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3 AÇÃO TRANSDISCIPLINAR DO DIÁLOGO NA FORMAÇÃO DO

3.5 Sentido dialógico do texto

Apresentam-se o homem absorvido pelo dever e pela empresa. Sim, é justamente a ele que me refiro, ele, na fábrica, na loja, no escritório, nas minas, no trator, na tipografia: o homem. Não estou à procura dos homens, não os escolho, eu aceito os que aí estão; é este que tenho em mente, este, atrelado ao serviço, o que move a roda, o condicionado. O diálogo não é um assunto de luxo intelectual e de luxúria intelectual, ele diz respeito à criação, à criatura; e o homem de quem falo, o homem, de quem falamos, é isto, é criatura, trivial e insubstituível.

Martin Buber, 1982

O sentido dialógico do texto diz respeito não apenas ao aspecto polifônico do discurso oral e escrito, mas das tessituras dialógicas compartilhadas entre indivíduos que são capazes de expressar em seus textos os significados e sentidos construídos a partir de outros textos. O texto é marcado pelas experiências e pelos posicionamentos filosóficos, religiosos, entre outros, do seu autor. A posição e o papel que o autor assume na vida e diante dela, ou melhor, a sua forma de ser e de se posicionar no mundo também influenciam ou determinam o seu texto.

Pensar no sentido dialógico do texto pressupõe refletir sobre a razão dialógica que possibilita uma articulação das diferentes vozes, saberes, sentimentos e interpretações que, de forma interacional, constituem um texto. Contudo, o discurso do falante ou do escritor, mesmo sendo polifônico, assume características peculiares desse ator social que, no ato comunicativo, faz uso da verbalização para expressar suas ideias, seus valores etc.. A razão dialógica possibilita a compreensão do caráter polifônico e dialético do texto. Essa compreensão facilita o diálogo entre pessoas que desejam compartilhar, refletir e mesmo transformar a sua percepção, o seu entendimento sobre um determinado tema ou contexto.

A razão dialógica, assim como a „Razão-Sentido‟, possibilitam a compreensão da complexidade da condição humana expressa em textos. Os textos artísticos, entre outros, expressam a condição humana através de uma linguagem ambígua e polissêmica, necessitam do uso dessa razão para serem compreendidos por abordar a complexidade humana da qual a ambiguidade faz parte. Os textos se constituem retratos do que nós somos enquanto seres humanos no momento sócio-histórico- cultural em que são escritos, sendo que alguns conseguem compreender e expressar a condição humana de forma que transcendem a demissão temporal.

Pessanha (1994) diz que através da razão dialógica o indivíduo se percebe como um ser em processo de humanização e, por isso, envolto em ambiguidades, conflitos, polaridades. Sobre essa questão, diz Pessanha (1994, p. 72): “Estou no reino da ambiguidade onde todos onde meus signos são carregados de concretude, e também de múltiplas significações”.

Será que texto falado expressa melhor a condição humana? Diversos estudiosos afirmam que tudo que é caracteristicamente humano depende da fala. Na Grécia Clássica, o discurso oral era a forma mais rica de utilizar a linguagem para a formação do cidadão. Os clássicos gregos utilizavam a razão discursiva de forma dialógica para educar e para ajudar o indivíduo a refletir sobre “si mesmo”, sobre o mundo e sobre o ser humano no mundo e com o mundo. Ou seja, sobre o ser humano e suas relações com ele mesmo, com o outro, com o mundo, com o conhecimento, com a „verdade‟ etc. Para tanto, o método utilizado por Sócrates (1987) era o diálogo ou, como chamou Pessanha (1987), a „ Dialogação Socrática‟. E, atualmente, será que os educadores estão preparados para usar o diálogo e a leitura dialógica como instrumento de formação dos educandos?

Penso que a compreensão do valor do texto oral nas práticas pedagógicas pode possibilitar um repensar das práticas e dos valores que, por estarem influenciados pela razão moderna, são, geralmente, monológicos e embasados nos textos escritos. Entretanto, mudar uma prática sociocultural e ideologicamente instituída pressupõe um comprometimento radical com a formação do educador e com práxis pedagógica que compreenda e adote a razão sensível. Para tanto, pesquisas rigorosas necessitam ser realizadas sobre essa abordagem na formação do educador.

Esse repensar inclui perceber e avaliar a forma de utilizar o texto. A percepção sensível dos processos de educar, que muitas vezes é desconsiderada, poderá contribuir para a compreensão dos textos e instigar diálogos. Sobre o uso da sensibilidade na educação, ver Araújo (2008). Segundo esse educador, a força dionisíaca da sensibilidade com suas pulsões exuberantes, mobilizadoras, criadoras e contraditórias faz mover e comover.

Essa força instiga e desconcerta porque gera tensão e conflito. Ela pode, inclusive, desconstruir pressupostos da educação do tipo bancária, como diz Freire (2004). Talvez por não terem sido preparados para lidar com toda essa potência

criadora, destruidora, muitos educadores dizem que essa força é negativa, que gera indisciplina e bagunça em sala. Assim, alicerçados na lógica linear, calculista, reprimem esse estado ontologicamente constitutivo da condição humana.

Cabe ressaltar que indisciplina em sala de aula e tensão criativa dialógica são coisas diferentes. Na primeira situação, os educandos estão dispersos chegando algumas vezes a desrespeitar o colega que gostaria de aprender e o professor que deseja possibilitar o aprendizado. Na segunda situação, as conversas eufóricas e inquietações são decorrentes do estado dionisíaco da efervescência criadora.

A organização escolar que atende a lógica calculista e reducionista quer subjugar, homogeneizar, padronizar e fazer do ser humano “aquilo” que segue, passivamente, uma ideologia dominante. Essa organização institui ideias e métodos que inibem ou reprimem as manifestações das afecções (na perspectiva de Espinosa) dos seres humanos. Entretanto, a sensibilidade é constituinte da condição humana e como tal encontra caminhos para se manifestar. E agora, o que fazer se as forças do nosso mundo sensível/emocional/afetivo não são reconhecidas por parte das nossas instituições sociais como parte integrante do humano? Se não reconhecemos, não sabemos como lidar com elas. No entanto, elas estão em nós. E agora, o que fazer? Será que a educação para a eco-con-vivência pode ser uma alternativa para essa questão?

Para Bakhtin (2004), o texto poético faz ascender a sensibilidade. Penso que os textos literários, no seu conjunto de expressões, desempenham este papel. A questão é: Que lugar esses textos ocupam na educação, de que forma e como são apresentados? Será que o professor foi sensibilizado para repensar o sensível nele mesmo e nos seus educandos? Será que o professor reconhece o mundo sensível como parte integrante e interdependente do ser humano?

O resgate do poder do texto oral, dialógico que, segundo Pessanha (1994), é originário da condição humana e da dialogia que o acompanha desde a remota tradição dos guerreiros, poderá provocar a sensibilização dos educadores para essa questão. Nas palavras desse pensador:

A dialogia, na verdade, se constrói a partir dessa recuadíssima e remota tradição em que guerreiros discutiam o que fazer como comportar, como dividir as suas presas, como superar o seu butim. Porque ai é um plano de discussão e um plano igualitário. [...] A noção de isonomia, a noção de isegoria tem a ver no fundo com uma metáfora que é de praça, de local, de campo, onde guerreiros se reuniam para, em pé de igualdade, discutirem. (PESSANHA, 1994, p. 86).

A dialogia pode ser compreendida como o princípio originário da democracia, da participação, da formação de uma sociedade humana onde as diferenças individuais não impossibilitam o diálogo entre seres humanos de uma mesma comunidade que, juntos, buscam soluções para problemas comuns. A experiência dos guerreiros, descrita por Pessanha (1994), demonstra esta possibilidade que no mundo atual está esquecida, mas tentando ser despertada por alguns educadores. Conhecer, refletir e praticar a dialogia e a reunião de pessoas que possam conversar dialogicamente e encontrar possibilidades éticas para as questões sociais podem ser um caminho para as nossas instituições e para a nossa sociedade.