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CAPÍTULO III: PATATIVA DO ASSARÉ – REPRESENTANTE DA

3.1 A refundação de uma utopia: Opção pelos Pobres

3.1.5 A pobreza da Igreja

3.1.5.4 O Documento de Aparecida

177CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO (4.: 1992: Santo Domingo). Santo

Domingo – Conclusões. 11.ed. São Paulo: Loyola, 1997, p. 140: “Evangelizar é fazer o que Jesus Cristo fez,

quando mostrou na sinagoga que veio para “evangelizar” os pobres (cf. Lc 4,18-19). Ele “se fez pobre, embora fosse rico, para nos enriquecer com sua pobreza” (2Cor 8,9). Ele nos desafia a dar testemunho autêntico de pobreza evangélica em nosso estilo de vida e em nossas estruturas eclesiais, tal qual Ele fez. Esta é a fundamentação que nos compromete numa opção evangélica e preferencial pelos pobres, firme e irrevogável, mas não exclusiva e nem excludente, tão solenemente afirmada nas Conferências de Medellín e Puebla. Sob a luz dessa opção preferencial, a exemplo de Jesus, nos inspiramos para toda ação evangelizadora comunitária e pessoal. Com o “potencial evangelizador dos pobres”, a Igreja pobre quer impulsionar a evangelização de nossas comunidades”.

178DOMEZI, Maria Cecília. O Concílio Vaticano II e os Pobres. São Paulo: Paulus, 2014, p. 78.

179LIBANIO, João Batista. Conferências Gerais do Episcopado Latino-Americano – do Rio de Janeiro a

A opção pelos pobres terá uma vigorosa retomada com a Conferência de Aparecida (2007), no Brasil, e com ela a tradição eclesial latino-americana e caribenha, ganharia um novo fôlego.

Havia se passado 15 anos desde Santo Domingo e se fazia necessário que a Igreja latino-americana e caribenha realizasse um esforço de discernimento eclesial para compreender a nova situação continental e oferecer orientações para os desafios pastorais que se apresentavam.

José Oscar Beozzo180 nos diz que quando o CELAM – Conselho Episcopal Latino-

Americano propôs a realização de uma V Conferência Geral do Episcopado Latino- americano, o Secretário de Estado, Cardeal Angelo Sodano, levantou entraves a esta solicitação. Alegou, na onda da crescente centralização eclesiástica, que não devia mais haver

Conferências, mas sim Sínodos; e não na América Latina, mas sim em Roma, como acontecia com o restante da Igreja. Desde Medellín, as Conferências gerais do episcopado latino- americano e caribenho vinham sendo deliberativas e não apenas consultivas, como os Sínodos. O Papa João Paulo II decidiu que seria seguida a tradição latino-americana das anteriores Conferências. Em 2005, morre o Papa João Paulo II, assume o Papa Bento XVI e este decide, para surpresa geral, que a V Conferência aconteceria em Aparecida, no Brasil.

Em seu discurso inaugural, embora não tenha havido referências nominais aos mártires, às comunidades eclesiais de base, não houve condenações nem críticas à Teologia da Libertação, não foi centrado em temas morais ou nas seitas; faltou um pronunciamento profético em defesa da ecologia, a partir da situação amazônica; contudo, o Papa Bento XVI181 irá colocar a opção pelos pobres no coração da própria compreensão do Cristo e da

nossa fé:

A fé nos liberta do isolamento do eu, porque nos leva à comunhão: o encontro com Deus é, em si mesmo e como tal, encontro com os irmãos, um ato de convocação, de unificação, de responsabilidade para com o outro e para com os demais. Neste sentido, a opção preferencial pelos pobres está implícita na fé cristológica naquele Deus que se fez pobre por nós, para enriquecer-nos com sua pobreza (cf. 2Cor 8,9).

180BEOZZO, José Oscar. O êxito das teologias da libertação e as teologias americanas contemporâneas. São

Leopoldo: UNISINOS, 2015, p. 53.

181 BENTO XVI. Discurso inaugural da V Conferência. Aparecida, 13/05/2007, in: DOCUMENTO DE

APARECIDA – Texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe. Brasília: Edições CNBB; São Paulo: Paulus e Paulinas, 2013, p. 255.

José Oscar Beozzo182 categoricamente afirma, a partir de Aparecida:

A opção pelos pobres e por sua libertação, que poderia parecer um caminho apenas da Igreja latino-americana, foi-se convertendo numa patrimônio de toda a Igreja, assumido cada vez mais por outras Igrejas particulares, católicas ou protestantes, e também pelo magistério pontifício.

O Documento de Aparecida183 nos números 128, 396, 397, 398 e 399 reafirma a opção

pelos pobres:

Reconhecemos o dom da vitalidade da Igreja que peregrina na América Latina e no Caribe, sua opção pelos pobres.

[...] Comprometemo-nos a trabalhar para que a nossa Igreja Latino- americana e Caribenha continue sendo, com maior afinco, companheira de caminho de nossos irmãos mais pobres, inclusive até o martírio. Hoje queremos ratificar e potencializar a opção preferencial pelos pobres feita nas Conferências anteriores. Que seja preferencial implica que deva atravessar todas as nossas estruturas e prioridades pastorais. A Igreja latino-americana é chamada a ser sacramento de amor, solidariedade e justiça entre nossos povos.

[...] Nesta época, costuma acontecer que defendemos de forma demasiada nossos espaços de privacidade e lazer, e nos deixamos contagiar facilmente pelo consumismo individualista. Por isso, nossa opção pelos pobres corre o risco de ficar em plano teórico ou meramente emotivo, sem verdadeira incidência em nossos comportamentos e em nossas decisões. É necessária uma atitude permanente que se manifeste em opções e gestos concretos e evite toda atitude paternalista. Solicita-se dedicarmos tempo aos pobres, prestar a eles amável atenção, escutá-los com interesse, acompanha-los nos momentos difíceis, escolhê-los para compartilhar horas, semanas ou anos de nossa vida, e procurando, a partir deles, a transformação de sua situação. [...] A opção pelos pobres deve conduzir-nos à amizade com os pobres. Dia a dia os pobres se fazem sujeitos da evangelização e da promoção humana integral: educam seus filhos na fé, vivem constante solidariedade entre parentes e vizinhos, procuram constantemente a Deus e dão vida ao peregrinar da Igreja. À luz do Evangelho reconhecemos sua imensa dignidade e seu valor sagrado aos olhos de Cristo, pobre como eles e excluído como eles. A partir dessa experiência cristã, compartilharemos com eles a defesa de seus direitos.

[...] Assumindo com nova força essa opção pelos pobres, manifestamos que todo processo evangelizador envolve a promoção humana e a autêntica libertação “sem a qual não é possível uma ordem justa na sociedade”.

182BEOZZO, José Oscar. Pacto das Catacumbas – por uma Igreja Servidora e Pobre. São Paulo: Paulinas,

2015, p. 19.

183 DOCUMENTO DE APARECIDA – Texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-

Em Aparecida, a opção pelos pobres cresceu em força, fundamentação teológica, e em propostas de ação, foi ratificada e colocada em continuidade com Medellín e Puebla. A opção pelos pobres não ficou somente em palavras ou num plano emotivo.

Aparecida reconheceu ainda a eficácia do método Ver-Julgar-Agir.

Em Aparecida, a opção pelos pobres faz parte do conteúdo cristológico, fazendo-os sujeitos da evangelização e da promoção humana integral.

Contudo, João Batista Libanio184 diz que o fato da realização da Conferência merece

pontuação positiva, pois exprime, em momento de surto neoconservador e centralizador, um gesto colegial e de autonomia dos bispos latino-americanos e caribenhos. Aparecida conservará as aberturas da tradição de Medellín, porém modificou a maneira de compreendê- las. Pontos fortes da tradição de Medellín sofreram matizações. O termo libertação recebeu no documento final adjetivos como: cristã, autêntica, integral, de humanização, de reconciliação, e de inserção social. A única exceção se refere à libertação dos povos, pois não havia aí perigo de entendê-la como fazia a teologia da libertação em relação às estruturas econômicas, políticas, culturais, religiosas e eclesiais. Em relação à teologia da libertação, o consenso se traduziu em silêncio.

Em Aparecida, pode-se constatar que, ao menos verbalmente, se conservou a expressão “opção preferencial pelos pobres” por todo o documento, muitas vezes, usada textualmente; em outras vezes se omitiu o adjetivo “preferencial”, e noutras vezes se opôs o termo “evangélica”. Há claramente oposições contra ela. É uma opção que está ameaçada

fora e dentro da Igreja. Revela portanto o medo ainda reinante nos bispos enfraquecendo sua inspiração original brotada em Medellín.