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1. A ARTE DE CONTAR HISTÓRIAS E LETRAMENTO LITERÁRIO

1.3 O LETRAMENTO LITERÁRIO

O letramento literário e seu ensino e apropriação são objetos complexos, multifacetados, que exigem dos pesquisadores muita investigação e demandam formulações teóricas diversas. A formação de leitores literários no Brasil tem sido alvo de várias críticas, discussões, campanhas e pesquisas, a fim de identificar os percalços, entender situações problemáticas, propor mudanças e soluções. Da mesma forma que as teorias que explicam ou descrevem o fenômeno da leitura e dos letramentos em geral, as propostas de solução para o problema da apropriação do letramento literário também são diversas e apontam diferentes caminhos para o ensino.

Para compreendermos melhor o fenômeno da leitura, as práticas letradas envolvidas na formação do leitor literário, podemos tomar como base o Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional (INAF5), iniciativa do Instituto Paulo Montenegro – Ação Social, do IBOPE e da ONG Ação Educativa, que teve como objetivo informar ao público de maneira qualificada sobre as práticas e

5 Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional. A pesquisadora está ciente das críticas

endereçadas ao INAF, a sua formulação e aplicação. Ainda assim, os resultados por ele publicados mapeiam, de certa forma, as práticas de leitura no Brasil, sendo consistentes com outros Índices e medidas que já foram aplicados, como as provas do SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica) e ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), por exemplo, ou com a recente pesquisa do PNLL (Programa Nacional do Livro e da Leitura, 2008) denominada “Retratos da Leitura”. Pela falta de outro Indicador validado e publicado que melhor mostrasse a realidade brasileira, esta pesquisa se valeu do questionário do INAF para compor o questionário aplicado nesta dissertação.

habilidades leitoras, de escrita e de matemática da população brasileira. Os dados comentados foram coletados em 2001 – e, sucessivamente, a cada dois anos para leitura e escrita –, numa amostragem de 2 mil pessoas, representativa da população de 15 a 64 anos, residentes em zonas urbanas e rurais, em diversos pontos do país (ver RIBEIRO, 2003).

Houve um interesse social muito grande por esse Indicador, já que ele apontou informações que podem de fato ajudar na compreensão e enfrentamento do problema da formação de leitores. Esse Indicador respondeu perguntas tais como: O que os brasileiros sabem ou não sobre leitura? O que lêem ou não? Em quais contextos essas habilidades são exigidas e de que forma? Onde vivem e/ou trabalham as pessoas que lêem? Qual seu nível de escolaridade, nível sócio-econômico e de acesso à informação e cultura? Com as informações obtidas foi traçado um perfil da leitura no Brasil, melhorando a compreensão dos letramentos, detectando problemas relacionados a questões sociais como a má distribuição de renda, falhas na escolarização, falta de bibliotecas e de acesso às tecnologias digitais, falta de recursos materiais e humanos de qualidade nas escolas, entre outros (RIBEIRO, 2003).

O INAF adotou uma perspectiva que segundo Ribeiro (2003, p. 12), pretende “compreender a leitura e a escrita como práticas sociais complexas, desvendando sua diversidade, suas dimensões políticas e implicações ideológicas”.

Deste modo, a enquete e o teste não se basearam em conteúdo escolar estabelecido no currículo de cada série do ensino, mas em práticas sociais de leitura e escrita (letramentos) e nas habilidades envolvidas nessas práticas sociais (alfabetismo). Ribeiro (2003, p. 20) destaca que “a cultura letrada está bastante disseminada no país e que mesmo as pessoas analfabetas relacionam- se com o mundo letrado de diversas formas”. Essas pessoas sabem da importância do mundo da escrita e o valorizam (GALVÃO, 2003).

 Esfera doméstica, que procurou saber sobre alguns hábitos como ler em voz alta para crianças ou ajudá-las nos deveres escolares, além de saber sobre o acervo de materiais escritos presente nas casas das pessoas.  Esferas do trabalho e participação cidadã, que inclui as práticas de

letramento da esfera religiosa;

 Esfera da educação, em que se relacionam práticas de educação formal e não-formal;

 Esfera do lazer, em que se investigou o gosto pela leitura para se distrair, que tipos de leituras usam para este fim e se estão envolvidos em outras formas de lazer que não seja a leitura. Nesta esfera, o livro de literatura aparece novamente – com pouca freqüência e concentrado nos jovens e nas classes mais favorecidas –, junto com outras artes: cinema, teatro, exposições, shows etc. (RIBEIRO, 2003).

De acordo com os dados fornecidos pelo INAF, Abreu (2003) aponta que, diferentemente do que se acredita sobre o desinteresse dos brasileiros pela leitura, a pesquisa mostra que 67% das pessoas gostam de ler (32% gostam muito e 35% gostam um pouco), lembrando que a pergunta era sobre ler para distrair ou passar o tempo (leitura de entretenimento).

Sabe-se que, nas séries iniciais, os gêneros que estão presentes em maior número nos livros didáticos são os da esfera literária e não por acaso. A fim de incentivar o “gosto pela leitura”, esses gêneros são os mais indicados já que trabalham com a imaginação das crianças. O INAF também identificou uma relação direta entre o tempo que se passa na escola e o gosto pela leitura. Dessa forma, a escola passa a ser vista como a promotora de leitura literária e, em muitos casos, a única agência em que se tem contato com esse tipo de leitura. Há também relação com os mediadores, ou seja, com aquelas pessoas que influenciaram o gosto pela leitura. A escola aparece novamente de forma marcante na figura do professor, quando este “gosto” teve pouco incentivo em casa. Quanto mais tempo o brasileiro fica nos bancos escolares mais ele lê e os professores são os maiores mediadores: 52% dos entrevistados que chegaram

ao Ensino Superior mencionam o professor como mediador, enquanto que aqueles que ficaram até quatro anos na escola mencionam suas mães (35%) como importantes mediadoras, deixando os professores em segundo lugar: 27%. Aqui, a condição sócio-econômica também importa: enquanto que a maioria dos entrevistados das classes A e B lembram de seus professores (42%), a maioria das classes D e E atribuem a influência do gosto pela leitura às suas mães (41%). Observamos nesses dados que o desenvolvimento do letramento literário ocorre a partir das práticas contidas nas esferas doméstica e escolar.

Os dados do INAF também mostram que 95% dos brasileiros têm algum material escrito em casa, ou seja, na sociedade atual, é praticamente impossível não ter contato com nenhum material de leitura. Dos entrevistados, 37% declararam ter algum livro em casa e a relação entre leitura e escola está novamente fortemente associada: 59% das pessoas entrevistadas declaram possuir livros didáticos em suas casas; 65% têm dicionários; 58% têm livros infantis; 35% têm enciclopédias. E mais: os livros didáticos e infantis encontram- se distribuídos por todas as faixas etárias e por todas as classes sociais (ABREU, 2003, p. 37).

Apesar dos diversos gêneros que circulam na esfera escolar, quando se fala da leitura na escola, segundo Abreu (2003, p. 38), há uma associação direta com a leitura literária. Porém, a maioria das pessoas diz não ter livros de literatura/romance em suas residências (56%), com exceção das pessoas que estão cursando Ensino Médio e/ou Superior, onde 55% possuem tais livros. Mais uma vez, a literatura se associa ao nível sócio-econômico: enquanto que 81% dos entrevistados das classes A e B possuem livros de literatura/romance em casa, apenas 28% das pessoas das classes D e E dizem possuir. Da mesma maneira, daqueles que fizeram até quatro anos de estudo, 23% declaram ter este tipo de obra em casa, enquanto que 91% dos brasileiros que fizeram até o Ensino Superior as têm. Em relação à leitura de romance, aventura, policial e ficção, a escola também é grande responsável pelo gosto por essas obras: 36%, 48% e 49% do segundo ciclo do Ensino Fundamental, ao Ensino Médio e

Superior respectivamente, gostam de ler textos em prosa. Novamente, quanto mais tempo se passa na escola, mais se lê esse tipo de obra.

Galvão (2003) questiona se é possível aprender a gostar de ler na escola ou em outras instituições sociais sem se ter o hábito de se ler em casa. O que os dados comentados acima mostram é que a escola tem forte influência sobre o gosto pela leitura, porém ela se atém, na maioria das vezes, à leitura de obras canônicas e à leitura silenciosa. Dessa maneira, a leitura não é compartilhada, lida em voz alta e o que se lê pouco ou nada tem a ver com a realidade daqueles que lêem. Por outro lado, aqueles que têm poucos anos escolares atribuem o gosto pela leitura aos pais, mais especificamente à mãe, e o que mais se lê é a Bíblia ou livros sagrados e religiosos; mesmo os analfabetos (21%), têm a leitura bíblica como a maior de todas as práticas letradas.

Analisando os dados sobre os pais dos entrevistados, Galvão (2003, p. 127) divide e comenta os dados do INAF 2001 em: 1) nível de leitura dos pais dos entrevistados; 2) existência de materiais na casa onde passaram a infância e 3) as práticas de leitura que seus pais realizavam com eles.

Tais dados foram necessários para que o Indicador pudesse verificar se, em relação às práticas de leitura e escrita dos entrevistados, estes liam em voz alta e o que liam para as crianças e se ajudavam as crianças em suas tarefas escolares, ou seja, como está sendo realizada a transmissão da leitura e escrita para as novas gerações da família. Sua análise nos mostra que a maioria da população que lê em voz alta para crianças lê livros infantis (30%) e a Bíblia (24%); porém, quanto mais alto o nível de escolaridade dos pais, mais essa prática é encontrada nos lares brasileiros, com exceção dos analfabetos, em que 87% não lêem em voz alta, apesar de reproduzirem alguns trechos de textos decorados, possivelmente da Bíblia ou de livros religiosos. Em relação à ajuda às crianças nas tarefas escolares, mais da metade da população afirma ajudá-las sempre ou de vez em quando.

O que chama atenção nos dados comentados por Galvão (2003), assim como nos dados dos entrevistados desta dissertação, é que ler em voz alta para

as crianças e ajudá-las nas tarefas escolares são práticas onde a figura do mediador é essencial para formação do letramento de maneira geral e do letramento literário em particular. Dessa forma, simplesmente possuir os materiais de leitura não basta para que essa formação ocorra. O mediador na família ou na escola não só contribui com o letramento dos sujeitos como pode cultivar neles o prazer de ler.