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“Atavismo” é termo incomum. Um dicionário (HOUAISS; VILLAR, 2001, p. 331) nos diz que ele surge na língua portuguesa por volta do ano de 1871, influenciado pelo vocábulo francês “atavisme” em circulação desde 1836. Este, por sua vez, é uma reabilitação do étimo latino “atavus”, que quer dizer tataravô; em termos gerais, era utilizado como sinonímia para ancestral. Atavismo é conceito primeiro da biologia. Indica a “1 reaparição em um descendente de caracteres de um ascendente remoto e que permaneceram latentes por várias gerações 2 hereditariedade biológica de características psicológicas, intelectuais, comportamentais […]” (HOUAISS; VILLAR, 2001, p. 331).

Outro dicionário define o atavismo dessa maneira: “1 Uma assemelhação com ancestrais remotos superior à assemelhação com os pais em vegetais ou animais 2 reversão a um tipo anterior.” (OXFORD, 1991, p. 66, tradução nossa). Dentre os casos notórios dessa semelhança maior com os ancestrais (HALL, 1984, 1995, 2003), estão o aparecimento de dentes nas aves galiformes (HARRIS et al., 2006), o reaparecimento de patas primitivas nos cetáceos (BEJDER; HALL, 2002) e a cauda humana10 (ADAMS; SHAW, 2008).

Dizemos (HALL, 1984) que determinado atributo é atávico quando ele já existiu materializado e recorrente na estrutura orgânica de toda uma espécie, mas que, por algum motivo, sua manifestação foi descontinuada, todavia, ficando ocultos os elementos gerativos desse atributo no interior de algum membro da espécie. Em latência, por incontáveis descendências, esses componentes gerativos podem ser desencadeados posteriormente, fazendo com que algum indivíduo, pertencente a uma geração ulterior, apresente o atavismo, isto é, o atributo que estava desaparecido, que pertencera à espécie outrora. Não se trata de uma modificação em larga escala, mas de um microrretorno (BLACKBURN, 1984, p 244).

Um dos mais estimados textos de defesa para estudiosos do atavismo é o artigo de Brian Hall, Developmental mechanisms underlying the formation of atavisms11 (1984). Segundo Hall,

existem quatro pré-requisitos para a constatação do fenômeno:

10Apesar da rara ocorrência, a aparição é uma possibilidade. O ser humano não possui cauda, mas possui o mecanismo responsável para o desenvolvimento de uma. A explicação é no gene moderador Wnt-3a que nos mamíferos é o responsável pela regulagem e desenvolvimento da cauda.

11Ainda sem tradução em vernáculo: Mecanismos de desenvolvimento inerentes à formação dos atavismos (tradução nossa)

(1) sua persistência na vida adulta; (2) sua ausência nos pais ou ancestrais recentes; (3) sua presença em somente um ou alguns indivíduos dentre de uma população, e (4) sua semelhança próxima com (uma identidade com?) a mesma característica possuída por todos os membros de uma população ancestral.12 (HALL, 1984, p. 89,

tradução nossa)

Alguns pesquisadores (MORRIS, 1895, p. 896) procuraram explicar o atavismo como uma falha no desenvolvimento das primeiras fases embrionárias. Essa falha, por sua vez, seria causada, ou pela superabundância da energia molecular nas células germinais, ou pela presença de material excedente nos grupos moleculares, que se concentrariam em certas regiões embrionárias, no estágio de formação no qual o que está especificamente em desenvolvimento são suas características ancestrais. Tal superprodução energética ou concentração de material excessivo cessaria o desenvolvimento naquela fase, impedindo o embrião de atingir o momento mais atual da espécie.

Há ainda opositores da solidez do conceito, não necessariamente opositores do evolucionismo, mas que apontam dificuldades na teoria e método. A oposição de longa data pode ser traçada desde o século XIX (REID, 1897; F. A. L., 1898, p. 267). Todavia, estudos contemporâneos têm permitido a legitimidade da discussão sobre a aparição dos atributos orgânicos arrevesados. Dos métodos utilizados para demonstrações de casos atuais, existem os de rigoroso controle morfológico, como o de Reilly e Lauder (1988), e os validados pelos avanços da pesquisa genética (GATESY et al., 2003; HALL, 2003) através dos mapeamentos de DNA.

Apesar de o princípio de funcionamento do atavismo ter sido demonstrado por William Castle (1867-1962) em 1906, através de experiências com preás, o fenômeno ainda continua sendo trabalhoso por biólogos, geneticistas e médicos (TOMIĆ; MEYER-ROCHOW, 2011), principalmente, devido à dificuldade em se estabelecer uma distinção entre o que é atávico e o que é falha orgânica. Entretanto, existe consenso entre os pesquisadores hodiernos sobre o dever de não confundir esse fenômeno de retroação com doença, mau funcionamento genético ou defeito físico.

O atavismo é um fenômeno natural não subtrativo às funções habituais da espécie e que não implica em insuficiência dos processos físicos. Isso significa que é um adicional à estrutura biológica, apesar de esse aditivo ancestral ser apenas de ordem apendiceada, supérflua, portanto, sem utilidade. Diz-se assim porque a recomposição desses atributos dantes esquecidos pela natureza reaparece de forma aparentemente despropositada, sem visível ligação com a exigência direta do meio. Hall (1984, p. 119) comenta que os atributos atávicos podem se ajustar perfeitamente ao todo funcional do organismo.

12“(1) Its persistence into adult life; (2) its absence in the parents or recent ancestors; (3) its presence in only one or a few individuals within a population, and (4) its close resemblance to (identity with?) the same character possessed by all members of an ancestral population.”

O ponto inicial formal das discussões sobre tudo isso é 1859. Talvez seja o ano que mais tenha abalado todas as estruturas das instituições globais, não só as do Ocidente. Foi um tremor maior que o causado em nível eclesiástico pela Reforma Protestante (1517) e mais perigoso politicamente que a iluminista Independência dos Estados Unidos da América (1776). Ele agitará todo o continente europeu, em especial quando do desdobramento da revolução jacobina doze anos depois. Essa data continua sendo um evento histórico de repercussão tão grande quanto os casos das duas grandes guerras do século XX. As instituições tiveram que se adequar ao seu apelo. As instâncias de poder que não se flexionaram ao novo paradigma se fragilizaram.

Os estabelecimentos educacionais, os políticos e até a própria arte cederam ao diálogo biológico. Organizações tradicionais, como as religiosas, tiveram que se reinventar ou entraram em declínio. Desde então, o valor total de verdade, antes detido em ampla escala pela fé ocidental, ou se fragmentou, ou passou definitivamente às mãos da ciência.

Naquele ano, Charles Darwin anuncia o seu trabalho sobre a origem das espécies por meio de eleições feitas pela natureza (DARWIN, 2003). Na verdade, não se tratava de um estopim, de um marco repentino; Darwin não foi o início da discussão acerca da evolução biológica, ele é apenas a conclusão desse processo (ABAGGNANO, 2007, p. 459). Abbagnano ainda nos informa que apesar da forte influência aristotélica no predomínio da teoria da substância, que previa a imutabilidade ontológica do mundo, tantos outros, desde a Grécia antiga até o Iluminismo, cogitaram a possibilidade da transformação biológica. Décadas antes de Darwin, outros pesquisadores apresentaram proposições científicas da mutação das espécies (CAMPBELL; REECE, 2011, p. 454); entretanto, os antecessores de Darwin apenas apontavam que a vida mudava, mas sem demonstrar como aconteciam as modificações. Somente um desses cientistas apresentou um mecanismo explicativo, Jean-Baptiste de Lamarck13 (1744-1829), que se provou quase inteiramente sem validade.

Darwin demonstrou que a vida evolui de forma aleatória. São incidentes ambientais que exigem das espécies um encaixe ao novo meio, sob pena de perecimento; sobrevivendo à luta pela 13De acordo com Campbell & Reece (2011, p. 454-455), Lamarck trabalhava o funcionamento da evolução via dois princípios: 1) Uso e Desuso, defendendo que partes do organismo que são utilizadas se desenvolvem mais que as não utilizadas. Assim, o pescoço da girafa se torna mais longo porque ela o utilizaria mais que as outras espécies, na tentativa de alcançar a folhas dos altos ganhos. A girafa precisa do pescoço, as outras não precisam. 2) A herança de características adquiridas. Dessa maneira, uma girafa cujo pescoço cresceu mais passaria esse atributo para sua prole e assim sucessivamente. Esses dois princípios de Lamarck foram amplamente aceitos em seu tempo; mas longo depois da Teoria da Seleção Natural, que defende o sabor do acaso na escolha das formas de organismo que vivem e se desenvolverão, bem como daquilo que morrerá; Lamarck foi vilipendiado ainda em vida, principalmente por opositores da evolução, que negam que ela nem chega mesmo a acontecer. Hoje em dia o conhecimento da genética refuta as proposições de Lamarck: atributos físicos adquiridos pelo uso durante a vida de um indivíduo não são legados. Fazemos lembrar que para Darwin não é o que mais se preparou, nem o mais forte, que sobrevive. To Fit, em Inglês indica encaixe não planejado, uma espécie de 'coube direito', adequação natural, isto é, por acidente da espécie ao meio.

vida apenas a espécie que acidentalmente está apta, ou seja, mais adequada, mais flexível estruturalmente para permanecer no espaço. A espécie que mais se encaixar ao meio se reproduz, transmitindo à sua prole, assim, os atributos essenciais que lhe permitirá a acomodação ao novo ambiente.

Dessa forma, as espécies aos poucos se transformam em outras, pois novas exigências são impostas pela natureza instável, consequentemente, os atributos recém-desenvolvidos pela aquisição durante as adaptações aos últimos meios são transmitidos à descendência. Esse movimento sempre em direção ao futuro, entretanto, parecia também carregar algo que intrigava o próprio naturalista.

Apesar de obsoletos ao novo ambiente, atributos específicos abandonados durante os vários processos adaptativos anteriores, indispensáveis outrora, todavia superados pelos mais recentes ajustes ao meio, tornam a aparecer. Para Darwin, existe uma surpreendente pulsão do passado que insiste no presente, um desejo latente de reaparição desses atributos esquecidos. É como se aquilo que se achava perdido esperasse um momento-chave para reaparecer. (DARWIN, 2003, p. 38)

Em A origem das espécies, temos a base de todo desenvolvimento atual da pesquisa sobre o atavismo. Mesmo sem utilizar o termo especificamente, Darwin empregou um sinônimo, o vocábulo “ancestral”, um dos sentidos originais da palavra latina “atavus”, como havíamos observado. O darwinismo entra em consonância com a visão popular e simbólica sobre a hereditariedade: está no sangue, mesmo que oculta, ela pode voltar a se manifestar. Também percebemos que Darwin caracteriza o processo com termos específicos: ancestralidade, gerações passadas, desaparecimento, latência, alguma circunstância favorável, reaparecimento.

Darwin recupera seus estudos sobre o atavismo dentro de uma nova publicação quase uma década depois, em Animais e plantas sob a domesticação (1868), dessa feita, utilizando exatamente o termo “atavismo”. Lembramos que essa palavra só é incorporada ao português em 1871, três anos depois da publicação do livro e doze após Darwin ter assinalado o atavismo como possível através do processo chamado de seleção natural em A origem das espécies.

Animais e plantas sob a domesticação, dividida em dois volumes, apresenta a discussão logo nos capítulos iniciais, especialmente na conclusão sobre a possibilidade de reversão nos equinos (DARWIN, 1868a, p. 64). Darwin chama de Herança a discussão que se divide em três capítulos, do décimo segundo ao décimo quarto. No início do décimo terceiro, encontramos:

O grande princípio da herança a ser discutido neste capítulo foi reconhecido por agricultores e autores de várias nações, mostrados pelo termo atavismo, derivado de atavus, um ancestral; no inglês Reversion, ou Throwing back; no francês Pas-

mais que com os pais imediatos, não damos muita atenção, apesar de na realidade o fato ser largamente observado; contudo, quando a criança se assemelha muito mais com um ancestral remoto, ou com algum membro distante na linhagem colateral, e nós devemos atribuir esse caso último à descendência de todos os membros de um progenitor comum, sentimo-nos com certo grau de espanto.14 (DARWIN, 1868b,

p. 28, grifo em itálico do autor, grifo em negrito nosso, tradução nossa)

Dessa forma, ainda que o termo não tenha sido criado por Darwin, é só nele que o conceito se sustenta. Pensar em atavismo na modernidade é pensar em darwinismo e também na série de impactos que essa doutrina causa no pensamento da humanidade nos quase dois séculos de sua existência.

Entre algumas considerações que ainda devemos fazer sobre o termo “atavismo”, está a de que sua concepção original deve ser observada, e não confundida com outras hipóteses. Um importante marco para essa discussão é um livro de John Arthur Thomson (1861-1933) intitulado Heredity (1926). Especialmente no final do quinto capítulo, Thomson nos faz o seguinte apontamento:

Muitos dos fenômenos comumente denominados por ‘reversões’ são denominados erroneamente, e a reversão verdadeira não parece ser de ocorrência frequente. Além disso, quando ela ocorrer, pode ser que signifique não uma deterioração,

mas um retorno a uma posição de grande estabilidade orgânica. (THOMSON,

1926, p. 137, grifo nosso)15

Isso implica dizer que o traço ancestral não é uma degeneração. Atavismo não é o mesmo que decaimento de estado melhor. Não se trata de uma comparação em que o estado recente é melhor que o anterior. A comparação não pode existir pela própria acepção do nome da teoria na qual o atavismo se insere. Evolução não é sinônimo de progresso. Não se deve confundir a Teoria da evolução com o Evolucionismo, este sendo

14“The great principle of inheritance to be discussed in this chapter has been recognized by agriculturists and authors of various nations, as shown by scientific term Atavism, derived from atavus, an ancestor; by the English term of

Reversion, or Throwing back; by the French Pas-en-arrière; and by the German Rück-shritt. When the child resembles

either grandparent more closely than its immediate parents, our attention is not much arrested, though in truth the fact is highly remarkable; but when the child resembles some more remote ancestor, or some distant member in a collateral line, – and we must attribute the latter case to the descent of all members from a common progenitor, – we feel a just degree of astonishment.”

15Many of the phenomena commonly labeled as ‘reversions’ are wrongly labeled, and true Reversion does not seem to be of frequent occurrence. Moreover, when it does occur, it may mean, not a deterioration, but a return to a position of greater organic stability.

[...] o conjunto de doutrinas filosóficas que veem na evolução a característica fundamental de todos tipos ou formas da realidade, e, por isso, o princípio adequado para explicar a realidade em seu conjunto. Em outros termos, o Evolucionismo é uma doutrina metafísica […]. (ABBAGNANO, 2007, p. 462)

Com o termo “evoluir”, Darwin estava apenas indicando transformação, ou seja, o modo como as espécies se alteram umas nas outras. Evoluir significa mudança, variação. A teoria de Darwin não prevê desenvolvimento nem aprimoramento com sentido de progresso, simplesmente porque o meio não é estático: o que pode ser benéfico em determinado habitat pode ser prejudicial em outro. Ainda que palavras, tais quais, “avançado” e “melhor” possam constituir sinonímia, essa relação não é legítima dentro do darwinismo. No processo de seleção natural, o primeiro adjetivo deve ser entendido como marcador cronológico-espacial, isto é, o que se move para frente, ir adiante. O segundo deve continuar sendo apenas um comparativo de superioridade na linguagem em geral; no Evolucionismo, só em relação às circunstâncias específicas, sem comparação do específico com o geral. Com isso, chegamos à conclusão de que as espécies se transformam para frente, ainda que algumas características ancestrais insistam em reaparecer.

Quando a Teoria da evolução das espécies se alia ao Evolucionismo, atividades sociais discriminatórias com resultados danosos ocorrem. Casos mais recentes – os das crenças no etnocentrismo italiano e no arianismo, que se transformaram em políticas, conhecidas como fascismo e nazismo, respectivamente – remontam diretamente àquele que mais desvirtuou o atavismo, enquanto termo científico, o médico italiano Cesare Lombroso (1835-1909).

É Lombroso quem primeiro une o conceito de atavismo ao de desfavorecimento, consequentemente, opondo ideias como a de normalidade aos de anormalidade física e moral. Lançado em 1876, L’uomo delinquente (LOMBROSO, 2013) defende o conceito de criminoso nato. A criminalidade encontraria explicação na herança legada pelos ancestrais, não sendo decorrente de fatores sociológicos. O criminoso nato não nasceria apenas com o instinto delinquente, mas também carregaria estigmas físicos que o denunciariam, como a presença de mandíbulas largas, ecos atávicos de seu ancestral delituoso. Lombroso, inclusive, indica várias ilustrações anatômicas que ajudariam a reconhecer os traços físicos indicadores de delinquência, que antecipariam, assim, a possibilidade de evitar a conduta do criminoso.

A biologia não tardou na indicação de que a tese de Lombroso não se sustentava: “Não há razão nenhuma para complicar a ideia chamando o atributo reverso de ‘anormal’, porque a anormalidade é amiúde difícil de definir.”16 (THOMSON, 1926, p. 118, tradução nossa). O biólogo 16“There is no reason for complicating the idea by calling the reversionary character as ‘abnormal,’ for abnormality is often difficult to define.”

evolucionista Stephen Jay faz um precioso comentário social em A falsa medida do homem sobre os usos que Lombroso fez do termo atavismo: “As populações humanas apresentam uma grande variedade de comportamentos; o simples fato de alguns manifestarem certa conduta e outros não, não constitui prova alguma de que o cérebro dos primeiros padeça de alguma patologia específica.” (GOULD, 1999, p. 146)

Se reversão pode ser sinônimo para atavismo, esse último termo não adquire os outros significados mais gerais carregados por aquela palavra. Enquanto reversão pode linguisticamente significar a mudança completa para um estágio anterior, na biologia – e de forma genérica – o termo indica que apenas uma das características do organismo foi revertida, não a entidade por inteiro. Desse modo, reversão ou atavismo não indica involução, isto é, o processo de perda gradual das características conquistadas pelas gerações mais recentes, ou o retorno exatamente às mesmas características de outrora.

Além disso, há de ser levada em consideração a escala do reaparecimento do atributo ancestral. Quando ele se faz presente de novo em um táxon inteiro, então, o termo correto é reversão. Esse significante é, portanto, equivalente ao fenômeno do atavismo enquanto manifestação generalizada na população; o fenômeno da reversão é de ordem filogenética. Quando o atributo ancestral não é de ocorrência unânime na população, caracterizando-se pela singularidade do seu aparecimento, então, atavismo é o vocábulo que deve ser empregado.

Essa discussão sobre o atavismo, muito válida para nosso estudo, se encerra com os desafios limítrofes da própria biologia contemporânea. A questão atual é encontrar uma explicação que harmonize o atavismo aparentemente em choque com a Lei de Dollo, que não poderia ser invalidada. Um fenômeno parece embargar o outro. O belga Louis Dollo (1857-1931) anuncia, em 1893, que: “Um organismo não pode retornar, nem mesmo parcialmente, a um estado anterior, já realizado dentre a série de seus ancestrais.”17 (DOLLO apud TOMIĆ; MEYER-ROCHOW, 2011, p. 333, tradução nossa).

A tendência é que a questão encontre consenso assumindo que a Lei de Dollo apenas determina o caráter de irrevogabilidade do processo evolutivo como um todo, isto é, as partes desse histórico orgânico são indeléveis, e a soma total dessas informações adicionadas através das eras não pode ser plenamente [re]vertida. É o retorno total a um mesmo ponto antepassado que se tornaria impossível. (DAWKINS, 1986, p. 116)

Resolver essa questão vai além das nossas capacidades, e continuar na leitura biológica que temos feito até o momento foge do nosso escopo. A discussão que temos feito até aqui satisfaz as 17“Un organisme ne peut retourner, même partiellement, à un état antérieur,déjà réalisé dans la série de ses ancêtres.”

necessidades das nossas análises porvindouras. Resumimos nossas observações enviesadas na biologia com o conhecimento de que o ser atávico não faz a volta ao passado, mas sim uma volta ao passado, uma volta diferente.

Compete-nos relembrar que, estando nossa área de concentração sob a perspectiva das ciências humanas, adentramos no viés das ciências biológicas, especificamente nas disciplinas da biologia evolutiva e da genética, por sugestão inicial do poema-alvo do nosso estudo.

Figura 3: Mariodáctilo

Fonte: Acervo do autor

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