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CAPÍTULO III: PATATIVA DO ASSARÉ – REPRESENTANTE DA

3.2 A Opção pelos Pobres na Teologia Latino-Americana e

3.2.4 A leitura popular da Bíblia

Não basta portanto, querer repetir modelos e métodos teológicos usados no passado: a teologia é uma reflexão atual acerca da fé apresentada ao ser humano completo, concreto e, assim, cada Igreja local, cada lugar, cada cultura irá requerer uma expressão teológica diferente. No caso de Nossa América, a Teologia da Libertação. Nós na Teologia da Libertação fomos embalados por essa linda passagem do livro do Deuteronômio: “Hoje tomo

o céu e a terra como testemunhas contra vós: eu te propus a vida ou a morte, a bênção ou a maldição. Escolhe, pois, a vida, para que vivas tu e a tua descendência...” (Dt 30,19).

E podemos relembrar então aquela interpelação do ancião do Apocalipse: “Estes, que

estão vestidos com túnicas brancas, quem são e de onde vieram? Respondi: ‘Tu é que sabes, meu Senhor’. Ele então me disse: ‘Estes são os que vieram da grande tribulação. Lavaram e branquearam suas vestes no sangue do Cordeiro...E Deus enxugará toda a lágrima de seus olhos’” (Ap 7,13-14.17b).

198FRANCISCO. Exortação Apostólica Evangelii Gaudium – A Alegria do Evangelho – sobre o anúncio do

Rafael Rodrigues da Silva199 nos diz que é difícil falar da leitura da Bíblia sem se

referir a Leitura Popular da Bíblia instaurada por Frei Carlos Mesters e o CEBI (Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos):

A raiz deste novo modelo de Igreja está na certeza de que Deus vive e se revela no mundo dos pobres e nas suas lutas por libertação. Por isso, “o credo dos pobres” não consiste tanto em afirmar que Deus existe, mas sim proclamar com a vida que Deus caminha nos passos do povo, que Deus luta nas batalhas cotidianas dos humildes. Daí vemos que a Igreja dos pobres procura discernir entre o Deus verdadeiro e os falsos deuses. Portanto, a questão não é dizer que cremos em Deus, mas dizer em qual Deus cremos. A força do vento que carrega este barquinho eclesial é que o Deus da Bíblia toma partido em favor dos oprimidos. Esta constatação está presente em toda a Bíblia e se tornou motor, força e luz para descobrir a presença de Deus hoje.

[...] Nas décadas de 1970 a 1990 vimos florescer aos poucos a Leitura da Bíblia a partir do povo, tanto nas academias de teologia, nas Comunidades Eclesiais de Base e nos movimentos e pastorais sociais.

Frei Carlos Mesters, qual andarilho da Palavra e caixeiro-viajante divulgou o seu método de leitura da Bíblia a partir de três ângulos: Realidade – Texto – Comunidade. Sua leitura, apresentada como “Flor sem Defesa” em sua obra Por Trás das Palavras. Aliás, é uma obra fundamental sobre a leitura da Bíblia a partir do povo no processo do aggiornamento da Igreja e na tarefa de uma leitura ecumênica, militante e libertadora da Bíblia.

[...] A leitura da Bíblia feita pelos pobres nas suas comunidades se orienta pelos seguintes critérios: primeiro, os pobres levam para dentro da Bíblia os problemas da sua vida, ou seja, leem a Bíblia a partir de sua realidade e luta; segundo, fazem uma leitura obediente e respeitam o texto, pois se colocam à escuta do que Deus tem a dizer; e, terceiro, é uma leitura feita em comunidade, pois representa um ato de fé, uma prática orante e uma atividade comunitária.

Mercedes Lopes200 nos diz que a leitura popular da Bíblia feita nas comunidades da

América Latina é uma novidade por sua ligação entre a fé e a vida cotidiana. Surgiu nas comunidades eclesiais de base, possibilitando aos pobres fazer sua própria experiência de Deus:

Ali, a Palavra de Deus foi ligada à realidade do povo, tornando-se portadora de uma promessa de vida nova. O movimento foi como uma semente que, lançada na boa terra, cresceu na coesão dos grupos e na busca conjunta de soluções vitais. A realidade, o texto bíblico e as comunidades foram as estacas que ajudaram a planta a firmar-se. Então as flores se abriram: a

199SILVA, Rafael Rodrigues da. A leitura da Bíblia e a teologia da libertação. In: AUGUSTO, Adailton

Maciel (Org.). Teologia da Libertação no Brasil – História, Memória e Utopia. Piracicaba: Biscalchin Editor, 2015, p. 191 – 195.

200LOPES, Mercedes. Semente de esperança – a leitura popular da Bíblia nas Comunidades da América

Bíblia está sendo reapropriada pelos pobres, surgiram as hermenêuticas de gênero, negras, indígenas e a busca de novas masculinidades.

[...] A leitura da Bíblia ligada à realidade e o compromisso de lutar para modificar as situações injustas, gera relações de amizade e companheirismo. São essas relações de proximidade e cumplicidade que ajudam as CEBs a fazer uma experiência de Deus próximo, que escuta o grito dos pobres, que caminha com seu povo oprimido.

Ao elencarem alguns critérios e o método da leitura popular da Bíblia, Carlos Mesters e Francisco Orofino201, destacam:

1. A Bíblia é reconhecida e acolhida pelo povo como Palavra de Deus. Esta fé já existia antes da chegada do que se convencionou chamar leitura

popular. É nesta raiz antiga que se enxerta todo o nosso trabalho com a Bíblia junto do povo. Sem esta fé, todo o método teria de ser diferente. “Não és tu que sustentas a raiz, mas a raiz sustenta a ti” (Rm 11, 18).

2. Ao ler a Bíblia, o povo das Comunidades traz consigo a sua própria história e tem nos olhos os problemas que vêm da realidade dura da sua vida. A Bíblia aparece como um espelho, “sím-bolo” (Hb 9, 9; 11, 19), daquilo que ele mesmo vive. Estabelece-se uma ligação profunda entre Bíblia e vida que, às vezes pode dar a impressão de um concordismo superficial. Na realidade, é uma leitura de fé muito semelhante à que faziam as primeiras comunidades (cf. At 1, 16-20; 2, 29-35; 4, 24-31) e os Santos Padres.

3. A partir desta ligação entre Bíblia e vida, os pobres fazem a descoberta, a

maior de todas: “Se Deus esteve com aquele povo no passado, então Ele está

também conosco nesta luta que fazemos para nos libertar. Ele escuta também o nosso clamor!” (cf. Ex 2, 24; 3, 7). Nasce, assim, imperceptivelmente, uma nova experiência de Deus e da vida que se torna o critério mais determinante da leitura popular e que menos aparece nas suas explicitações e interpretações. Pois o olhar não se enxerga a si mesmo.