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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA CENTRO DE EDUCAÇÃO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO ESPECIAL NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA CENTRO DE EDUCAÇÃO

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO ESPECIAL NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA

ELOÍSI BALSANELI DO LAGO

EDUCAÇÃO ESPECIAL: A INCLUSÃO ESCOLAR DA CRIANÇA COM PSICOSE

BOA VISTA – RR 2019

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ELOÍSI BALSANELI DO LAGO

EDUCAÇÃO ESPECIAL: A INCLUSÃO ESCOLAR DA CRIANÇA COM PSICOSE

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para a conclusão do curso de Especialização em Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, sob a orientação da Profa. Dra. Maria do Socorro Lacerda Gomes.

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ELOÍSI BALSANELI DO LAGO

EDUCAÇÃO ESPECIAL: A INCLUSÃO ESCOLAR DA CRIANÇA COM PSICOSE

Data da defesa: 19/06/2019

MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA:

_____________________________ Profa. Dra. Maria do Socorro Lacerda Gomes

(Orientadora/Presidente)

_____________________________

Profa. Dra. Cinara Franco Rechico Barberena (UFRR)

_____________________________ Profa. Dra. Pamela Alves Gil (UFRR)

_____________________________

Prof. Dr. Pedro Augusto Hercks Menim (UFRR) (Suplente)

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AGRADECIMENTOS

Muitas foram as pessoas que, direta ou indiretamente, contribuíram para a minha formação acadêmica e pessoal, e que me ajudaram na construção deste trabalho de conclusão de curso de Especialização em Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, da Universidade Federal de Roraima – UFRR. Gostaria de agradecer algumas delas...

Primeiramente a Deus, pela vida, saúde e oportunidade de conhecer e ter por perto, ao longo desta caminhada chamada vida, pessoas tão incríveis, que me inspiram e me ajudaram na construção deste trabalho.

À minha orientadora Profa. Dra. Maria do Socorro Lacerda Gomes, a qual tivemos uma enorme sintonia desde que nos conhecemos, por ter me acolhido com tanto carinho e entusiasmo, e aceitado me guiar na construção deste trabalho; pelos diálogos e importantes contribuições no desenvolvimento deste estudo.

À Profa. Dra. Cinara Franco Rechico Barberena, pessoa doce e encantadora, uma profissional incrível, a qual tenho muita admiração e respeito; por durante as suas aulas proporcionar espaços importantes de diálogos e construção de conhecimento.

À Profa. Dra. Maria Edith Romano Siems Marcondes, uma pessoa cheia de energia e instigadora de ideias, persistente na árdua luta da inclusão escolar das pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades, e que, junto de Cinara, idealizaram o curso de especialização em Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva da Universidade Federal de Roraima, e nunca mediram esforços para que a pós-graduação acontecesse, contribuindo de forma significativa na construção de saberes em Educação Especial.

Às todos os professores doutores do curso de especialização, os queridos e competentes: Adriane Melo de Castro Menezes, Pedro Augusto Hercks Menim, Lana Cristina Barbosa de Melo, Ivete Souza da Silva, Rosângela Duarte, Verônica Soares dos Santos, Wellington Alves, João Paulino da Silva Neto, Flávio Corsini Lírio e Leogete Joca da Costa, pela partilha de conhecimento, diálogos, trocas, disponibilidade e contribuições significativas para a minha vida profissional e pessoal. Neste trabalho tem um pouco de cada um de vocês, obrigada.

À Profa Dra. Pamela Alves Gil, pela gentileza de colaborar com este estudo.

Aos meus colegas de especialização, especialmente à Anne Caroline de Araújo Fonteles e Ramonne da Silva Diniz, em que, através do curso, tivemos a oportunidade de nos encontrarmos e construirmos um vínculo de muito afeto e uma amizade que levarei para o resto da minha vida.

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À diretora da escola em que trabalho, Rudaina Abou Trabi, pela sensibilidade e entendimento da importância do conhecimento em Educação Especial; por me permitir toda quarta-feira estar ausente da escola, no período da tarde, buscando conhecimento na especialização.

Ao meu marido Rodrigo Rodrigues do Lago, pelo apoio, carinho, confiança em meus esforços, torcida e pelo entendimento da importância deste trabalho para mim.

Aos meus amados pais, Edson Donizete Balsaneli e Edivânia Antônia Aparecida Peruqueti Balsaneli, por mesmo longe, se fazerem tão presente, me apoiando e me incentivando a nunca desistir dos meus sonhos, amo vocês.

À minha terapeuta e supervisora Gabriela Sa Leite Chakur, psicanalista e profissional inspiradora, pelo auxílio na minha própria escuta, por ter acompanhado e ainda acompanhar minhas angústias, lamentações, indignações e momentos de importantes mudanças na minha vida; pelos diálogos valiosos e inspiradores que me ajudam a crescer como pessoa e profissional, te admiro muito.

Aos meus pacientes e alunos da escola em que atuo como psicóloga escolar, por serem o meu combustível e motivação diária nesta busca inacabada de conhecimento.

A todos os importantes autores que se dedicaram e se dedicam a estudar este tema tão instigador e permeado por inúmeros questionamentos e preconceitos, especialmente os psicanalistas aos quais me referenciei na produção deste estudo, Jacques Lacan, Maud Mannoni, Alfredo Jerusalinsk, Maria Cristina Machado Kupfer e Carla Karnoppi Vasques, fundamentais para o entendimento da psicose e das questões levantadas neste estudo.

Agradeço também a todos que, de alguma forma, contribuíram para a construção deste conhecimento.

Sem o auxílio e apoio destas pessoas, meus estudos, reflexões, escrita deste trabalho, e, principalmente, ser quem sou, não seriam possíveis. Um sincero agradecimento a todos, que retribuo com o presente estudo.

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“Digo: o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia”. (GUIMARÃES ROSA)

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RESUMO

A produção teórica existente a respeito da interlocução entre psicose infantil e Educação Especial é recente, por isso, poucos são os estudos encontrados na literatura que tratam desta aproximação. Diante disto, inúmeros são os questionamentos de profissionais da saúde e da educação no que concerne a quem são estes sujeitos e, principalmente, aos significativos desafios encontrados no processo de inclusão escolar da criança com psicose. Neste contexto, objetiva-se com este estudo investigar, a partir de uma revisão teórica, a produção existente acerca da psicose infantil e sua relação com a escolarização, buscando compreender, através de um olhar psicanalítico, o lugar destes sujeitos antes e depois da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, de 2008. O estudo tem como referencial teórico a produção de importantes psicanalistas como Jacques Lacan e Maud Mannoni. Ambos oferecem contribuições relevantes à compreensão da psicose infantil. Corroborando com o pensamento destes, teóricos brasileiros como Alfredo Jerusalinsky, Maria Cristina Machado Kupfer e Carla Karnoppi Vasques apresentam um número significativo de produções sobre o tema, importantes no entendimento da psicose infantil. Foram utilizadas bases de dados e periódicos reconhecidos na área, como: Scielo, Pepsic, Revista Brasileira de Educação Especial, Revista Educação Especial, Revista Psicologia Escolar e Educacional, Revista Estilos da Clínica, entre outras. A priori pretendia-se utilizar materiais publicados nos últimos cinco anos, porém, devido à insuficiência de estudos neste período, foi necessário ampliar o período de publicação preestabelecido para os últimos 12 (doze) anos. Observou-se que os referidos estudos entendem a criança com psicose como um sujeito ainda em processo de estruturação subjetiva, a qual a escola e os vínculos construídos neste ambiente, atuando em conjunto com a clínica, podem contribuir de forma significativa para que a organização psíquica da criança com psicose seja retomada.

Palavras- chave: psicose infantil; educação especial, transtorno global do desenvolvimento,

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ABSTRACT

The theoretical production about the interlocution between childhood psychosis and Special Education is recent, so few studies are found in the literature that deal with this approach. Faced with this, there are innumerable questions from health and education professionals regarding who these subjects are, and especially the significant challenges encountered in the child with psychosis school inclusion process. In this context, the objective of this study is to investigate, from a theoretical review, the existing production about childhood psychosis and its relationship with schooling, seeking to understand, through a psychoanalytic view, the place of these subjects before and after the Policy National Special Education in the perspective of Inclusive Education, 2008. The study has as a theoretical reference the production of important psychoanalysts such as Jacques Lacan and Maud Mannoni. Corroborating with their thinking, Brazilian theoreticians like Alfredo Jerusalinsk, Maria Cristina Machado Kupfer and Carla Karnoppi Vasques present a significant number of productions on the subject, important in the understanding of child psychosis. We used databases and periodicals recognized in the area, such as: Scielo, Brazilian Journal of Special Education, Special Education Magazine, School and Educational Psychology Magazine, Clinical Styles Magazine, among others. A priori was intended to use materials published in the last five years, however, due to insufficient studies in this period, it was necessary to extend the pre-established publication period for the last twelve (12) years. It was observed that these studies understand the child with psychosis as a subject still in the process of subjective structuring, which the school and the bonds built in this environment, acting together with the clinic, can contribute significantly so that the psychic organization of the child with psychosis is resumed.

Keywords: infant psychosis; special education, developmental disorder, school inclusion, psychoanalysis.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 9 CAPÍTULO 1: PSICOSE INFANTIL - DOS HOSPITAIS PSIQUIÁTRICOS ÀS ESCOLAS REGULARES: BREVES PONTUAÇÕES HISTÓRICAS...

1.1 Razão e desrazão versus Representação e o lugar da loucura ... 1.2 Contexto internacional: Contribuições de Maud Mannoni ... 1.3 Contexto nacional: Contribuições de Maria Cristina Kupfer e Carla Vasques ...

1.4 Legislação no contexto internacional e nacional ...

14 14 18

26 29 CAPÍTULO 2: PSICOSE INFANTIL...

2.1 Psicose Infantil e Autismo - Diagnóstico (s) ... 2.2 Psicose na infância - pontuações psicanalíticas ... 2.3 Classificação americana e internacional da psicose e seu diálogo com a

Educação Especial ... 34 34 36

42 2.4 Um estudo de caso em psicose infantil ...

2.5 O fator orgânico na etiologia da psicose ...

CAPÍTULO 3: A INCLUSÃO ESCOLAR DA CRIANÇA COM PSICOSE ... 3.1 A escola e sua função terapêutica ... 3.2 As limitações de um enfoque exclusivo: necessidade de aproximações entre escola e clínica ... 3.3 Sobre o manejo e o atendimento educacional ... 3.4 Importância da formação continuada: professores, equipe escolar e criança com psicose – todos ganham ...

46 48 51 51 56 62 69 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 71 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 73

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INTRODUÇÃO

Realizar um trabalho de pesquisa exige motivação pessoal e profissional, empenho e dedicação num tema que, a princípio parece desconhecido, mas é instigador. Uma pesquisa nunca é plenamente concluída. Grandes autores afirmam que as boas pesquisas são as inacabadas, pois no seu fechamento provoca novos questionamentos.

Esta monografia traduz o trabalho de conclusão do curso de Especialização em Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, finalizado no primeiro semestre de 2019, na Universidade Federal de Roraima-UFRR.

Educação Especial e psicose infantil é o tema abordado neste estudo. Educação Especial devido à especialização na área e, principalmente, ao interesse profissional e pessoal e constante busca de conhecimento teórico e prático que me impulsionaram a buscar a especialização e que continuam, sempre mais instigante nesta busca tão “especial” para mim. Psicose infantil pelo encantamento sobre uma forma de ser no mundo tão singular, enigmático e que, por tais peculiaridades, envolve receios e preconceitos, principalmente no tocante ao processo de socialização e escolarização destas crianças.

É importante destacar que a Educação Especial é entendida nesta discussão como uma modalidade da educação escolar, ou seja, como parte constituinte da educação comum, que, na perspectiva da Educação Inclusiva, da educação como um direito de todos, integra a proposta pedagógica da escola regular, promovendo ao seu público-alvo um atendimento educacional especializado às suas necessidades individuais. Neste contexto, a inclusão escolar compreende a inclusão, na rede regular de ensino, de todas as diferenças, entre elas a criança com psicose, de forma que a escola esteja preparada para, não somente recebê-la, mas garantir seu aprendizado e desenvolvimento.

A respeito da nomenclatura utilizada para compreender os sujeitos deste estudo, embora o termo utilizado na literatura seja, com frequência, criança psicótica, utilizaremos, nesta pesquisa, o termo criança com psicose, por entender que a criança não se limita à psicose, como nos sugere o termo criança psicótica. Neste sentido, a psicose é compreendida como uma característica, uma particularidade da criança e não sua totalidade enquanto sujeito.

Discorrendo sobre a escolarização das crianças com psicose, outro importante aspecto que me motivou a pesquisar sobre o tema, destaco o fato de muitas pessoas, dentre as quais profissionais da área, desconhecerem ou não reconhecerem a criança com psicose enquanto sujeito da Educação Especial. Recorda-me a sensação positiva e instigadora ao estudar a legislação da Educação Especial, enquanto estudávamos a Política Nacional de Educação Especial de 2008, ao

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constatar ser a psicose infantil pertencente ao grupo dos Transtornos Globais do Desenvolvimento e, portanto, público-alvo da Educação Especial. Faz-se relevante neste depoimento revelar que, neste momento “meus olhos brilharam” e a partir de então não consegui pensar em outro tema de estudo que não fosse a inclusão escolar da criança com psicose. Assim, iniciei minha busca de referenciais teóricos, seus avanços, dificuldades e desafios.

Há que se destacar, ainda, minha experiência profissional na área escolar e clínica, ambientes nos quais atuo de forma concomitante e complementar. Em ambos locais, utilizando a abordagem psicanalítica como orientação e suporte teórico à minha prática. Assim, lidando tanto na escola quanto no consultório, com crianças que sugestionam uma psicose infantil, tamanha a relevância deste estudo para a minha vivência profissional e também pessoal, uma vez que ampliar nosso repertório teórico e prático é sempre muito importante para a nossa atuação profissional. Fazer novas leituras, ter novos olhares, questionar, ressignificar situações e pessoas e repensar novas estratégias para acolher e trabalhar com estas crianças fazem uma enorme diferença no desenvolvimento escolar delas.

Realizando leituras e práticas sob o enfoque psicanalítico, não seria congruente a utilização de outra perspectiva teórica, senão a psicanalítica. Teóricos como Jacques Lacan e Maud Mannoni, estão na gênese deste estudo. Corroborando com o pensamento destes, autores contemporâneos de orientação psicanalítica são apresentados: Alfredo Jerusalisnky, Maria Cristina Machado Kupfer e Carla Karnoppi Vasques.

Em Lacan buscamos referências importantes a respeito da etiologia da psicose, baseado no conceito de foraclusão do Nome-do-Pai. Tal entendimento aparece como eixo central nas reflexões de Mannoni e dos autores posteriores a ela. Mannoni também se destaca neste estudo devido às críticas e pensamento inovador no tocante ao tratamento da criança com psicose. Em sua reflexão destaca-se a crítica a segregação destes sujeitos em hospitais psiquiátricos clamando a sua visibilidade e potência no sentido de serem considerados detentores de palavra e de desejo.

Tendo como objetivo geral a investigação, a partir de uma revisão teórica, da produção existente acerca da psicose infantil e sua relação com a escolarização, a fim de compreender o lugar destes sujeitos antes e depois da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva de 2008 e, como objetivos específicos questionamentos, tais como: de que forma estes sujeitos foram vistos e nomeados ao longo da história? Em que momento foram inseridos como público-alvo da Educação Especial? Por que, diferente dos outros transtornos globais do desenvolvimento, apenas a psicose na infância é considerada público alvo da Educação Especial? Como tem ocorrido a inclusão escolar destas crianças na rede regular de ensino? Quais os

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avanços e desafios encontrados pelas crianças com psicose e equipe escolar neste processo? Estas são algumas das questões norteadoras, discutidas no presente estudo.

É importante destacar o quanto este trabalho apresenta relevância não apenas pessoal, mas acadêmica e social. Pessoal, por se constituir como a investigação de questões relevantes no âmbito da escolarização das crianças com psicose, sendo, desta forma, enriquecedor para minha formação discente; acadêmica, pois preenche lacunas a respeito do tema, contribuindo para a construção de um banco de dados que poderá colaborar para produções teóricas das próximas turmas que se interessarem pelo assunto; e social, por objetivar contribuir para a sociedade em geral e, principalmente, para profissionais e educadores que integram a rede de cuidados e serviços destes sujeitos. E, não se pode desconsiderar, para os sujeitos escopo deste estudo. Por fim, há que se destacar que, quanto mais se conhece a respeito de um fenômeno, melhores e mais eficazes serão as intervenções oferecidas.

O presente estudo consiste numa pesquisa descritiva e qualitativa, realizado através de um levantamento bibliográfico, no qual foram utilizadas bases de dados e periódicos como: Scielo, Pepsic, Revista Brasileira de Educação Especial, Revista Educação Especial, Revista Psicologia Escolar e Educacional, Revista Estilos da Clínica, entre outras. A escolha por tais bases deve-se ao fato de se tratarem de importantes bases de dados na área da Educação Especial e da Psicologia clínica e escolar, as quais buscou-se encontrar materiais a respeito do tema estudado. Para a busca e delimitação dos conteúdos foram utilizadas as seguintes expressões de busca: psicose infantil e educação, psicose infantil e educação especial, psicose infantil e inclusão escolar, transtornos globais do desenvolvimento; e também expressões como: psicose infantil como público-alvo da educação especial, inclusão de alunos com psicose infantil, entre outras. Foram selecionados para a leitura: livros, artigos de pesquisas publicados no âmbito nacional, bem como teses e dissertações sobre o assunto, considerando também indicações bibliográficas encontradas nas referências destas obras.

Com o propósito de realizar um estudo atualizado a respeito do tema de pesquisa, a priori, a intenção era selecionar materiais publicados nos últimos cinco anos, porém, devido à escassez de estudo na área neste período, foi preciso ampliar o período de publicação preestabelecido, de forma a utilizar material publicado nos últimos 12 (doze) anos, ou seja, publicados no período de 2006 a 2018.

O intuito era investigar o objeto de estudo em literatura internacional, nacional e local. No nível internacional não foram encontrados estudos recentes que abordem a relação da psicose infantil com a Educação Especial. Em nível nacional, poucos foram os estudos encontrados que abordam a psicose infantil relacionando-a com a Educação Especial, pois a maioria dos estudos

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encontrados tratam a psicose infantil a partir de um de tratamento clínico. E em nível local não foi encontrado nenhum estudo sobre o tema de pesquisa.

Após o levantamento dos dados, a partir das expressões de busca adotadas e das obras existentes nas bases citadas anteriormente, foram selecionados para a leitura os materiais que abordam o tema e descartados os que fugiam ao âmbito definido no projeto. Foram realizados fichamentos dos materiais selecionados, destacando as principais contribuições encontradas segundo o interesse desta pesquisa, articulando-as de modo a contextualizar e justificar sua realização, além de subsidiar a análise de dados. Após a realização de todos os fichamentos dos artigos selecionados para a pesquisa bibliográfica, os dados obtidos foram analisados de forma qualitativa.

É importante destacar que referente aos últimos cinco anos (2013-2018), ideia inicial da pesquisa, apenas dois artigos foram encontrados na literatura nacional que abordam a relação da psicose infantil com a Educação Especial, sendo um de 2016 e outro de 2017. Este número reduzido de artigos encontrados demonstra o quanto a psicose infantil tem sido minimamente investigada enquanto público-alvo da educação especial.

O estudo de 2016 traz o relato de experiência realizado por Ana Beatriz Coutinho Lerner e seus colaboradores e descreve a experiência de implementação do Núcleo de Educação Terapêutica (NET) no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP), apresentando os fundamentos teórico-clínicos que embasam essa prática e, através de um caso clínico, os efeitos observados no tratamento de uma criança com psicose.

No material de 2017, Olga Maria Piazentin Rolim Rodrigues, Vera Lúcia Messias Fialho Capelinni e Ana Paula Pacheco Moraes Maturana desenvolveram uma pesquisa de relato de experiência sobre as crenças e conhecimentos a respeito dos Transtornos Globais do Desenvolvimento por parte de diferentes categorias de profissionais da educação, assim como a experiência destes profissionais com essa população e a formação anterior na área. Sobre este estudo é importante destacar que embora a psicose infantil seja citada na pesquisa como pertencente ao grupo dos Transtornos Globais do Desenvolvimento, o enfoque maior, tanto referente às políticas públicas existentes quanto às experiências relatadas pelos profissionais, é dado ao autismo. É importante ressaltar que a maioria dos estudos encontrados na literatura que tratam da relação da psicose infantil com a educação são estudos realizados nos últimos nove anos. Destacam-se neste período as estudiosas Carla K. Vasques e Maria Cristina Machado Kupfer, cujas produções sobre a psicose infantil revelam-se significativas.

Para a elaboração desta monografia optou-se pela composição de três capítulos. Tomando como referência o filósofo Heródoto ao dizer que "é preciso pensar no passado para podermos

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compreender o presente e idealizarmos o futuro" (sem data), buscamos oferecer neste estudo subsídios que corroborem com o avanço das práticas na educação da criança com psicose.

Compreender a origem das representações e formas de tratamento da psicose infantil e o quanto influenciaram e ainda influenciam nas formas atuais de se entender a psicose infantil, o primeiro capítulo, intitulado “Psicose infantil - dos hospitais psiquiátricos às escolas regulares: breves pontuações históricas”, apresenta uma contextualização histórica a respeito do lugar da psicose infantil na sociedade, ressaltando o árduo caminho percorrido, iniciado nos conventos, passando pelos hospitais psiquiátricos, pelas escolas especializadas até, enfim, chegar à inclusão escolar da criança com psicose nas escolas regulares de ensino.

O segundo capítulo – Psicose infantil – traz uma exposição teórica acerca da etiologia da psicose, a partir de um referencial psicanalítico, como também da história de seu diagnóstico, destacando as diferenças em relação ao diagnóstico do Transtorno do Espectro Autista, também inserido no grupo dos Transtornos Globais do Desenvolvimento. A discussão a respeito do diagnóstico da psicose infantil é realizada com embasamento em dois grandes manuais diagnósticos, a CID-10 - Classificação Internacional das Doenças (1993), e o mais recente manual americano, o DSM-V - Manual Diagnóstico e Estatístico de Distúrbios Mentais (2013). Com o intuito de facilitar a compreensão do diagnóstico, também neste capítulo é apresentado um estudo clínico do caso de uma criança com suspeita de psicose infantil, destacando a relação da criança com a realidade e com a linguagem.

E o terceiro capítulo – O processo de inclusão escolar da criança com psicose – apresenta uma discussão a respeito da importância da escola para a criança com psicose, uma vez que este ambiente apresenta um papel fundamental para a constituição do sujeito, além de contribuir para a retomada de sua estruturação psíquica. Neste contexto destaca-se a importância do diálogo e de um trabalho em conjunto entre clínica e escola para que a inclusão destas crianças alcancem resultados satisfatórios. Posteriormente também se faz um diálogo sobre como tem se dado a inclusão escolar da criança com psicose, enfatizando os avanços obtidos neste processo, assim como os grandes desafios ainda encontrados pela equipe escolar para que a inclusão de fato ocorra.

Diante do exposto, convido você, caro leitor, a apreciar cada capítulo desta produção científica, que a partir da construção e partilha de conhecimento, o instigará a refletir sobre os avanços alcançados ao longo da história da inclusão escolar da criança com psicose, como também, a partir deste estudo, levantar outras questões mobilizadoras de novos estudos e conhecimento.

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CAPÍTULO 1: PSICOSE INFANTIL - DOS HOSPITAIS PSIQUIÁTRICOS ÀS ESCOLAS REGULARES: BREVES PONTUAÇÕES HISTÓRICAS

Quanto mais se estuda a história da noção de paranóia, mais ela se mostra significativa, e mais se percebe o ensinamento que se pode tirar do progresso, ou da ausência de progresso - como vocês quiserem - que caracteriza o movimento psiquiátrico (LACAN,1955-1956 [1985], p.25 ).

1.1 Razão e desrazão versus Representação e o lugar da loucura

Loucura, paranoia, debilidade mental, imbecilidade, retardamento, demência, inadaptáveis, são algumas das nomenclaturas utilizadas ao longo da história para definir a ausência de razão no sujeito. Mas afinal de contas, o que é razão? E desrazão? Segundo o dicionário escolar Scottini (2009), razão significa: “ato de raciocinar, pensar; faculdade humana que distingue o homem dos animais irracionais; opinião, pensamento, argumento, direito”. Já o conceito desrazão, antônimo de razão, embora não encontrado no referido dicionário, refere-se à ausência de razão.

Deste modo, louco seria o sujeito desprovido de pensamento, opinião e direito? Veremos a seguir o processo de classificação da loucura, no decorrer da história, a partir de concepções de importantes instituições, como a igreja e os hospitais psiquiátricos, e o quanto tais representações impactaram no estabelecimento do lugar destinado a estes sujeitos.

No passado, em um período anterior ao de Freud, segundo Maud Mannoni (1999 [2003]) a classificação da loucura estava atrelada às definições impostas pela igreja e pelos juristas. É na Idade Média que as primeiras ações assistencialistas começam a se organizar, se materializando na construção de asilos e conventos. Essas ações, ressalta Pessoti (1984), evidenciavam a dualidade predominante naquele período: caridade/castigo e proteção/segregação. Para o autor, os deficientes eram ao mesmo tempo protegidos e punidos, uma vez que diante de sua condição, originada de um “castigo divino”, esses sujeitos eram mantidos em confinamento, como forma de caridade por tentar salvar sua alma do demônio. No entanto, se por um lado eram “protegidos” pela igreja, é a partir desta segregação, que se esconde da sociedade sua “inutilidade”, livrando as pessoas das condutas “antissociais” dos deficientes.

A respeito desta dualidade predominante na Idade Média e indo de encontro com as ideias de Pessoti, há em Foucault (2009) o seguinte entendimento:

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Existe o hábito de dizer que o louco da Idade Média era considerado como uma personagem sagrada, porque possuído. Nada mais falso. Se era sagrado é porque, para a caridade medieval, ele participava dos obscuros poderes da miséria. Mais que qualquer outro, ele a exaltava (p.62).

Diante deste contexto, o limite entre a razão e a desrazão é definido, neste período, pela igreja, juristas e administradores, que estabelecem um lugar para a loucura. Lugar esse isolado da sociedade e da convivência. Segundo Vasques (2003) esta questão se traduz como um problema de ordem teológica, moral e de proteção de bens e posses.

Com o passar do tempo a loucura deixou de ser entendida a partir de explicações dogmáticas/religiosas e passou, gradativamente, a ser interpretada por um viés científico/médico. Neste sentido, os deficientes mentais deixam de ser vistos como bruxos ou sujeitos possuídos por demônios e passam, de forma paulatina, a ocuparem o lugar de doentes, passíveis de tratamento e educação (VASQUES, 2003).

O século XVII é marcado por uma significativa mudança neste contexto. Neste século, os testes de avaliação de níveis mentais, embora ainda não recebessem este nome, começam a ser elaborados e é a partir de requisitos como a adaptação ou o rendimento social do sujeito que se inicia a classificação dos débeis mentais (MANNONI, 1999 [2003]). É também a partir da metade do século XVII que várias casas de internamento foram criadas. Segundo Foucault, neste período, “a loucura esteve ligada a essa terra de internamentos, e ao gesto que lhe designava essa terra como seu local natural” (2009, p. 48).

Diante deste contexto, Mannoni (1999 [2003], p. 195) explica que “Uma relação humana correta não pôde ser estabelecida com o alienado, o pobre de espírito, o débil mental.”, pois naquela sociedade, priorizava-se estabelecer um lugar jurídico para estes sujeitos, uma vez que, classificá-los era muito mais importante do que conhecê-classificá-los. Segundo a autora, é a partir deste movimento que a loucura começa a ser estudada e a desrazão passa a ser explicada e compreendida pelo olhar médico e científico. Contudo, segundo Vasques (2003), esta mudança não produziu alterações significativas no atendimento realizado aos loucos e aos deficientes, de forma que continuaram prevalecendo as práticas segregacionistas, ou seja, os internamentos em grandes hospitais como o Bicêtre e Salpêtrière, localizados na França.

É a partir do século XVIII que, de acordo com Pereira (2012), as crianças com psicose passam a receber tratamento, voltado para a questão disciplinar, nos hospitais psiquiátricos. Em fins do século XIX começam a frequentar as Escolas Especiais, concomitante aos hospitais. À medida que o tempo passa, as escolas especiais vão sendo substituídas pelas escolas regulares, ainda dividindo espaço com os hospitais.

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Nesta perspectiva, Pereira (2012) ressalta que historicamente a concepção de sociabilidade das crianças com psicose estava relacionada à ideia de tratamento, pois apesar destas crianças terem frequentado as escolas especiais, o hospital psiquiátrico era a instituição responsável pela criança com psicose, caracterizando-se como um espaço de sociabilidade.

Foucault (2009) ressalta que ainda no final do século XVIII a loucura continua sendo abrigada, ao lado dos pobres, apenas entre os muros do hospital. Este contexto propicia o surgimento, na sociedade, de um novo sentimento direcionado aos loucos, um sentimento de compaixão moral e não mais religiosa, posto que "Se o louco aparecia de modo familiar na paisagem humana da Idade Média, era como que vindo de um outro mundo" (p.63), passa agora a,

Destacar-se sobre um fundo formado por um problema de “polícia”, referente à ordem dos indivíduos na cidade. Outrora ele era acolhido porque vinha de outro lugar; agora, será excluído porque vem daqui mesmo, e porque seu lugar é entre os pobres, os miseráveis, os vagabundos. A hospitalidade que o acolhe se tornará, num novo equívoco, a medida de saneamento que o põe fora do caminho. De fato, ele continua a vagar, porém não mais no caminho de uma estranha peregrinação: ele perturba a ordem do espaço social (FOUCAULT, 2009, p.63).

Nesta perspectiva, Foucault (2009) afirma que o internamento no século XVIII funcionava como um mecanismo social para “eliminar os elementos que lhes são heterogêneos ou nocivos, há apenas um passo” (p.79). Neste sentido, o autor faz uma crítica política destacando o quanto a loucura estava associada unicamente a ideia de internamento, de manter a “ordem social” em oposição a uma atenção médica ou filantrópica, sendo o hospital considerado símbolo de poder da loucura. Todavia, sendo visto como pobre, incapaz de trabalhar e de integrar-se socialmente, como nos aponta Foucault (2009), as instituições psiquiátricas aparecem somente para encobrir a loucura ao invés de compreendê-la e tratá-la.

Foi no início do século XIX que a psicose infantil ganhou, pela primeira vez, visibilidade. No início deste século, precisamente em 1800, temos o primeiro caso conhecido de atendimento oferecido a uma criança com psicose infantil. Trata-se do famoso caso de “Victor de Aveyron”, um menino aparentando estar na faixa etária dos 11 e 12 anos, encontrado nú nas florestas do sul da França. Victor, também conhecido como o “selvagem de Aveyron”, pois quando encontrado não sabia andar, falar ou se expressar de maneira que pudesse ser compreendido, foi avaliado naquela época por importantes profissionais de diversas áreas do saber; entre eles o médico representante da psiquiatria da época, Philippe Pinel, cujo relatório teve grande impacto naquele ano.

Segundo Vasques (2003), após avaliação, Pinel concluiu que o garoto foi abandonado na floresta por ser “idiota”, termo pertencente à categoria nosográfica utilizada naquele período, na

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qual as psicoses infantis também estavam incluídas. Este abandono representa suprimir a possibilidade de ser cuidado e, evidentemente, ser educado, ou seja, o garoto teria sido abandonado, segundo Pinel, justamente por sugerir não haver nenhuma possibilidade de reabilitação e educação.

Opondo-se à ideia de Pinel, Jean Itard (1774-1838), considerado um dos pioneiros da Educação Especial, acredita na possibilidade do “selvagem” ser educado e reintegrado à sociedade através de um tratamento moral, que consistia em um tratamento comportamental, ou seja, em uma educação que pretendia humanizar o indivíduo (VASQUES, 2003).

É neste contexto que a ideia de tratamento começa a se aproximar da noção de escolarização e a figura do médico se confunde com a de um professor, a partir da crença de que a criança com psicose pode ser “remodelada” por meio de repetidas atividades físicas e perceptivas, que as ensinem a andar, sentar, comer, se vestir, entre outros exercícios. Nesta ótica “a perspectiva educacional encontra-se, de um modo geral, reduzida à dimensão instrucional/instrumental” (PEREIRA, 2012, p. 22).

Ainda neste contexto, é importante ressaltar que, partindo dos pressupostos de Itard, é de fundamental relevância que o professor construa uma acentuada relação com o aluno, pois a ausência de sucesso será entendida muito mais como uma falta de habilidade do professor do que uma limitação da capacidade de aprendizado da criança (VASQUES, 2003).

Sobre a “reeducação” de Victor proposta por Itard, Mannoni (1999 [2003]) faz a seguinte observação:

Ora, a experiência do selvagem de Aveyron é a todo momento tão pungente justamente porque a principal preocupação de Itard é fazê-lo entrar no universo da palavra. Mas suas concepções a priori no que concerne à natureza da linguagem fazem com que, na realidade, tenha barrado o caminho às possibilidades que seu aluno ainda podia ter (1999 [2003], p. 198).

Desta forma, Mannoni critica as intervenções de Itard, ressaltando que a ideia de reeducação proposta se aproxima da ideia de “adestramento”, na medida em que a criança é submetida aos desejos do Outro, ao desejo de que ela utilize a linguagem enquanto demanda, posto que,

Para o médico, as palavras traduzem a expressão de uma necessidade (Victor deve pronunciar a palavra leite para pedir leite). Ora, a criança faz disso um uso prazeroso em um jogo entre ela e as palavras (leite tem para ela uma significação indiferenciada. É um fenômeno ao nível do qual parece manter-se) (MANNONI, 1999 [2003], p. 199, 200).

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Neste sentido, Mannoni (1999 [2003]) ressalta que, para a época em questão, as intervenções de Itard representavam um grande progresso, pois superavam muitos preconceitos existentes, entre eles, o de que essas crianças não eram passíveis de educação, entretanto, o próprio Itard, segundo a autora, deixou outros preconceitos, como, por exemplo, o fato de que a reeducação do sujeito estava atrelada ao seu “adestramento”. Ao final do século XX, especificamente em 1999, ano que sua obra foi publicada pela primeira vez, a autora ainda afirma que as intervenções de Itard ainda eram admiradas e utilizadas por pedagogos de maneira equivocada, visto que pretendiam impor sua própria concepção de mundo ao débil mental.

Para Vasques (2003) o tratamento moral reveste-se de importância particular e deve ser valorizado por sua importância histórica e inaugural, visto que, representa um investimento no sujeito, uma vez que aposta em "para além das suas limitações; por considerar as questões suscitadas, já naquela época, como emblemáticas no que se refere a (im) possibilidade destes sujeitos" (p 34).

No início do século XX, as intervenções que predominavam ainda estavam relacionadas às práticas clínicas, através do tratamento medicamentoso. No entanto, foi nas décadas de 40 e 50 que começaram a surgir questionamentos a respeito da origem e ausência de cura dos distúrbios mentais. Sobre esta novidade, Vasques (2003) destaca haver neste período o aparecimento de uma nova concepção a respeito das deficiências e da doença mental. Passa-se a pensar na possibilidade de tais distúrbios estarem relacionados a fatores externos, por exemplo, a falta de uma estimulação apropriada e de mecanismos de aprendizagem adequados. Esses questionamentos são um divisor nas novas possibilidades de intervenção que começam a ser pensadas. Apesar disto, as escolas especiais continuam a se disseminar, o que não causa estranheza, posto que, mudanças contextuais são demoradas e dependem de mudanças sociais mais amplas.

Também Freud ofereceu sua contribuição para o entendimento da loucura. Segundo Mannoni (1999 [2003]), Freud, insatisfeito e desconfiado das classificações realizadas até então, rompe com essa época e se dispõe a escutar o sofrimento do “doente”, pois "Não se situa face à verdade da loucura, mas face a um ser de fala que detém uma verdade, uma verdade que lhe é escondida, subtraída ou que não lhe pertence mais" (p. 196). Desta forma, a fala do doente passa a ocupar um papel principal, sendo mais valorizada do que a sua própria doença.

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Nascida em 1923 e falecida em 1998, a psicanalista Maud Mannoni se trata de uma grande referência no que diz respeito à clínica psicanalítica com crianças, especialmente no que tange às questões voltadas à loucura, a segregação psiquiátrica e a instituição asilar. Por ter a psiquiatria como formação, o diálogo com esta área do saber aparece de forma recorrente em suas reflexões sobre as questões anteriormente mencionadas. A importância das contribuições de Mannoni para este estudo se justificam pelo fato da autora, ao longo de sua trajetória, ter atuado tanto em instituições psiquiátricas quanto em instituições educacionais, criticando determinadas posições conservadoras no tratamento da criança com psicose, assim como, nos sensibilizando da importância de acolher a palavra do paciente/aluno no sentido de que possam ser vistos como sujeitos de seus discursos, sujeitos que possuem palavras e desejo. Mannoni participou de forma significativa da luta antimanicomial de sua época, criticando o isolamento dos loucos em instituições como hospícios e manicômios e propondo novas condutas médicas e pedagógicas ao doente mental, contestando a exigência de adaptação a comportamentos socialmente aceitos naquela época.

A importante obra de Maud Mannoni intitulada “A criança retardada e a mãe”, editada em 1998, se trata de um marco científico, especialmente para o tema deste estudo. Nesta obra a autora afirma haver na França, na década de 1960, cerca de 450.000 “crianças retardadas”, segundo estatísticas de pesquisadores franceses como Heuyer, Piéron e Sauvy. Apesar deste quantitativo de crianças com retardo mental não havia, segundo a autora, escolas especializadas suficientes para acolhê-las. Não existia, também, uma coordenação adequada para que a escolarização destas crianças, no sentido de acompanhar seu desenvolvimento no ensino tradicional, se tornasse obrigatória (MANNONI, 1999).

É importante salientar que o termo “retardada” utilizado por Mannoni, refere-se à nomenclatura da época para definir as crianças com debilidade mental, com sequelas de encefalite e traumatismo, assim como, crianças com estrutura psicótica (MANNONI, 1999). Outro termo empregado na época que se pode destacar é o de "crianças instáveis", utilizado para a categoria de alunos que frequentavam as classes de aperfeiçoamento e as escolas especializadas, porém, estas instituições não tinham um caráter obrigatório, limitando, desta forma, os resultados e avanços obtidos. Neste contexto, é importante ressaltar que a obrigatoriedade escolar só se aplicava às crianças consideradas normais (MANNONI, 1999 [2003]).

Mannoni (1999) reitera terem sido muitas as iniciativas privadas nesse período. No entanto, serviam de "paliativos felizes na ausência de estabelecimentos especializados, cuja criação incumbe à Educação Nacional e ao Ministério da Saúde Pública" (p. 92). Destaca-se que tais estabelecimentos – classes de aperfeiçoamento e escolas autônomas – eram coordenados e

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administrados por organizações distintas e independentes, não havendo integração entre si. Acerca desta característica, salienta Mannoni:

Falta sempre, em escala nacional, um organismo central que evitaria a anarquia administrativa e organizaria, paralelamente ao ensino tradicional, o ensino dos inadaptados – e não somente o ensino especializado para inadaptados, mas também a integração deste ensino no seio de técnicas médico-psicológicas que, muitas vezes, devem ter precedência sobre a própria pedagogia (1999, p. 92).

Nestas classes de aperfeiçoamento não eram aceitas as crianças com psicose e, mesmo as consideradas educáveis, aquelas com Q.I. com percentil entre 0,75 a 0,80, somente eram admitidas mediante avaliação médico-pedagógica. Para as crianças com psicose havia as classes experimentais, quase sempre de iniciativa privada. Segundo Mannoni (1999), os métodos utilizados nessas escolas tinham como base os métodos de “educação sensorial”, que objetivavam a educação do tato, da audição e da visão e, a partir de então, a aprendizagem escolar, ou seja, a leitura, a aritmética, entre outras, no qual procura-se,

Estabelecer um programa de ensino baseado nas necessidades da criança (alimentação, vestuário) e nas relações da criança com o seu meio (a criança e a família, a criança e os animais, etc.). O ensino pretende ser o mais vivo possível, deixar lugar a uma possibilidade de trabalho individual, procurando também, ao máximo, a participação ativa do sujeito (MANNONI, 1999, p. 95).

Somados a estes, outros métodos especiais eram introduzidos de acordo com as dificuldades específicas de cada criança, dentre os quais estavam: a aprendizagem da leitura e da escrita, um trabalho voltado para as dificuldades da linguagem e da aritmética, trabalhos manuais utilizando desenho e pintura livre, a ginástica especializada e a dramatização, e por fim, um trabalho de relaxamento e reeducação psicomotora, rítmica, gnósica, práxica, gestual, entre outras (MANNONI, 1999).

Embora as crianças com psicose não fossem aceitas nas classes de aperfeiçoamento, quando alguma admissão ocorria excepcionalmente, acabava reforçando o entendimento da inadequação devido sua estrutura psicótica, pois Manonni (1999) ressalta que se apresentavam mais sensíveis ao estado mental do professor. A autora exemplifica relatando o caso de um aluno chamado Gilles que, diante de um professor depressivo, expressava uma reação de pânico, acompanhada de condutas agressivas e que quando transferido para uma escola especializada em retardados, apresentou um comportamento condizente ao apresentado em outros ambientes externos

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ao da classe de aperfeiçoamento. Tendo, neste caso, aceitado ser escolarizado, fato inédito até aquele momento.

A respeito do funcionamento mental desta criança e sua capacidade de interpretar os acontecimentos, Mannoni (1999) expõe que, mais tarde ele lhe confessara: "na outra escola eu tinha medo, o professor era louco" (p. 98). Esta afirmativa leva a autora a interpretar da seguinte maneira: a depressão do professor despertara na criança a depressão do seu pai que havia se suicidado; assim, pondo o professor à prova, acabava por reviver o próprio pai. Esta dinâmica assustava a criança que o denominava de "louco". Diante deste contexto, a autora levanta uma problemática em relação à orientação pedagógica que era oferecida a essas crianças e que tinha unicamente como base o desenvolvimento de automatismos.

Se um ambiente de retardados graves permite eventualmente uma aquisição no plano técnico (motricidade), esse ganho muitas vezes é fraco no que se refere à falta de emulação no plano afetivo. Essas crianças se dão conta de que estão em companhia de “idiotas”, e reagem por meio de um comportamento de agressividade passiva. Falta-lhes alguma coisa essencial para seu desabrochar pessoal (MANNONI, 1999, p. 99).

A autora destaca que algumas escolas não tradicionais, pelo fato de deixarem as crianças viverem e se expressarem, sem ideias preestabelecidas sobre elas, apenas observando-as e possibilitando que elas se tornassem conscientes de sua posição de sujeitos e não mais de objetos criados de acordo com os desejos dos adultos, traziam consigo a possibilidade de uma evolução dessas crianças.

Mannoni (1999 [2003]) acreditava que, primeiramente era preciso que elas se sentissem pertencentes ao grupo para somente depois serem escolarizadas, defendendo a ideia de dar a palavra ao sujeito. Sujeito esse que não se trata do da necessidade, da conduta e nem do conhecimento, mas de um sujeito falante. “É um sujeito que por sua fala dirige um apelo, procura fazer-se ouvir (mesmo que na recusa), constitui-se, de certa maneira, em sua relação com o Outro” (MANNONI, 1999 [2003], p. 203).

Entretanto, essa forma de pensar a educação dessas crianças não atendia às expectativas e exigências das mães das mesmas naquele período.

Aliás, é nesse momento que se esbarra, a maior parte das vezes, na exigência das mães, que fazem questão absoluta e apaixonadamente da instrução e se mostram facilmente descontentes se o filho não é “alimentado” num ritmo suficiente. Aliás, essa insatisfação materna pode, em si mesma, ser benéfica para a criança, que vai achar enfim um lugar em que serão tomadas medidas só para ela, e não para ela através da mãe (MANNONI, 1999, p.99).

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É neste sentido que Mannoni destaca o quanto essas crianças poderiam ser beneficiadas, tanto pelas práticas diferenciadas adotadas quanto e, até mesmo, pela própria insatisfação de suas mães, no qual contribuiriam para sua constituição enquanto sujeito.

É importante destacar o quanto Mannoni, na década de 1960, já pontuava a não existência de uma única metodologia pedagógica que fosse suficiente para atender a todas as necessidades das crianças. “Afinal de contas, não há método pedagógico que possa ser apresentado como uma panaceia; os mais criticáveis podem ser felizes em certos casos” (1999, p.101). A autora também já sublinhava a importância de se levar em consideração a individualidade de cada criança na escolha das medidas adotadas para o seu “tratamento”, de forma que “As dificuldades caracteriais “iguais” não correspondem a medidas pedagógicas idênticas” (1999, p.101).

Nesta perspectiva, Mannoni ressaltava que a educação nacional tinha como missão atender a todas as crianças, possibilitando, desta forma, que os “inadaptados” ao sistema escolar comum tivessem suas dificuldades levadas em consideração no processo de escolarização, portanto,

A questão é complexa na medida em que é importante captar o sentido da inadaptação antes de vislumbrar os remédios pra ela. Isso só se pode fazer em equipe e supõe possibilidades escolares bastante amplas para que o tratamento possa fazer-se, em cada caso, no meio que melhor convier à criança (MANNONI, 1999, p. 103).

Em sua obra “A criança, “sua doença” e os outros”, Maud Mannoni (1999 [2003]) relata sua experiência em um Externato Médico-Pedagógico na França, onde trabalhou ao lado de diversos profissionais de áreas distintas: médicos, educadores, psicanalistas, entre outros. Essa instituição acolhia “débeis mentais médios e leves”, com idade entre seis e quatorze anos, que apresentavam graves distúrbios no comportamento. A autora destaca que em uma população de quarenta crianças aproximadamente, um quarto se tratava de crianças com psicose.

O Externato Médico-Pedagógico era administrado por um médico-chefe e atuava no sentido de “reorientação pedagógica” das crianças e adolescentes com dificuldades. Neste contexto, Mannoni (2003) ressalta o quanto a entrada da psicanálise na instituição sofreu resistência por parte de toda a equipe, especialmente dos educadores. Destaca a autora: “Foi preciso tempo para que os educadores aceitassem situar seu testemunho no lugar mesmo da troca” (1999 [2003], p. 225), pois os testemunhos dos educadores a respeito do trabalho com as crianças e adolescentes deficientes eram realizados, a princípio, apenas para o médico-chefe da instituição.

Nesse contexto, Mannoni aponta que a entrada da psicanálise nessa instituição tinha como objetivo “reintroduzir uma dimensão terceira (verbal) que desapareceu no tipo de relação instaurada não somente entre os adultos, mas entre os adultos e as crianças” (1999 [2003], p. 224). A autora

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enfatiza o quanto a colaboração com os educadores, assim como com todos os adultos que faziam parte da equipe institucional é fundamental no caso das crianças com psicose porque o meio escolar no Externato Médico-Pedagógico é um lugar de investimentos e identificações (crianças entre si, crianças com adultos). Ressalta,

Existe para os psicóticos uma série de lugares privilegiados, como a cozinha, e o papel desempenhado pela cozinheira se revela às vezes capital. (Esta deve também ser escutada pelo analista, à medida que suporta as tensões de angústia, aceitando a presença de crianças perturbadas.) (MANNONI, 1999 [2003], p. 228).

Nesta perspectiva, as intervenções propostas pelos psicanalistas no Externato Médico-Pedagógico dirigiam-se tanto às crianças “perturbadas” quanto a todas as pessoas que trabalhavam na instituição. Para Mannoni (1999 [2003]), é somente quando a criança com psicose encontra a possibilidade de se expressar em um contexto não-perverso que a escolaridade tem sentido enquanto aprendizagem. “Uma estada mais ou menos prolongada na cozinha pôde facilitar a inserção escolar de alguns, destaca Mannoni” (1999 [2003], p. 228).

Ainda sobre as dificuldades de colaboração encontradas entre psicanalistas e educadores em uma instituição, Mannoni (1999 [2003]) afirma que o maior obstáculo encontrado entre ambos se trata da posição tradicional assumida pelo pedagogo que considera a ação adaptativa como um fim em si. A autora ressalta que as práticas educativas têm como objetivo efetuar aprendizagens de compensação que se resumiriam a um processo de “adaptação relativa”, isso porque bases médicas foram dadas à pedagogia a partir da crença de que os distúrbios psíquicos apresentam origem fisiológica.

É o educador que naturalmente deseja esse grau de adaptação relativa e o determina. Crê ter em conta as necessidades e os interesses da criança, sem duvidar que essas necessidades e esses interesses sejam, antes de tudo, seus (como adulto). Dá à criança a sua própria representação do mundo da infância, ignorando muitas vezes o que nele corre o risco de ser posto em causa em seu confronto com o psicótico. Pode resultar disso um desconhecimento da criança como sujeito de uma fala ou de um desejo (MANNONI, 1999 [2003], p. 235).

É neste ponto, quando o pedagogo encontra dificuldades no trabalho com a criança com psicose, questionando suas referências teóricas e interrogando a psicanálise em busca de outras referências, que a análise pode contribuir na prática do educador, levando-o a repensar o seu modo de ser e trabalhar com a criança com psicose. Com relação às técnicas utilizadas pelos pedagogos naquela época, afirma que:

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As técnicas pedagógicas usuais não são operantes com o psicótico. Aprender o remete a um perigo: ser aprisionado enquanto corpo fragmentado na dialética do adulto. Alienado como sujeito, o psicótico se apresenta sucessivamente como boca a nutrir, ânus a preencher. Provoca uma pura relação de maternagem e se fixa em uma forma de corpo a corpo (MANNONI, 1999 [2003], p. 235-236).

Neste contexto, Mannoni (1999 [2003]) ressalta que o obstáculo então proposto é orientar o adulto a introduzir na criança com psicose a ordem do desejo. Dessa forma, é preciso alguns cuidados com a criança com psicose para que a escolarização seja possível, ou seja, para que ela possa aprender, é preciso, antes de tudo, integrar essa criança na realidade da vida da instituição, permitindo com que ela se situe na cozinha, copa, limpeza, correrias; como também possibilitar, através da execução de atividades comuns, a integração das crianças.

Neste sentido a autora destaca que, na Instituição, o lugar da psicanálise está voltado, especialmente, para a escuta analítica dos educadores, que são “suportes da angústia da criança” (p. 237). Segundo a autora, essa escuta pode reduzir, inclusive, a incidência de crises depressivas e crises de despersonalização nos educadores devido ao comportamento agressivo e apático dessas crianças.

A partir do momento em que deixa as técnicas tradicionais e se posiciona, na presença do analista, com um discurso coletivo, Mannoni (1999 [2003]) afirma que a pedagogia sofre uma transformação. Porém, essa transformação só é possível, quando toda a estrutura institucional, inclusive a administração, também se modifica, uma vez que a transformação envolve o conjunto de adultos da instituição. “A fala “liberada” da criança e dos educadores, se não pode ser retomada a um nível de intercâmbio, engendra um bloqueio que provoca no mundo adulto passagens ao ato”, explica Mannoni (1999 [2003], p. 238).

A autora também criticava as intervenções medicamentosas utilizadas nos centros médico – pedagógicos da época. Em setembro de 1969, juntamente com alguns psicanalistas, psicólogos, educadores e estudantes fundam a Escola Experimental de Bonneuil-sur-Marne, considerada uma das mais importantes instituições de atendimento a crianças e adolescentes excluídos da sociedade francesa, que tinha como objetivo acolher as crianças e adolescentes que não eram aceitos nas escolas regulares por apresentarem graves problemas no desenvolvimento.

Essa instituição propunha intervenções que iam na contramão das atividades anteriormente realizadas nos externatos médico-pedagógicos, que visavam uma reeducação dos comportamentos considerados inaceitáveis pela sociedade. As atividades propostas na Escola Experimental tinham função terapêutica, buscando a humanização dos sujeitos.

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Há, portanto, dois tipos de educação que se opõem: uma fundamentada na aparência e no sucesso a qualquer preço, levando em conta unicamente na realidade, e a outra, deixando ao indivíduo o tempo de se buscar, de descobrir seu caminho, segundo seu trajeto em que o importante é conseguir garantir a qualidade das relações humanas. Nesse espaço há lugar para a alegria e a fantasia (MANNONI, 1988, p.61).

No início de 1995, Mannoni e outros dois profissionais membros da equipe de Bonneuil, uma psicóloga clínica e um educador, são entrevistados por dois estagiários que trabalhavam na instituição a respeito da Escola Experimental. Em uma das perguntas feitas à psicanalista, o estagiário interroga sobre a aparente contradição existente no fato de Bonneuil ser dependente do Sistema de Saúde e apresentar-se ao público como uma escola experimental. Diante de tal questionamento recebe a seguinte explicação:

Bonneuil é, oficialmente, uma escola com hospital-dia, e lar terapêutico à noite. No entanto, sobre a porta de acesso colocamos somente escola experimental, para que as crianças tivessem como significante o de escola e não o de um lugar de doentes. Mais ainda, pode-se dizer que Bonneuil não depende só do Ministério da Saúde. Na verdade, nós temos duas inspeções: por um lado, a área de saúde e, por outro, a de educação; pois os dois professores que trabalham na Bonneuil são funcionários do Ministério da Educação (LAJONQUIÈRE; SCAGLIOLA, 1998, p. 22).

Sobre a coexistência entre educação e saúde mental na Escola Experimental de Bonneuil, Mannoni, durante a entrevista, ressalta que em Bonneuil a educação não é entendida e realizada como uma “reeducação forçada”, mas sim com o objetivo de proporcionar às crianças uma “ferramenta de trabalho”, inclusive àquelas que apresentam graves comprometimentos mentais.

A ênfase que nós pomos no escolar é maior da que se põe em qualquer outro hospital-dia, onde a dimensão educacional está apagada. Desta maneira, em Bonneuil nos preocupamos para que as crianças possam ser aprovadas nos exames finais. Explica-se às crianças que, para poder escapar da exclusão e encontrar um trabalho em que se possa ganhar mais do que um salário mínimo, precisam de um diploma. Assim, podem se tornar trabalhadores e mestres-artesãos com a sua cota de loucura. Nesse sentido, e como dizia Winnicott, o único que pedimos às crianças é que, na vida, façam semblante de serem normais (LAJONQUIÈRE; SCAGLIOLA, 1998, p. 22).

A respeito da idade limite existente para os jovens poderem frequentar Bonneuil, os entrevistadores questionam Mannoni sobre o que aconteceria com aqueles que atingiam a idade, porém, ainda não possuíam autonomia suficiente para viverem em sociedade. Mannoni então explica que, a princípio, a idade limite era de 18 anos, que coincidia com a idade própria para cursar o segundo grau. Posteriormente, o serviço foi autorizado, a partir de um decreto ministerial, para jovens entre 18 e 25 anos. A autora afirma que foi devido a essa autorização que foi possível

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“dar tempo ao tempo àqueles que, aos 18 anos, ainda não estavam prontos” (LAJONQUIÈRE; SCAGLIOLA, 1998, p. 24).

Entretanto, Mannoni ressalta que existiam àqueles que mesmo aos 25 anos ainda não se encontravam em condições de viverem de forma autônoma na sociedade. Para estes jovens, a equipe de Bonneuil buscava lugares no interior francês que pudessem acolhê-los, como, por exemplo, locais onde pudessem participar, de acordo com suas habilidades, da criação de animais, assim como do trabalho com artesãos. “Desta maneira, tentamos dar uma qualidade de vida excepcional a quem, em geral, está reservado o hospício”, explica Mannoni (LAJONQUIÈRE; SCAGLIOLA, 1998, p. 24).

Na entrevista, Mannoni salienta que em 1994 foi autorizado outro decreto ministerial que permitia que o serviço de seguimento continuasse a funcionar a partir dos 25 de idade. Porém, devido à oposição da burocracia administrativa francesa da época, no ano da entrevista, em 1995, este decreto ainda não havia sido colocado em prática.

É importante destacar que mesmo após o jovem ter deixado a escola experimental, caso acontecesse dele passar por uma crise “mais ou menos grave”, a equipe de Bonneuil os acolhia novamente em locais específicos, chamados de “lugar de retiro” (lieu de repli, em francês). Na entrevista, Mannoni relata caso de jovens que chegaram a passar um ou dois anos nestes locais com alguns membros da equipe, para então terem condições de retomar o “circuito normal da vida” (LAJONQUIÈRE; SCAGLIOLA, 1998).

É importante destacar que as contribuições de Mannoni, tanto relacionadas às teorizações quando à importante experiência de Bonneuil, serviram de embasamento para a construção de instituições internacionais e nacionais, assim como para o entendimento do processo de escolarização das crianças que apresentam psicose infantil.

1.3 Contexto nacional: Contribuições de Maria Cristina Kupfer e Carla Vasques

Tendo como referência as teorias de Maud Mannoni, em 1991, é fundada a instituição “Lugar de Vida”, vinculada ao Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, que tinha como diretora umas das idealizadoras do projeto, Maria Cristina Machado Kupfer. Kupfer (2000b), que apresenta um número significativo de estudos sobre a psicose infantil, destaca que a instituição “Lugar de vida” foi criada para o tratamento de crianças que apresentavam graves problemas no desenvolvimento, como autismo e psicose.

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Tendo como objetivo disponibilizar atendimento psicoterapêutico e educacional integrado, o trabalho realizado pauta-se em oferecer as mínimas condições para as crianças poderem frequentar uma escola, pois “de nada adianta tentar impô-las a uma professora, estando ainda instáveis, agressivas” (KUPFER, 1996, p.13).

Inicialmente esta instituição apresentava-se como uma clínica que tinha a psicanálise clássica como referencial, no entanto, foi percebido logo no início, que essas práticas necessitavam tornarem-se mais amplas. Assim, foram necessárias algumas ampliações, a saber:

...o primeiro passo foi teorizar e introduzir o institucional como ferramenta terapêutica de trabalho; o segundo, o de introduzir atividades educacionais; o terceiro, o de entender toda a montagem educacional, como uma só ferramenta, a que chamamos de educação terapêutica (KUPFER, 2000b, p.86).

A introdução das atividades educacionais reporta à valorização das atividades escolares. Neste sentido, o encaminhamento ou reencaminhamento (no caso de pacientes que chegavam devido às más experiências na escola) para a escola regular ainda não era demandado. A partir desta prática, aos poucos se foi percebendo, através de pedidos das mães e da demonstração das crianças, o quanto a travessia para a escola era importante. Nesse sentido, o ingresso na escola surge como mais um recurso no tratamento das crianças com autismo e psicose, ampliando sua circulação social, repertório cognitivo e posição na linguagem (COLLI; AMÂNCIO, 2006).

É importante destacar que para que essa “travessia” da instituição terapêutica para a escola fosse possível, foi criado em 1995 o Grupo Ponte, pertencente à Pré-escola Terapêutica Lugar de Vida da Universidade de São Paulo. Este grupo, constituído por uma equipe interdisciplinar, contendo psicólogos escolares, psicanalistas, pedagogos, pediatra e estagiários dos cursos de formação daquela Instituição, cujo objetivo é assegurar às crianças com graves problemas emocionais o ingresso nas escolas, preferencialmente de ensino comum e sua convivência com outras crianças.

Colli e Amâncio (2006) destacam que o trabalho realizado por esse grupo consiste no acompanhamento dos caminhos percorridos pelos alunos, em parceria com a equipe de profissionais do Lugar de Vida, assim como das escolas e seus professores, que se reúnem constantemente para discutirem sobre os obstáculos encontrados no processo de inclusão dessas crianças.

A Educação Terapêutica refere-se a um campo teórico-clínico, que partindo da aproximação entre psicanálise e educação, baseia-se em um conjunto de práticas interdisciplinares de tratamento, incluindo e enfatizando de forma especial as práticas educacionais, visando “à

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retomada da estruturação psíquica interrompida pela eclosão da psicose infantil” (Kupfer, 2000b, p. 83).

Na prática, a Educação Terapêutica opera em torno de três eixos: a inclusão escolar, o tratamento institucional e o educacional propriamente dito. Nestes três eixos, o objetivo é o surgimento do sujeito. Apostamos em seu surgimento como efeito do funcionamento da máquina da linguagem, operada pelo Outro institucional (KUPFER, 2010, p. 275).

Esse processo terapêutico não objetiva analisar os alunos, mas levar à compreensão de que educação e tratamento são elementos interdependentes e fundamentais para a “retomada” do aluno, uma vez que não será possível o tratamento sem educação, assim como, a educação sem o tratamento, porquanto “ambos são esforços que visam atingir, através de práticas diferentes, o mesmo alvo: o sujeito” (KUPFER,1996, p.30).

Carla Vasques, em suas contribuições através do atendimento de sujeitos com autismo e psicose infantil, pelo período de doze (12) anos, ressalta que sempre lhe causou embaraço a condição dos sujeitos e seus familiares ao chegarem no atendimento.

Na escola ou na clínica, vivem as marcas dos anos de exclusão, expulsões, exames cada vez mais sofisticados – que prometem uma resposta ou cura. Fazem verdadeiras peregrinações por serviços públicos, uma vez que muitos carecem de recursos econômicos e de informações. São anos de descaminhos em que se perde um tempo precioso (VASQUES, 2003, p.16).

A respeito dos desafios encontrados naquela época, Vasques (2003) tendo atuado no ano de 1993 na coordenação da equipe multidisciplinar de uma escola especial, ressalta que:

... um dos maiores problemas era o esvaziamento do espaço escolar. Esse aspecto preocupava-me, sobretudo, quando se relacionava a alunos que se encontravam há muitos anos em atendimento clínico e numa mesma série... Eles já não queriam ir para a escola. Os familiares achavam a escola e a clínica um desperdício de tempo, e os próprios profissionais estavam desmotivados com a falta de recursos (2003, p. 17).

Sobre esta questão, Vasques (2003) descreve em seu estudo o caso de uma paciente chamada Regina, diagnosticada com psicose infantil associada à deficiência mental, que recebeu atendimento dos serviços de saúde somente aos sete anos de idade, mesmo sua mãe percebendo-a e relatando que ela era diferente das outras crianças desde os dez meses de idade. Em relação ao processo de escolarização, a criança foi encaminhada para o ensino especial somente aos dez anos de idade, sem frequentar nenhuma outra instituição de ensino anteriormente, por acreditarem e esperarem a “estabilização do quadro clínico”. Regina cursou a 1ª série durante 11 anos em uma escola especial e depois deste período abandonou a escola e o atendimento clínico. “Justificando tal

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