Tudo o que o CIRC regule que não contrarie o CIRE continua a aplicar-se. Analisando os detalhes:

• O art. 82º do CIRC reforça o art. 2º do mesmo código, estendendo as regras de liquidação a todas as “coisas”, todos os estabelecimentos, onde subsista atividade comercial, em linha com o art. 2º do CIRE.

• O art. 79º do CIRC, sobre o IRC das sociedades em liquidação, foca-se em dois distintos períodos a esclarecer:

1. o IRC entre o último encerramento de contas normal até ao encerramento intercalar no início da liquidação. 59 A elaboração e entrega deste último IRC será uma responsabilidade do anterior gestor60.

2. O IRC da atividade de liquidação do património, que começa na data de encerramento da atividade comercial e termina na data em que termina a liquidação (venda) do ativo. • O art. 81º do CIRC regula a fiscalidade decorrente do rateio do produto da liquidação pelos sócios, quer no seu IRS pessoal quer no IRC de sociedades detentoras das participações sociais, não se vislumbrando como estes acontecimentos posteriores e exteriores à insolvência possam afetar a responsabilidade do AJ na liquidação da massa.

Pelo exposto, apenas o art. 79º do CIRC se mostra relevante no que respeita às responsabilidades potenciais do AJ. O nº 5 do art. 79º do CIRC determina que este artigo pode e deve ser adaptado antes de ser aplicado a uma insolvência, em tudo o que não contrarie o CIRE.

O nº 2, al. c) é o mais relevante, pois determina que o IRC deverá ser determinado em duas partes. 1. Uma parte referente ao período entre o fim do ano anterior e a dissolução

despoletada pela declaração de insolvência.

2. Outra parte entre o início da dissolução e o fim da liquidação dos bens da devedora. É de notar que nada está estipulado quanto ao período entre a dissolução automática com a declaração de insolvência, art.s 36º e 38º do CIRE, e o início da liquidação deliberada pelos credores na Assembleia de Credores do art. 156º do CIRE.

59 Refere-se ao momento em que a Assembleia de Credores delibera não apreciar mais planos de viabilização e decidem

avançar para a liquidação dos bens, com ou sem encerramento imediato da atividade comercial corrente.

60 Note-se que neste período entre a declaração inicial de insolvência e a Assembleia de Credores, o AJ já tem a

responsabilidade de assegurar as condições logísticas para que o IRC seja processado, nomeadamente assegurando o pagamento do CC e a entrega das declarações fiscais, nos termos do art. 102º, nº 4 do CIRE.

A segunda parte do art. 79º do CIRC refere-se a um período claramente coberto pelo art. 65º, nº 3 do CIRE, em que prevalece este código, o qual delimita a responsabilidade do AJ pelo IRC nesta fase processual.

No entanto, a primeira parte do art. 79º, nº 2, al. c) do CIRC refere-se ao período iniciado antes da nomeação do AJ mas que termina na Assembleia de Credores, prevista no art. 156º do CIRE. Portanto, termina já dentro da administração do AJ, após este ter obrigatoriamente apreendido a contabilidade nos termos do art. 149º e antes de o art. 65º, nº 3 determinar o fim de todas as obrigações declarativas e fiscais61.

Neste caso, aparentemente o AJ deverá providenciar a remuneração do CC com fundos da massa, ou imediatamente notificar o tribunal da inexistência de massa requerendo que, nos termos do art. 232º do CIRE, a insolvência prossiga como limitada, delimitando assim qualquer responsabilidade fiscal do AJ.

Depreende-se assim que, sem contabilidade organizada o AJ é suscetível de ser eventualmente responsabilizado pelo IRC deste primeiro período, descrito no art. 79º, nº 2, al. a) do CIRC.

Por fim, neste ponto, do confronto entre o CIRE e o CIRC, cabe referir o art. 117º, nº 1 e seguintes do CIRC que determina que o Administrador em exercício deverá fazer todas as declarações de alterações. A que releva para o âmbito desta dissertação é a declaração de alterações referente à decisão de fazer cessar a atividade comercial regular, nos temos do art. 34º do CIVA, ex vi art. 117º, nº 1 do CIRC. Esta será a única declaração fiscal em que o CIRE e o CIRC se sobrepões, determinando o CIRE que o Tribunal a deve fazer oficiosamente e o CIRC que deve ser o gestor em exercício e com poderes para tal, o AJ.