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3 AÇÃO TRANSDISCIPLINAR DO DIÁLOGO NA FORMAÇÃO DO

3.6 Leitura e educação

Leitura bem feita é formativa, no sentido de que reestrutura as ideias e expectativas, reformula horizontes. Nem toda leitura precisa ser assim, séria, mas toda leitura bem feita ocorre sob o signo do questionamento, porque quem não sabe pensar, acredita no que pensa. Mas, quem sabe pensar, questiona o que pensa.

Pedro Demo, 2006

A leitura contribui para que o indivíduo assuma um posicionamento diante do mundo. Ela possibilita, assim, muito mais do que apenas um conhecimento informativo ou mesmo um mero prazer de ler. Perceber a leitura de forma reducionista e instrumental limita a sua capacidade de contribuir para a educação integral13 do ser humano. A leitura tem o papel de colaborar na construção de significado, como afirma Kleiman (2004, p. 49): “[...] a leitura é um ato individual de construção de significado num contexto que se configura mediante a interação entre autor e leitor.” Desta forma, a leitura tem um caráter processual e dialógico, ou seja, o indivíduo leitor consegue estabelecer uma troca de significados tanto com o autor, quanto com ele mesmo e com as circunstâncias da vida.

A compreensão do caráter dialógico e coparticipativo do processo de ler possibilita uma interação de saberes diversos construídos a partir de leituras plurais

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A educação integral ou holística, segundo Yus (2002), é a que pretende desenvolver o ser humano em todas as suas dimensões (mente, razão, corpo, alma, consciência, linguagem, sensibilidade, ética, moral, estética...). Tem sua origem ocidental na Grécia antiga, com o filosofo Platão, e segue afirmando seu valor no século XVIII com Rousseau, entre outros. Pelo que sabemos, no século XX, educadores como Maria Montessori, Rudolf Stiener, Dewey, Paulo Freire, entre outros, cada um com a sua particularidade, desenvolveram pedagogias que têm contribuído para a formação integral do ser humano.

dos signos e do entendimento dos diferentes sentidos das criações naturais e humanas. Digo „processo de ler‟ por considerar a leitura uma prática contínua, aprendente, que constitui um diálogo polifônico entre pensamentos, sentimentos e fazeres humanos numa dialética de desconstrução e construção de significados. Segundo Muniz e Lima (2007), o processo de ler tem relação com o que Koch (2002, p. 67- 68) fala sobre o hipertexto:

O hipertexto é, por natureza e essência, intertextual. Por ser um “texto múltiplo”, funde e sobrepõe inúmeros textos, textos simultaneamente acessíveis ao simples toque do mouse. Como encontro e/ou entrechoque das diversas vozes que permeiam esses textos, é essencialmente polifônico e dialógico.

Em alguns processos educativos, a leitura que não é percebida como um meio, um instrumento de significar a vida, não é considerada como uma forma de influenciar na formação afetiva, criativa, técnica, profissional e espiritual da pessoa. Por não conseguir perceber a dimensão e o valor da leitura, essa educação, quase sempre, deixa de causar no aluno o desejo e o gosto pela leitura, mesmo na forma linear como a considera e a transmite.

Assim, arrisco dizer que, mesmo alguns indivíduos que gostam de ler, muitas vezes não compreendem que a leitura é também uma forma de relação consigo mesmo e com as circunstâncias da vida. Esse leitor não percebe o quanto a sua forma de ler o mundo determina a maneira como ele se relaciona com as circunstâncias próprias do existir. E, consequentemente, não compreende o quanto a maneira de ler o mundo é fundamental para a forma de viver do ser humano. Esta perda, portanto, faz com que ele não compreenda que a sua forma de ler o mundo incluindo os valores, as ideologias, as culturas, as religiões entre outros, influencia as suas escolhas e as suas relações. Quanto mais reflexivo, consciente e dialógico for o processo de ler, maior será a possibilidade do indivíduo exercer a sua cidadania.

Para Rezende (2005, p. 9): “Ao lermos, nos lemos no Mundo e lemos o Mundo. E vamos descobrindo a nós mesmos, ao outro, aos outros, o nosso lugar, os outros lugares... A beleza e a arte, a ciência e a nossa consciência.” A leitura pode ser considerada também como um instrumento de autoconhecimento e de diálogo que contribui para que o leitor possa significar a sua vida; possa acessar os enigmas

da sua subjetividade e da sua relação com o outro no mundo e com o mundo, contribuindo, assim, para o desenvolvimento humano.

Essa autora fala ainda sobre a riqueza de saber ler os vários códigos das várias formas de leitura. Esses códigos se interligam, se complementam e permitem ao leitor realizar novas tessituras. Diz Rezende (2005, p. 11): “[...] novas tessituras, que nunca são absolutamente novas... Do que lemos sempre sabemos algo; o que fazemos é complementar, reolhar, redescobrir, acrescentar, duvidar, confirmar”.

Para ler melhor, é preciso ler com todos os sentidos, não só com a razão. Aprender a ler as várias linguagens – do folclore, das revistas, da mídia, da TV, do teatro, da poesia, da fotografia, da música erudita e popular e das artes em geral –, para que o ser humano possa desenvolver todos os seus sentidos, a sua racionalidade, a sua afetividade e expandir a suas possibilidades de dialogar. Com esta prática do processo de ler, o indivíduo compreende mais a si mesmo e ao outro, aprendendo a olhar e a reolhar de forma mais reflexivo-crítica e consciente o mundo.

Aprender a ler, segundo Martins (1986, p. 34), “[...] significa também aprender a ler o mundo, dar sentido a ele e a nós próprios.” Por isso, o processo de aprender a ler de forma dialógica é fundamental para a formação do educador e dos seus alunos. A leitura oportuniza ao educando desenvolver não só a capacidade de compreender, interpretar os trabalhos e provas a serem compridas, mas também de tecer diálogo com os textos, tratando-os como partícipes da construção do conhecimento de si próprio e do mundo.

Diante do valor do aprendizado da leitura dialógica, faz-se necessária a inclusão de novas práticas de leitura nas instituições de ensino. Na tese de doutorado intitulada “A Pedagogia do desejo de ler”, a professora Dinéa Maria Sobral Muniz, (1999) apresenta um exemplo, dentre muitos outros possíveis, de como realizar uma prática de leitura, considerando-a como uma necessidade da interlocução para a constituição do sujeito.

Para Paulo Freire (1986), a leitura e a escrita são necessidades do ser humano, pois o ajuda na sua relação com o outro e com o mundo. Segundo esse educador, só com o domínio da leitura e da escrita o indivíduo poderá assumir “[...] o seu papel de sujeito e não de mero e permanente objeto.” (FREIRE, 1986, p. 109). Tudo leva a crer, então, que uma educação comprometida com a formação humana

integral necessita repensar a forma como a leitura vem sendo utilizada em algumas instituições de ensino. Os responsáveis pela organização institucional da educação precisam perceber que a implantação e a divulgação na mídia de projetos de leitura não geram resultados no cotidiano da educação sem um simultâneo processo de formação do educador.

A revitalização do processo de ler pressupõe a compreensão de que a leitura, assim como a vivência do processo do autoconhecimento, é um ato muitas vezes solitário (não no sentido depressivo da palavra, mas no sentido mais próximo da solitude), fenomenológico, que pode promover um mergulho no mundo interior do leitor, possibilitando a vivência do processo da autoconsciência e o desenvolvimento da capacidade de análise reflexivo-crítica da realidade.

A leitura, mesmo realizada individualmente, possibilita o encontro do leitor com o outro e a compreensão do coletivo, da unidade e da diversidade. Ou seja, promove a interação entre os seres humanos, tendo como pilar sustentador o cultivo e a vivência dos valores humanos e, consequentemente, o convívio e aprendizado constante com o diferente. Sobre esta abertura para a reflexão e a compreensão da interação e da interdependência humanas como formas de possibilitar novas alternativas para as relações entre os seres humanos, afirma Martins (1986, p. 29):

[...] o ato de ler permite a descoberta de características comuns e diferenças entre indivíduos, grupos sociais, as várias culturas; incentiva tanto a fantasia como a consciência da realidade objetiva, proporcionando elementos para uma postura crítica, apontando alternativas.

Pesquisas recentes, veiculadas inclusive em revistas periódicas14 têm destacado a carência de nossos educandos com relação à capacidade de pensar de forma reflexivo-crítica, mostrando o alto índice de analfabetismo funcional em nosso país. Será que essa deficiência de nossos alunos não está diretamente relacionada à situação de descaso da educação instituída pela prática da leitura e pelo desconhecimento do seu caráter dialógico? Sendo assim, como fazer para despertar a atenção das políticas públicas educacionais para a importância do investimento em novas práticas de leitura dialógica na formação do educador-leitor-dialógico? Este trabalho de pesquisa não pretende responder esta questão, mas objetiva mostrar a sua importância.

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Referi-me a publicações de resultados de pesquisa veiculados em revistas de circulação nacional como “Veja” e “Isto é”, entre outras.

Talvez, o índice de dificuldade dos nossos alunos com relação ao aprendizado e a compreensão dos conteúdos básicos dos currículos escolares se deva em parte à falta de leitura nessa perspectiva mais abrangente e dialógica. É angustiante ver que crianças, adolescentes e mesmo adultos não conseguem compreender o que leram, ou melhor, a sua decodificação e junção dos signos do alfabeto. A gravidade dessa situação necessita de um olhar atento e cuidadoso dos envolvidos nos processos educativos. Políticas de incentivo à leitura apenas com doação de livros para as escolas se mostraram insuficiente para resolver essa situação. Esse não é o foco da minha pesquisa, só gostaria de manifestar a minha inquietação.