• Nenhum resultado encontrado

3. ADMINISTRAÇÃO GERENCIAL E SERVIÇOS HOSPITALARES NA

3.1. A REFORMA DO ESTADO ESPANHOL E A IMPLANTAÇÃO DE UM

3.3.4. Lei de Saúde da Galícia: Lei 08/2008

O marco legal da saúde pública da Galícia, observando as leis que estruturam o funcionamento e a gestão do Sistema Local de Saúde, apresenta largos hiatos temporais na promulgação de seus principais documentos. Entre 1989, com a criação do SERGAS pela Lei 01/1989, e 2003, com a publicação da Lei de Ordenamento Sanitário de Galícia, apenas leis de gestão setorial foram promulgadas, especialmente referentes aos recursos humanos, aos insumos farmacêuticos e às drogas. Apenas em 2008, 22 anos após a primeira Lei Geral de Saúde Nacional do período pós- redemocratização, a Autonomia Galega publicou a sua primeira Lei, com propósitos semelhantes.

No preâmbulo, o texto afirma que a regulação dos direitos de cidadania (dentre os quais é possível inferir que se inclua o acesso aos serviços) é um traço marcante da nova concepção de saúde, que se configura “como demanda legítima da atual sociedade galega” (GALICIA, 2008, p. 17, tradução nossa)35 a ser considerada. As

atividades de regulação voltam a surgir no Artigo 1º, o qual destaca que a Lei tem por objeto:

a regulação geral de todas as ações que permitem o direito constitucional à proteção da saúde no âmbito das competências atribuídas pelo Estatuto de Autonomia, [...] e a regulação do Sistema de Saúde Pública da Galícia, bem como os direitos e deveres sanitários da cidadania galega, bem como os instrumentos que garantem a sua realização (GALICIA, 2008, tradução nossa)36

No âmbito desta pesquisa, essa Lei se destaca por ser o único documento revisado (entre nacionais e regionais) a incluir nominalmente as TIC em uma perspectiva dialógica, como ferramentas de interação entre usuários e governo. Em seu Artigo 9, parágrafo 6, afirma que o cidadão tem o “direito ao uso de novas Tecnologias de Informação e Comunicação para promover a interação eletrônica entre

35 como demanda legítima de la actual sociedad gallega.

36 La regulación general de todas las acciones que permitan hacer efectivo, en el ámbito territorial de

la Comunidad Autónoma de Galicia, el derecho constitucional a la protección de la salud en el marco de las competencias que le atribuye el Estatuto de autonomía, […]y la regulación del Sistema Público de Salud de Galicia y de los derechos y deberes sanitarios de la ciudadanía gallega, así como de los instrumentos que garantizan su cumplimiento.

os cidadãos e o Sistema Público de Saúde” (GALICIA, 2008, tradução nossa)37. Este

entendimento antecede, inclusive, a Lei Geral de Saúde Pública (ESPANHA, 2011), que, conforme discutido anteriormente, não propõe a utilização dos Sistemas pelos usuários.

O Capítulo III: Intervenções públicas que garantem os direitos e deveres da

cidadania38 propõem normatizar a regulação da CCAA sobre atividades públicas e privadas no âmbito dos serviços de saúde, ou com implicações para a saúde pública. O texto define o papel regulador da Autonomia Galega no que diz respeito ao trânsito de bens e produtos, publicidade e propaganda de produtos potencialmente prejudiciais à saúde, inspeção sanitária e outros processos administrativos, sem qualquer menção à regulação assistencial ou do acesso aos serviços. Nem mesmo o seu Artigo 34, que detalha as intervenções que poderão ser exercidas pelas autoridades sanitárias, inclui entre estas quaisquer tarefas em termos de regulação assistencial.

Nesse sentido, entende-se que a legislação apresenta uma lacuna, vez que as leis nacionais transferem para as CCAA a responsabilidade de definir aspectos regulatórios dos serviços de saúde, e a Lei de Saúde de Galícia é omissa em relação a esta determinação, afinal, a quem cabe o exercício do papel regulador do acesso à assistência?

O Artigo 12, que normatiza os direitos relacionados à prestação dos serviços, determina que o cidadão tem “o direito de obter uma garantia de atrasos máximos, de modo que certos serviços sanitários com financiamento público sejam oferecidos em prazos previamente definidos e conhecidos” (GALICIA, 2008, tradução nossa)39. No

entanto, não define onde nem como esses prazos são publicados. Assim, ainda que se verifique a obrigatoriedade da divulgação das listas de espera, a indefinição sobre a forma como esta publicação será realizada, somada à indefinição sobre o papel

37 Derecho a la utilización de nuevas tecnologías de la información y comunicación para potenciar la

interacción electrónica entre la ciudadanía y el Sistema Público de Salud.

38 Capítulo III: Las intervenciones públicas que garantizan los derechos y deberes de la ciudadanía. 39 Derecho a obtener una garantía de demoras máximas, de modo que determinadas prestaciones

sanitarias financiadas públicamente les sean dispensadas en unos plazos previamente definidos y conocidos.

regulador, cria uma lacuna legal na normatização dos serviços que se contrapõem à proposta de garantia de direitos e modernização da assistência prevista nos objetivos do documento.

Embora proponha em seus objetivos que a tecnologia ocupe posição de centralidade para a gestão dos serviços, o Capítulo VIII: Sistema de Informação de

Saúde e Avaliação do Sistema de Saúde da Galícia40 é bastante sucinto quanto à

normatização do uso de TIC. Em seu Artigo 71, estabelece a criação do Sistema de Informação de Saúde da Galícia, com objetivos de “planejamento sanitário, verificação da conformidade do Estatuto do e da Paciente e avaliação do desempenho e da qualidade dos serviços de saúde” (GALICIA, 2008, tradução nossa)41. Ainda que este

artigo faça referência ao Artigo 9 (supracitado), não determina que o Sistema de Informação de Saúde da Galícia deve se prestar, também, a fins de transparência e participação.

Mesmo no entendimento de que este documento antecede a Lei Geral de Saúde (ESPANHA, 2011), que determina que cabe às CCAA a definição dos indicadores dos Sistemas, verifica-se que também não há nenhuma discussão sobre este tema. Dessa forma, permanece na legislação regional a mesma lacuna presente nas leis nacionais, em relação à normatização da natureza e conteúdo dos dados e informações a serem coletados e sistematizados.

A presente Lei cria o Centro de Serviços de Tecnologias e Sistemas de Informação do Sistema Público da Galícia, como centro operativo da Consellería de

Sanidade, que deve atuar em sinergia com outros serviços e centros de informação

da Xunta de Galicia. Entende-se que esta iniciativa se propõe não só a institucionalizar uma estrutura de suporte ao desenvolvimento e uso das TIC, como também buscar a garantia da interoperabilidade e a convergência entre os sistemas de saúde pública e os demais Sistemas de Informações do governo.

Outro aspecto no qual se pode destacar o pioneirismo deste documento em relação às propostas do uso das TIC para mediação dos processos frente à legislação

40 Capítulo VIII: Sistema de Información de Salud y evaluación del Sistema de Salud de Galicia. 41 Planificación sanitaria, la verificación del cumplimiento del Estatuto del y la paciente y la realización

nacional está em seu Artigo 122, o qual determina que, em face do reconhecimento da “inescapável necessidade de incorporar os resultados do desenvolvimento tecnológico em benefício dos usuários e das usuárias e pacientes”42 (GALICIA, 2008,

tradução nossa)43, todo o pessoal envolvido nos serviços de saúde está obrigado a se

adaptar e utilizar as novas tecnologias necessárias à prestação dos serviços. Para tanto, encarrega a administração sanitária de realizar ações formativas, com fins de capacitação dos servidores para o desempenho de suas funções mediante uso da tecnologia, não apenas no treinamento para o uso das novas TIC, mas também oferecendo atualizações para fortalecer a utilização das ferramentas já existentes.

Não foi possível analisar, no curto período de estágio, os valores e métodos de trabalho nos serviços de saúde; contudo, a análise documental das Leis, tanto no que se referem às legislações sanitárias da Espanha, desde a promulgação da Lei Geral de Saúde, como a Lei Sanitária da Galícia, permite concluir que, embora evocado em diversas partes dos textos, como um dos pilares da gestão do serviço público de saúde nas CCAA, o princípio da Transparência não é trabalhado nos documentos, que tampouco determina de qual(is) forma(s) esta será disponibilizada ao cidadão.

Embora a legislação sanitária aqui examinada determine que todas as ações da administração em serviços de saúde devam ser orientadas pela transparência, as Leis nas CCAA não a associa ao uso de TIC (embora preveja a interação usuário‒ governo como uma de suas finalidades básicas), nem indica quaisquer outros mecanismos institucionais para a publicação das informações de interesse público. Desse modo, considera-se que, nas CCAA espanholas e na Comunidade Autônoma da Galícia, tal lacuna fragiliza esse princípio da Administração Pública, à medida que, ao contrário das leis nacionais, não define os ganhos práticos dos usos das TIC, pois os marcos regulatórios são omissos sobre como os gestores da saúde devem lidar com a transparência nas ações gerenciais e nos usos dos Sistemas de Informações em Saúde. Assim sendo, entende-se que há liberdade no Sistema Local de Saúde para diferentes práticas.

42 A Lei denomina de usuários ou usuárias todo cidadão que usufrui dos serviços de saúde, de forma

geral, e de pacientes aqueles usuários que estão sob acompanhamento médico para manutenção ou recuperação da saúde.

43 Ineludible necesidad de incorporar los resultados del desarrollo tecnológico en beneficio de los