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CAPÍTULO 2: PSICOSE INFANTIL

2.1 Psicose Infantil e Autismo Diagnóstico (s)

Muitos são os questionamentos a respeito das características apresentadas pela criança com psicose, assim como as confusões existentes, inclusive entre grandes autores, no que tange às diferenças no diagnóstico do autismo e da psicose infantil. Veremos a seguir a posição de diferentes autores, ao longo da história, em relação ao diagnóstico de psicose infantil e os motivos que levaram a confusões entre tal diagnóstico e o de autismo.

Segundo Kupfer (2000a) é recente a história dos diagnósticos de psicose infantil e autismo, pois, ainda para a sociedade do início deste século todas as crianças eram consideradas deficientes mentais, já que o olhar médico-clínico não havia separado desta categoria àquelas crianças que apresentavam comportamentos bizarros, autoagressões, pensamento desconectado e rebaixamento intelectual. Nesta perspectiva, a autora afirma que, assim como os doentes mentais, as crianças com psicose e autismo estariam sujeitas à alienação e ao internamento em asilo.

Analisando a complexidade do diagnóstico, Kupfer (2000a) ressalta que é a disputa do diagnóstico da psicose infantil e do autismo um dos principais obstáculos para o estudo destes transtornos, uma vez que a discordância entre pesquisadores de diferentes áreas a respeito do mesmo objeto de estudo dificulta o compartilhamento científico e consequentemente o desenvolvimento de novos estudos.

De acordo com Polanczyk (2019), pouco se sabe, mas muito se fala sobre os transtornos mentais em crianças e adolescentes. Segundo o autor, há muitos mitos, desde serem considerados diagnósticos da população mais favorecida até o de serem excessivamente diagnosticados e tratados. Estudos epidemiológicos indicam que 15 a 20% das crianças no mundo são afetados pelos transtornos mentais, destaca o autor. Neste sentido, é importante ressaltar que mesmo renomados psicanalistas como Melanie Klein, Jacques Lacan e Donald Winnicott apresentavam discordâncias no tocante ao diagnóstico de psicose infantil. Na teoria kleiniana e lacaniana, por exemplo, há a afirmação de não haver nenhuma semelhança na estrutura psíquica entre o autismo e a psicose

infantil. Por sua vez, para Winnicott, autismo e psicose refere-se à mesma patologia (CAVALCANTI; ROCHA, 2001).

Em consonância à teoria kleiniana e lacaniana, está o pensamento de Jerusalinsky (1993) ao pontuar tratar-se o autismo de uma quarta estrutura clínica, diferente das três propostas por Lacan: psicose, neurose e perversão. Para Jerusalinsky o autismo está relacionado a uma falha da função materna, enquanto que a psicose a uma falha da função paterna. A respeito das três estruturas básicas propostas por Lacan - psicose, neurose e perversão - é importante destacar que Lacan (1988) as intitula como modos básicos de defesa diante da falta no Outro, de modo que a psicose teria como resposta a foraclusão, a perversão a recusa e a neurose o recalque.

No tocante ao pensamento winnicottiano, o destaque da psicose está na relação mãe-bebê, na qual a negligência dos cuidados maternos com o bebê no início da infância são definidores da base da saúde mental da personalidade da criança (BERNARDINO, 2004). Neste sentido, o fato da mãe não se preocupar em cuidar de seu bebê seria gerador de distorções, distúrbios e regressões na relação meio ambiente/indivíduo, o que caracterizaria a psicose.

A respeito da falha da função materna, na mesma perspectiva teórica de Winnicott, Kanner (1997) citado por Kupfer (2000a) também explica o autismo a partir da relação da mãe com o bebê, frisando que nos seus estudos com crianças autistas observou características como frieza e distanciamento, como comportamentos comuns entre as mães. Tal comportamento, sugere o autor, poderia estar relacionado à dificuldade das crianças com autismo no estabelecimento de relações interpessoais. É importante ressaltar que além da relação mãe-bebê, Kanner também considerava o aspecto orgânico para explicar a etiologia do autismo, observando que todas as crianças pertenciam a famílias muito inteligentes, sugerindo, desta forma, uma possibilidade também de uma síndrome genética (KUPFER, 2000a).

A despeito da confusão existente entre os diagnósticos do autismo e da psicose é importante destacar que se explica ao fato de, no início, existir apenas um único grande grupo estabelecido pela Psiquiatria Infantil e pela Psicanálise, os quais caracterizavam a psicose infantil. O termo autismo, criado por Eugene Bleuler (1857-1939) em 1911, a partir da exclusão de “eros” da palavra “autoerotismo” (concepção freudiana), referia-se a um dos sintomas da esquizofrenia, cujo campo psíquico agiria de forma predominante à percepção da realidade e à compreensão do sujeito enquanto pessoa (VASQUES, 2012).

Em 1938, Kanner (1997) separa do grupo das psicoses outra categoria que nomeia Autismo Infantil Precoce (AIP), recorrendo ao termo autismo utilizado anteriormente por Bleuler, explica Postel e Quétel (1987), citados por Kupfer (2000a). Esta nova síndrome, de acordo com Kanner

(1997), caracterizava-se pela dificuldade da pessoa, desde o início da vida, marcada na inabilidade na interação com as pessoas e situações.

Neste contexto, segundo Vasques (2012) é a partir do questionamento de Kanner sobre a psicogênese do autismo infantil, indagando o quanto a relação afetiva dos pais poderia estar relacionada ao estado psíquico da criança, questionando também a organogênese da síndrome, que a confusão a respeito do diagnóstico se inicia. Segundo a autora, o AIP é disseminado e reconhecido de forma rápida por vários especialistas de diferentes países.

Desta forma, a depender da escola ou teoria, estabelece-se o lugar ocupado pela síndrome, assim como sua importância. Na Inglaterra, por exemplo, a psiquiatria infantil caracterizava a psicose de diferentes formas, existindo os que não viam diferença entre o autismo e a esquizofrenia, os que os compreendiam de maneira distinta e os que acreditavam que ambos pertenciam às psicoses infantis. Na França, a esquizofrenia e o autismo infantil eram considerados pertencentes ao campo das psicoses infantis. Nos Estados Unidos, a criança com psicose era denominada como atípica e excepcional (VASQUES, 2012).

Atualmente, manuais de classificação mais recentes, por exemplo, a quinta versão do Manual Diagnóstico e Estatístico de Distúrbios Mentais (DSM-V), classifica a psicose e o autismo como pertencentes a dois grupos distintos, com características bem definidas, como ilustraremos adiante.