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3 AÇÃO TRANSDISCIPLINAR DO DIÁLOGO NA FORMAÇÃO DO

3.4 Texto e diálogo

O sentido não está no texto, mas se constrói a partir dele no curso de uma interação.

Ingedore Koch, 2005

O texto se constitui em uma tessitura dialógica e interacional. O texto desperta sentidos e o diálogo entre ele e seu criador, ou ouvinte, ou leitor, ou observador tece aprofundamentos, revisões e/ou novas construções de sentidos. Como dialogamos, usando textos, achei pertinente fazer algumas considerações sobre o sentido dialógico do texto. Só compreendendo o significado da enunciação de alguém é que podemos dialogar. É a partir da compreensão de uma proposição ou de um texto que a pessoa pode tecer considerações sobre o que foi ou está sendo dito. Nesse jogo de compartilhamentos, a interação e o diálogo acontecem. Os textos compartilhados nesse jogo dialógico da linguagem são expressos nas palavras e nas posturas corporais de quem fala. A compreensão de um texto envolve a cognição, a sensibilidade e a vontade dos seres humanos.

Em função de anos de supervalorização da linguagem escrita por nossa sociedade, quando se fala de texto a primeira imagem que se apresenta em nossa mente é de algo escrito (um livro, uma matéria de jornal...). Essa supremacia do texto escrito é resultado da razão moderna e contemporânea, que nas palavras de Vernant (apud PESSANHA 1994, p. 8), “se afastou da língua falada para se voltar

para a linguagem matemática. Edificou uma lógica do número e da quantidade em lugar de uma lógica do conceito e da qualidade [...]”.

Para Muniz e Lima (2009), o texto é compreendido como uma teia articulada de conhecimentos tecidos com fios de vários sistemas de saberes polarizados em disciplinas. Um texto se constitui em um veículo de construção, elaboração e transmissão de conhecimentos, sendo que agrega saberes múltiplos. O texto atua na fronteira de vários saberes e/ou disciplinas fazendo uma interface, uma interpolaridade através de interações dialógicas.

Independente da natureza, o texto que consegue manifestar pensamentos e despertar reflexões, diálogos e interações contribui para o processo de desenvolvimento humano. Assim, ao tratar das ciências humanas, ele consegue estabelecer contatos dialógicos e tensitivos entre pares de opostos, como a verdade e o erro; o certo e o errado; a ciência e a ficção; a razão e a emoção, o indivíduo e o outro; o sujeito e o objeto; o belo e o feio, contribuindo para a compreensão da condição humana. Com essas tensões, o texto dialógico aproxima teorias e possibilita a compreensão dos contrários próprios da existência.

O texto se constitui como um fazer humano construído com o tecer, o entrelaçar de saberes humanos instituídos tanto nos aspectos científico e acadêmico quanto nos saberes religiosos, mitológicos, culturais, artísticos e os ditos do senso comum ou saberes populares. Esses saberes populares são geralmente transmitidos de forma oral e considerados pela ciência „dura‟ como pouco valiosos.

As práticas de leitura e construção de texto utilizadas na maioria das escolas seguem uma lógica instrumental e só valorizam os textos escritos indicados na matriz curricular do curso. Essas indicações, muitas vezes, estão distantes do contexto sociocultural e econômico dos educandos e mesmo dos educadores. Sendo assim, estes nem sempre conseguem estabelecer uma relação entre o texto escrito e o cotidiano dos alunos. Dessa forma, alguns atores do processo educativo não conseguem interagir e dialogar com o texto e, consequentemente, não lhe atribuem sentido, não têm vontade de ler e muito menos de escrever.

Diante da situação acima descrita, faz-se urgente repensar a interpretação sobre o conceito, as formas e o valor do texto. O avanço dos estudos linguísticos, discursivos, semióticos e literários já está possibilitando a ressignificação do conceito

de texto. Segundo Koch (2005), texto é o resultado parcial da atividade comunicativa do ser humano, que compreende processos, operações e estratégias mentais que são postas em ação em situações concretas de interação social.

A produção textual representa uma atividade dialógica, consciente, criativa, e interativa de indivíduos socialmente atuantes que coordenam suas ações para alcançar um fim social. Para Koch (2005), um texto se constitui no instante em que os parceiros de uma atividade comunicativa global se encontram diante de uma manifestação linguística pela atuação conjunta de uma complexa rede de fatores de ordem situacional, cognitiva, sociocultural, interacional e são capazes de construir para essa ação um determinado sentido. Assim, o sentido não está no texto, mas se constrói a partir dele no curso de uma interação.

Enquanto polifônico, o texto é fruto de uma atividade comunicativa entre seres humanos e entre esses e outros seres simbólicos desde que se estabeleça entre eles um processo de interação e de diálogo. O autor do texto, mesmo estando sozinho ao construí-lo (no caso escrito), está dialogando com diversas vozes de autores e personagens de experiências socioculturais, imaginativas etc. com os quais compartilhou significados. O autor de textos escritos e falados é capaz de reconstruir, destruir, questionar, criticar, concordar com saberes previamente adquiridos e a partir deles pode criar um saber novo e expressar em seu texto.

Assim, o texto consiste em um ponto de chegada para uns e de partida para outros. Ele representa caminho, possibilidade de aprendizado para seres humanos que estão desejosos por aprender. Este poder é encontrado tanto no texto escrito quanto no falado, já que, segundo Marcuschi (apud, KOCH, 2005), as diferenças entre fala e escrita só acontecem dentro do contínuo tipológico das práticas sociais e não na relação dicotômica de dois polos opostos. Segundo esses linguístas, os textos orais e escritos têm igual valor para o desenvolvimento humano.

Como afirmam os estudiosos da linguística, o texto não é apenas construção verbal falada ou escrita. Outras construções humanas expressas através da linguagem também são textos. Segundo Costa Val (2004),o texto pode ser definido como qualquer produção linguística escrita ou falada, de qualquer tamanho, desde que possa fazer sentido numa situação de comunicação.

Deste modo, essa autora coloca em questão uma antiga perspectiva de texto como sendo algo formal, logicamente encadeado e dotado de sentido. Para Costa Val, o uso de signos, símbolos ou mesmo expressões verbais isoladas, soltas (fora de uma frase gramaticalmente construída) pode ser considerado como texto desde que produza sentido para as pessoas envolvidas no ato comunicativo.

Em sua obra “Texto, textualidade e textualização” de 2004, Costa Val traz como exemplos expressões comumente faladas por crianças pequenas que ainda não sabem usar “corretamente” a língua, mas que conseguem se comunicar com sua mãe, construindo textos através de expressões sonoras (que ainda não são consideradas palavras usuais da língua) e gestos que têm sentidos para a criança e para a mãe. Assim, diz essa autora: “[...] o sentido não está no texto, não é dado pelo texto, mas é produzido por locutor e alocutário a cada interação, a cada „acontecimento‟ de uso da língua” (COSTA VAL, 2004, p. 1).

Com as considerações acima, a linguista não está dizendo que os critérios de textualidade que contribuem para a construção de sentidos no ato comunicativo devam ser desconsiderados. Ao estudar algumas obras sobre o tema, encontrei referências sobre os fatores constitutivos da textualidade12 como: coerência, coesão, intencionalidade, aceitabilidade, situacionalidade, informatividade e intertextualidade. O cuidado com esses fatores pode determinar uma melhor ou pior possibilidade de interação e de diálogo do texto com o seu leitor e o ouvinte.

12 “Podemos definir melhor textualidade como um princípio geral que faz parte do conhecimento

textual dos falantes e que os leva a aplicar a todas as produções linguísticas que falam, escrevem, ouvem ou leem um conjunto de fatores capazes de textualizar essas produções. Explicando melhor: não vamos entender a textualidade como algo que está nos textos, mas como um componente do saber linguístico das pessoas. As pessoas sabem que, para um conjunto de palavras constituir um texto, é preciso que esse conjunto pareça aos interlocutores um todo articulado e com sentido, pertinente e adequado à situação de interação em que ocorre. E, então, aplicam os fatores ou princípios de textualidade a todo conjunto de palavras com que se defrontam, buscando fazer com que essas palavras possam ser entendidas como um texto – compreensível, normal, com sentido” (COSTA VAL, 2004, p. 2).