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No campo internacional a Organização das Nações Unidas (ONU) declara o ano de 1981 como o Ano Internacional da Pessoa com Deficiência. Neste ano, a ideia de uma escola integradora e a integração como um processo psicossocial foram bastante difundidas (VASQUES, 2000). Assim, a ideia de integração tinha como propósito facilitar a vivência dos deficientes com as outras pessoas através do incentivo à interação e do despertar do sentimento de solidariedade ao invés de piedade (CARVALHO, 2000).

Mais adiante, em 1990 foi realizada a Conferência Mundial de Educação para Todos, que aconteceu em Jomtien, na Tailândia. As principais propostas apresentadas nesta Conferência refere- se a que todas as crianças, jovens e adultos, independente de suas condições físicas e mentais, tivessem acesso às escolas de qualidade, que atendessem às necessidades básicas individuais e, permanecem nela com sucesso.

O movimento de construção de políticas públicas e documentos que assegurem o direito à educação das pessoas com deficiência e transtornos no desenvolvimento, não parou e, em 1994, na cidade de Salamanca, na Espanha, durante a Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais: acesso e qualidade, foi elaborada a Declaração de Salamanca, um dos mais importantes documentos no tocante à educação inclusiva. Este documento traz o conceito de Educação Inclusiva, cujo destaque se dirige para as respostas educativas da escola, que “Devem acolher todas as crianças, independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas ou outras” (p.17), e não mais para o aluno. A Declaração de Salamanca propõe programas de estudos adaptados às necessidades das crianças e, para as que apresentam necessidades educativas especiais deve ser disponibilizado apoio adicional no programa regular de estudos, em detrimento de um programa de estudos diferente (p.33). Assim,

(...) cada criança tem características, interesses, capacidades e necessidades de aprendizagem que lhe são próprios; os sistemas educativos devem ser projetados e os programas aplicados de modo que tenham em vista toda a gama dessas diferentes características e necessidades; as pessoas com necessidades educativas especiais devem ter acesso às escolas comuns que deverão integrá-las numa pedagogia centralizada na criança, capaz de atender a essas necessidades (BRASIL, 1997, p. 10).

A partir da década de 80, os serviços oferecidos às crianças com deficiência e às com graves problemas no desenvolvimento começam a se organizar e serem sistematizados no Brasil. Neste sentido, a história da educação e das políticas educacionais brasileiras relacionadas aos processos de escolarização, assim como à elaboração de leis e políticas públicas, principalmente para as pessoas com necessidades especiais, se comparadas aos países europeus, mostram um atraso significativo decorrente de uma estrutura social marcada pelo patriarcalismo e colonialismo, ressalta Victor (2009). Desta forma, a política de educação inclusiva brasileira é relativamente recente se considerarmos que a adaptação a novos modelos é um processo lento e acontece de forma gradual na educação (LAZZERI, 2010).

Apesar da sua juventude, a legislação brasileira conta com um importante dispositivo na Constituição Federal de 1988 garantindo em seu artigo 208, inciso III, que os “portadores de deficiência” (nomenclatura utilizada na época) receberão, preferencialmente na rede regular de ensino, atendimento educacional especializado. No artigo 227, inciso II, a lei também garante às “pessoas portadoras” de deficiência física, sensorial ou mental a criação de programas de prevenção e atendimento especializado, assim como a integração dos mesmos. A possibilidade do acesso aos bens e serviços coletivos, assim como a eliminação de dificuldades arquitetônicas e da discriminação também são garantias propostas por esta lei.

Outro avanço na legislação brasileira, diz respeito à Política Nacional de Atenção à Pessoa Portadora da Síndrome de Autismo, proposta em 1990. Sendo uma política pública de relevância ao presente estudo, posto que se refere especificamente às crianças e adolescentes com psicose infantil, pois propõe ações integradas entre os sistemas de saúde e educação de forma a atuar na prevenção primária, secundária e terciária. Ademais, ressalta programas que utilizam métodos educativos, terapêuticos e medicamentosos, conforme a demanda individual de cada pessoa, sugerindo serem os mais eficientes.

Em 1994, o Ministério da Educação e do Desporto publica a Política Nacional de Educação Especial, fundamentada na Constituição Federal de 1988, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, no Plano Decenal de Educação para Todos (MEC) e no Estatuto da Criança e do Adolescente. Tal documento trata a Educação Especial como um processo cujo propósito é oportunizar o desenvolvimento das potencialidades em níveis e graus diferentes dentro do sistema

de ensino, daqueles que permanecem à margem, sendo discriminados pela sociedade por serem considerados como “desviantes”, garantindo que estes sujeitos tenham seu direito à igualdade respeitado. Segundo o documento, os sujeitos da Educação Especial se referem a:

Genericamente chamados de portadores de necessidades educativas especiais, classificam-se em: portadores de deficiência (mental, visual, auditiva, física, múltipla), portadores de condutas típicas (problemas de conduta) e portadores de altas habilidades (superdotados). (1994, p. 13)

Nesta política, faz-se importante destacar a nomenclatura utilizada para se referir aos sujeitos da Educação Especial deixa de ser apenas “portadores de deficiência”, surgindo dois novos grupos, são eles: pessoas que apresentam problemas de conduta e pessoas com altas habilidades. A psicose infantil encontra-se inserida no grupo das pessoas com problemas de conduta, pois, segundo o documento:

Manifestações de comportamento típicas de portadores de síndromes e quadros psicológicos, neurológicos ou psiquiátricos que ocasionam atrasos no desenvolvimento e prejuízos no relacionamento social, em grau que requeira atendimento educacional especializado (1994, p.13-14).

No entanto, esta divisão por grupos não aparece em documentos posteriores, como por exemplo, na importante Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional no 9394 de 1996, que utilizam o termo “portadores de necessidades educacionais especiais” para nomear os sujeitos da Educação Especial.

Um acontecimento relevante foi a realização da Primeira Câmara Técnica sobre Autismo e outras Psicoses Infanto-Juvenis, ocorrida em Brasília no ano de 1996, tendo como principal objetivo sistematizar as informações a respeito do autismo e das psicoses infanto-juvenis diante das novas condutas disseminadas, sugerindo propostas para que os serviços de saúde, educação, assistência social e trabalho oferecidos aos portadores da síndrome de autismo, tanto no âmbito público como no privado fossem estruturados, e a partir das discussões, produzir e publicar um documento, visando à propagação do conhecimento, assim como a elaboração de políticas públicas, planos e programas no atendimento destes sujeitos.

Nesta câmara também é enfatizada, entre outras questões: a relevância da ação interdisciplinar através de uma equipe multiprofissional; a construção de propostas individualizadas, tanto no âmbito terapêutico como no educacional; o desenvolvimento, através da educação, das habilidades e competências das crianças e adolescentes, propiciando o bem estar emocional e o equilíbrio pessoal; a estruturação dos procedimentos educacionais e de saúde, sendo

os primeiros iniciados o mais cedo possível e continuados através de atendimentos especializados, visando a educação para o trabalho; a importância da realização de um trabalho também com as famílias, orientando, esclarecendo diagnóstico e prognóstico e oferecendo ajuda terapêutica e tratamentos dos conflitos familiares; e a divulgação das características dessa população, assim como dos programas e serviços já existentes com o intuito de diminuir a segregação social.

Importantes avanços e novas configurações ao atendimento educacional da criança com psicose está na Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, de 2008. Neste documento a psicose infantil é citada pela primeira vez de forma explícita, como público-alvo da Educação Especial. Sendo inserida no grupo dos Transtornos Globais do Desenvolvimento, tal política define o público-alvo da Educação Especial em três grupos: alunos com deficiência, com transtornos globais do desenvolvimento e com altas habilidades/superdotação. Esta é a nomenclatura utilizada até os dias atuais.

De acordo com esta Política, os alunos com transtornos globais do desenvolvimento são aqueles que:

...apresentam alterações qualitativas das interações sociais recíprocas e na comunicação, um repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo. Incluem-se nesse grupo alunos com autismo, síndromes do espectro do autismo e psicose infantil (MEC/SEESP,2008, p. 15).

As crianças com psicose passam a ocupar um novo espaço no campo da educação e da Educação Especial, sendo considerados alunos e não mais pacientes como anteriormente (JÚNIOR, NAUJORKS, 2011). Este é um avanço significativo e, no ano seguinte, em 2009, a psicose infantil é novamente citada como público-alvo do Atendimento Educacional Especializado, na Resolução no 4, de 2 de outubro de 2009 (BRASIL, 2009), que em seu Art. 4º descreve que crianças com Transtornos Globais do Desenvolvimento são aquelas que:

(…) apresentam um quadro de alteração no desenvolvimento neuropsicomotor, comprometimento nas relações sociais, na comunicação ou estereotipias motoras. Incluem-se nessa definição alunos com autismo clássico, síndrome de Asperger, síndrome de Rett, transtorno desintegrativo da infância (psicoses) e transtornos invasivos sem outra especificação (p. 17).

A respeito da inclusão da psicose infantil como público-alvo da Educação Especial, Pereira (2012) ressalta que a escolarização das crianças e adolescentes com psicose no sistema regular de ensino significa uma possibilidade de saída desses sujeitos do sistema excludente e circular dos hospitais psiquiátricos (p.19). No entanto, é interessante observar que apesar desta inclusão nas políticas públicas e documentos legais, a produção teórica a respeito da ligação entre psicose

infantil e Educação Especial é incipiente e poucos são os estudos encontrados na literatura que abordam esta temática, acarretando inúmeros questionamentos a respeito de quem são esses sujeitos, já que existem controvérsias entre pesquisadores e profissionais a respeito do próprio diagnóstico de psicose infantil, e se realmente se enquadram como público-alvo da Educação Especial.