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Trouxemos narrativas e resíduos de enunciação de encontros que trataram dos números figurados planos, especificamente relativos aos triangulares e aos quadrados, pois estes serviram de base (seja metodológica ou matemática) para construirmos a sequência de números tetraédricos. Contudo, lembramos que nosso foco está na construção dos números figurados tetraédricos, por isso, nas leituras que realizamos, discutimos os resíduos de enunciação relativos à construção desses números.

Devido a fatores de ordem burocrática relativos à aprovação, às inscrições e ao início do curso de extensão, cenário de nossa pesquisa, tivemos que adiar o início do curso. Vale ressaltar que mais de 20 (vinte) inscrições não foram concluídas devido a problemas de instabilidade do sistema operacional da página eletrônica do Ifes e que não pudemos resgatar essas possíveis inscrições tendo em vista as datas fixadas e publicadas em edital (007/2020 – Direx).

Esses fatores interferiram não apenas no início do curso, mas na dinâmica, pois tivemos um recesso de férias escolares por mais de 30 (trinta) dias, retornando às atividades no dia 26 de janeiro. Com isso, apesar de, no Ifes continuarmos o 2º semestre letivo de 2020 até abril de 2021, participantes, professores das redes públicas de ensino da Grande Vitória, iniciaram as atividades de outro ano letivo e, portanto, com mudanças de horários, turnos de trabalho e até mesmo escola. Esse fator temporal influenciou e interferiu na frequência de participantes. O número de presentes nas reuniões passou a variar.

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Fruto dessa leitura, entendemos que as atividades administrativas de uma escola são atividades meios e não atividades fins e, portanto, não deveriam interferir nas atividades de ensino. Entendemos que nenhuma atividade administrativa deva se sobrepor a uma atividade de ensino, até por pensarmos que no meio acadêmico não há verticalização, mas sim horizontalização nos cargos e atividades desenvolvidas, como apontado em Araujo e Chaves (2020).

Dentre os atores, participantes do curso, identificamos que havia alunos do 2º período do curso de licenciatura em Matemática do Ifes, bem como professores (efetivos ou contratados) das redes públicas de ensino, alguns com mais de uma graduação e com muita experiência de sala de aula. Isso, algumas vezes, foi um fator inibidor aos participantes mais novos, que calavam-se, optando pelo silêncio. Este silêncio só era rompido quando o professor os instigava a dar suas opiniões a respeito de algo que estava em discussão.

A tal respeito entendemos que o professor procurava romper o silêncio desses atores, por pautar-se na ideia linsiana de que:

O silêncio, o riso, a reprovação escolar, a excomunhão, a internação psiquiátrica, são algumas formas de se negar legitimidade a dados modos de produção de significado [...] A luta pelo controle de quais os modos de produção de significados legítimos é o próprio processo de determinação de horizontes culturais (as fronteiras). (LINS, 2012, p. 22, grifos do autor).

No caso, as fronteiras postas por Lins que identificamos foram relativas à experiência dos professores, o que possa ter causado o silêncio dos mais novos (alunos do 2º período).

Não pensamos, com isso, realizar uma leitura pela falta, mas sim uma constatação de que esses participantes, alunos de 2º período, consideram legítimos os modos de produção de significados dos professores – já formados – e dos alunos concluintes – alunos de 8º período ou mestrandos, o que nos leva à observação de que “Uma instituição é um fato, o fato de que umas tantas pessoas se comportam de uma certa maneira (consideram legítimos certos modos de produção de significado e operam segundo eles).” (LINS, 2012, p. 22).

Outra leitura global que fizemos, refere-se ao recurso didático quanto ao uso do MDP escolhido. As montagens envolvendo jujubas e palitos, não apenas pelo colorido, mas pela possibilidade de manipulação na construção, constatação e observação do que fora produzido – principalmente por tomarmos as tarefas de Luria (1990) como modelo –, levou os participantes

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a um grau de envolvimento que mereceu destaque. Inclusive os monitores também se envolveram e não só construíram os tetraedros de jujubas, mas passaram a postar fotos de suas produções no grupo de Whatsapp que criamos com participantes, monitores e professores. Esse processo levou os outros participantes a também postarem suas produções e, a partir desse momento, tornou-se usual as postagens do material produzido (tabelas, sólidos, figuras, desenhos, esquemas etc.), compartilhando com o grupo suas respectivas produções.

Esse nosso argumento pode ser observado a partir dos [RE58] e [RE117], bem como das figuras

22 e 37.

96 Fonte: Elaborado pelo autor (2021)

Outra leitura global que realizamos, refere-se ao momento de isolamento em que vivemos, devido à Covid-19, e que desencadeou em APNPs síncronas e assíncronas. Como nossa proposta de grupo sempre foi de utilizarmos materiais reaproveitáveis, concretos e, portanto, de manipulação, entendemos que perdemos muito dos processos de socialização, interação, cooperação e coletividade que sempre pautaram as oficinas, cursos e práticas educativas desenvolvidas pelo Gepemem.

Pela análise dos participantes e monitores, que (em sua maioria) atuaram em projetos do Pibid e Residência Pedagógica, entendemos que o tema, mesmo estando contemplado em documentos oficiais como a BNCC (BRASIL, 2018), os PNCs (BRASIL, 1998) e – segundo os professores participantes – nos componentes curriculares enviados pela Sedu, a proposta de se trabalhar com sequências de números figurados tetraédricos se encaixa melhor em processos de formação de professores e, quando envolvendo alunos de Ensino Médio, em projetos que se estendam além da carga horária usual (como, por exemplo, disciplinas eletivas da Sedu,

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Projetos de Iniciação Científica Juniores, cursos de extensão e oficinas etc.), pois na sala de aula, nos horários semanais habituais, entendemos, que – principalmente pela carga horária de trabalho do professor com pouquíssimo tempo para planejar – pode tornar-se um processo mais difícil de ser executado pela extensão, pala falta de pessoal envolvido e pela multiplicidade de conteúdos programáticos envolvidos, o que possivelmente acarretaria em transtorno no que se refere à continuidade de programas curriculares da série a serem cumpridos.

Provavelmente em turmas menores, ou em salas de aula de escolas federais (como, por exemplo, Ifes, Colégios de Aplicação de Universidades públicas e Colégio Pedro II) seja compatível ou ainda, tal como realizamos em um projeto de extensão, com professores de uma escola estadual da grande Vitória, na qual tínhamos 4 (quatro) horas de planejamento conjunto com os professores e usávamos 2 (duas) horas de aulas semanais – portanto, 40% das aulas de Matemática – envolvendo 10 (dez) monitores, sendo 1 para cada grupo de 4 alunos. Dessa forma, minimizamos o impacto na organização curricular do professor e na otimização das práticas desenvolvidas.

Nos resíduos de enunciação de [RE10] até [RE16] verificamos que os atores se envolveram com

a parte histórica. Queremos com isso dizer que as abordagens históricas que trouxemos (figuras de 11 a 14) os levaram à produção de significados e isso facilitou o processo de compartilhamento de espaços comunicativos. Ainda em relação a essa rodada de conversa, a partir da abordagem histórica, principalmente no que se refere ao entendimento de gnomons os atores desencadearam processos de produção de significados, associando a formação de gnomons com o uso de outros MDP ([RE17] até [RE20]). Fato que não havíamos pensado no

Projeto Pitágoras: historicamente os gnomons podem ser entendidos como MDP manipulativos.

Ao trazermos os slides (figura 17 e 18), relativos ao preenchimento dinâmico (com recurso de animação introduzindo linha por linha) da tabela de números quadrados, mais um diálogo ([RE21] até [RE30]) foi estabelecido, que gerou a possibilidade dos atores operarem não mais a

partir de MPS geométricos, mas sim de MPS aritmético que os levou, ao associarem as colunas de ordem (𝑛) e número quadrado (𝑓4(𝑛)) e, daí, ao entendimento algébrico de que

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O [RE28] do ator Mr. Magoo mostra que ele passou a operar algebricamente.

O mesmo desencadeamento a respeito do preenchimento de tabelas de números triangulares gerou um debate que os levou ao trânsito entre MPS aritmético e MPS algébrico ([RE35] até [RE37]) fazendo com que os mesmos parassem de operar geometricamente e passassem a operar

aritmeticamente e em seguida algebricamente, principalmente após trazermos a ideia de soma gaussiana.

Observamos que, quanto às discussões que envolviam abordagens matemáticas, dois professores efetivos da Sedu, que são orientandos do professor regente e um orientando deste professor em trabalho de monografia, eram os atores que mais interagiam, trazendo contribuições, realizando perguntas e fazendo comentários. Para nós ficou claro que esses três atores produziam legitimidade a dados modos de produção de significados, por onde operava o professor regente, pois como vimos, “[...] A luta pelo controle de quais os modos de produção de significados legítimos é o próprio processo de determinação de horizontes culturais (as fronteiras).” (LINS, 2012, p. 22, grifos do autor). Mas um questionamento ficou para analisarmos em momentos futuros, talvez em um próximo artigo a ser publicado:

(i) Será que o grau de participação desses atores era fruto do envolvimento com o professor (serem seus orientandos), ou será que o fato de – pelo menos aparentemente – gostarem mais da parte matemática das práticas educativas desenvolvidas os levava a compartilharem esses espaços comunicativos?

(ii) Será que o grau de participação desses atores era fruto do envolvimento com o referencial teórico adotado – no caso com o uso do MCS para análise das enunciações – e os levava a compartilharem esses espaços comunicativos?

(iii) Será que havia alguma convergência do tema com suas respectivas pesquisas, o que os levou a compartilharem um espaço comunicativo?

Como dissemos, essas são análises que – devido ao tempo para conclusão de nosso trabalho – deixaremos para épocas futuras.

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Ao analisarmos os resíduos de enunciação de [RE48] a [RE63], verificamos que houve uma

migração de núcleos e, portanto, os atores passaram a operar a partir de outros MPS, abandonando o MPS geométrico e fixando-se ao MPS aritmético com vistas a chegar ao termo geral (MPS algébrico). Vale relembramos que um “[...] núcleo de um campo semântico é constituído por estipulações locais.” (LINS, 2012, p. 26) e estipulações locais “[...] são localmente, verdades absolutas, que não requerem localmente justificação.” (LINS, 2012, p. 26).

Um núcleo pode ser constituído por um diagrama, por um desenho, por uma balança, por um conjunto de princípios (axiomas, por exemplo), por uma situação “realista” ou ficcional. O que importa é que é em relação aos objetos do núcleo que vai ser produzido significado, seja para que texto for. (LINS; GIMÉNEZ, 1997, p. 144, grifos

dos autores).

Ao preencherem as respectivas tabelas relativas aos tetraédricos (figuras 25 a 29) os objetos ((i) tabela; (ii) gnomons; (iii) números triangulares; (iv) TP; (v) diagonais de números binomiais; ordem; (vi) sequência de números tetraédricos) passaram a constituir um núcleo que denominamos de “tabela”. Quando o professor (figura 29) convida os participantes a lerem linha por linha e procurarem associar cada ordem aos respectivos numeradores e denominadores dos números binomiais, houve um trânsito do MPS aritmético para o MPS algébrico e um novo núcleo se formou, que denominamos de “termos gerais”. Neste novo núcleo, os objetos que identificamos foram:

(i) (𝑛 − 1𝑛 ) sendo a ordem;

(ii) (𝑛 + 1

𝑛 − 1) sendo o gnomon relativo à ordem;

(iii) cada gnomon é um número triangular;

(iv) (𝑛 + 1

𝑛 − 1) sendo o termo geral de um número tetraédrico de ordem 𝑛.

No que se refere aos resíduos de enunciação de [RE87] a [RE100], verificamos que, a partir das

figuras 27 e 28, os participantes produziram significados para as relações entre TP, números binomiais e sequências relativas à ordem, à distribuição gnomônica e aos números tetraédricos,

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tanto que, para chegar a fórmula do termo geral, como apresentada na figura 29, não houve nenhuma processo de estranhamento ou algum limite epistemológico posto em curso.

Depois desse diálogo (de [RE87] a [RE100]), como já afirmamos anteriormente, foram

organizadas as relações contidas nas linhas (figura 28) levando em conta à ordem, para favorecer uma visualização e possibilitar que os participantes viessem a produzir significados quanto ao uso da recursividade (figuras 28 e 29). Essa preocupação, à luz do MCS, denominamos de processo de descentramento, um processo na qual o autor (quem fala) procura mudar de centro, tenta ir em direção aonde o outro (leitor) está (VIOLA DOS SANTOS; LINS, 2016).

O processo de descentramento de alguma forma vai ao encontro de outro processo, que no MCS denominamos de estranhamento, caracterizado quando, de um lado “[...] aquele para quem uma coisa é natural – ainda que estranha – e de outro aquele para quem aquilo [que é dito pelo primeiro] não pode ser dito (apud LINS, 2004, p. 116).” (OLIVEIRA, 2012, p. 200).

A reorganização em tabela (figura 28) então, podemos dizer que foi um recurso didático, empregado a partir de um processo de descentramento, com o propósito de que um processo de estranhamento fosse instaurado, para evitar o surgimento de limites epistemológicos (impossibilidades de produção de significados para uma dada enunciação em determinado campo semântico, esse processo pode desencadear o que chamamos de impermeabilização, quando se cria uma “barreira”, não permitindo avançar em outra direção, consequentemente, não produz novos significados (LINS, 1993; SILVA, 2012)).

No que se refere aos resíduos de enunciação de [RE190] a [RE206], identificamos a importância

de um professor não abandonar campos semânticos da qual os alunos operavam. Revisitar essas formas de operar podem auxiliar em estabelecer um trânsito entre o dado e o novo, estando na forma de operar a partir daquele campo semântico uma possível justificação que seria o elo de ligação entre o dado e o novo.

Vale ressaltar que, segundo Silva (2003), o dado, a justificação e o novo são as três grandes categorias em um processo de produção de significados.

101 [...] ao longo da justificação, a fala vai deixando os traços do que é dado para o sujeito naquele momento. E estes traços são de suma importância para o nosso entendimento da maneira de operar desse sujeito. Porque o dado é o que nos diz onde ele [sujeito] está e a partir de que ‘lugar’ ele está falando. (SILVA, 2003, p. 57, grifos do autor).

[...]

A justificação é o que garante – para o sujeito do conhecimento – que ele pode enunciar aquela crença-afirmação. [...] Justificações estabelecem um vínculo entre

crenças-afirmações e núcleos. (LINS; GIMÉNEZ, 1997, p. 142-144, grifos dos autores).

[...]

O papel da justificação é produzir legitimidade para minha enunciação.” (LINS, 1999, p. 88).

[...]

[...] a justificação tem o importante papel de ser o elo de ligação entre o novo e o dado. É a partir dela que ocorre o processo aonde o novo vai se transformando em dado frente a novas situações. (SILVA, 2003, p. 57, ipsis litteris).

A palavra-chave é ‘falar’ [...] a fala da pessoa que resolve um problema tende a explicitar o ‘novo’ e a silenciar o ‘dado’. Dessa forma, enquanto resolvemos um problema, ‘falamos’ as coisas que estamos tentando entender ou descobrir, mas silenciamos as coisas que tomamos como certas, como dadas.” (LINS; GIMÉNEZ, 1997, p. 122, grifos dos autores).

Nos item seguinte, das leituras locais, utilizaremos essas ideias para refinarmos nossas leituras.

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