• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO II: PATATIVA DO ASSARÉ POR INSPIRAÇÃO DIVINA,

2.2 O encontro com o Povo: a luta pela libertação ou exercício de fé do

2.2.1 O ninho do poeta: o sertão

103Informações obtidas na Fundação Patativa do Assaré / Memorial Patativa do Assaré, situada na rua Francisco

Gomes, 82, Centro, Assaré – CE. Correio eletrônico: fundação.patativa@gmail.com. Durante a segunda visita à cidade de Assaré, no dia 31 de abril de 2014.

104

Para melhor compreender o mundo de Patativa do Assaré é necessário situá-lo no seu lugar natural: o sertão. É o sertão que lhe inspira e lhe insere uma identidade. É no sertão que ele encontrará consigo e com o povo. Patativa tinha uma consciência muito forte do papel social de sua poesia. Escrevia para ser compreendido pelos serranos (da Serra de Santana), pelos matutos e pelos de mão grossa, incluído aí o contingente grande das mulheres sertanejas que trabalham na roça. Ele era sensível às dores dos excluídos. Era intérprete e porta-voz.

Sendo assim, Patativa do Assaré105 irá fazer em seu poema O Retrato do Sertão, um

panorama do que vivia no dia a dia:

Sou sertanejo e me orgulho Por conhecer o sertão

Durmo na rede e me embrulho Com um lençol de algodão. De alpercata de rabicho, Sofrendo a vida penosa Do trabalho do roçado E por isso sou chamado Poeta de mão calosa. Da mais cruel desventura Conheço o amargo sabor, Pois vivo da agricultura, Sou poeta agricultor. Eu sei com toda certeza Como é que vive a pobreza Do sertão do Ceará, A sua manutenção É almoço de feijão E a janta de mugunzá. Sou sertanejo e conheço Meu sertão em carne e osso, Trabalho muito e padeço Com a canga no pescoço, E trago no pensamento Meu irmão do sofrimento Que, no duro padecer, Levando o peso da cruz, É quem trabalha e produz Para a cidade comer. Eu não ignoro nada Deste sertão sofredor Que puxa o cabo da enxada Sem arado e sem trator. Pobre sertão esquecido

105ASSARÉ, Patativa do. Cante lá que eu Canto cá – filosofia de um trovador nordestino. 16.ed. Petrópolis:

Que já tá desiludido E não acredita mais Nas promessas e nos tratos E juras de candidatos Nas festas eleitorais.

Segundo Plácido Cidade Nuvens106:

Acrescente-se a isto que Patativa do Assaré nasceu e viveu sempre no sertão, dele se afastando apenas em breves revoadas aos núcleos litorâneos hegemônicos para rápidos contatos. [...] Sua vida tem sido viver o sertão. [...] Patativa descreve o sertão, com precisão e riqueza de detalhes, também como partícipe da vida atribulada do sertanejo, conferindo assim a tonalidade impressionante do quotidiano.

[...] O homem sertanejo, como entendia Euclides da Cunha, é antes de tudo um forte. Patativa descreve esta fortaleza de espírito, capaz de superar a vida apertada, o lado conjuntural da lida camponesa, o dia a dia extenuante, marcado pela falta de gêneros alimentícios, “sem feijão na lata”, ainda na metade do ano. Sem crédito e sem assistência, sem ter onde comprar fiado e ter que pagar imposto. O sertanejo tem fortaleza, como diz Patativa, para entender a sina tirana, o lado estrutural, a organização política e social de uma sociedade que exclui dos benefícios do progresso e da cultura que produz para sustentar a cidade. O camponês de Patativa tem consciência que é a classe matuta, a classe que não desfruta das riquezas do Brasil.

Luiz Tadeu Feitosa107 afirma que o campo era para Patativa o espaço da experiência,

do conhecimento e da sobrevivência do ser humano e do mito. O campo é o espaço e o tempo onde se constroem os sentidos. No campo ele nasceu, brincou imitando a vida e cresceu. O campo para Patativa do Assaré era a sua própria identidade108:

Repare que a minha vida É deferente da sua. A sua rima pulida Nasceu no salão da rua. Já eu sou bem deferente, Meu verso é como a simente Que nasce inriba do chão, Não tenho estudo nem arte, A minha rima faz parte Das obra da criação. Mas porém, eu não invejo O grande tesôro seu, Os livros do seu colejo,

106

NUVENS, Plácido Cidade. Patativa e o Universo Fascinante do Sertão. Fortaleza: Universidade de Fortaleza, 1995, p. 36-37; 73.

107FEITOSA, Luiz Tadeu. Patativa do Assaré – a trajetória de um canto. São Paulo: Escrituras, 2003, p. 95. 108

Onde você aprendeu. Pra gente aqui sê poeta E fazê rima compreta, Não precisa professô. Basta vê, no mês de maio, Um poema em cada gaio E um verso em cada fulô

O sertão é o chão do povo e do poeta. No poema Eu e o Sertão109, o poeta mostra o

contexto em que está inserido socialmente e onde germina a sua poesia:

Sertão, arguém te cantô, Eu sempre tenho cantado E ainda cantando tô, Pruquê, meu torrão amado, Mundo te prezo, te quero E vejo qui os teus mistero Ninguém sabe decifrá. A tua beleza é tanta, Qui o poeta canta, canta, E inda fica o qui cantá. [...] Inquanto lendo seguia Aquela boa senhora, De quando in vez repetia Bonita jaculatóra; Todo povo acumpanhava E quando a mesma rezava Padre-Nosso e Ave-Maria, De contrição todas cheia, Com sua voz de sereia, As caboca respondia: - Neste mês de alegria, Tão lindro mês de frô, Queremo de Maria Celebrá o seu louvo. – Sertão amigo, eu tô vendo Que os teus novo camponês, Hoje ainda tão fazendo Aquilo que os veio fez. Que doce felicidade Eu gozei na mocidade, Nesta santa ingorfação! Quando se acabava maio, Já começava os insaio Do santo mês de S. João.

109ASSARÉ, Patativa do. Cante lá que eu Canto cá – filosofia de um trovador nordestino. 16.ed. Petrópolis: