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Lexicografia Pedagógica e os dicionários de orientação escolar

CAPÍTULO 1: ESTUDOS LEXICAIS: LEXICOLOGIA E LEXICOGRAFIA

1.3. Lexicografia Pedagógica e os dicionários de orientação escolar

A Lexicografia Pedagógica (doravante LP) se ocupa da produção de dicionários voltados para usuários aprendizes de línguas, materna ou estrangeira, que assume grande importância neste trabalho, que tem como objeto de estudo dicionários bilíngues de orientação escolar. Hernández define esta área de estudo como

[...] parcela da Lexicografia, que se relaciona especificamente com os dicionários que se elaboram para estudantes – materna ou não – qualifica-se de didática. Lexicografia Didática, pois, sem mais reservas, com a precisão (…) de que muitos pressupostos teóricos e aplicações práticas terão que atender a dois grandes grupos de destinatários: as crianças e jovens que estão aprendendo sua língua materna e aqueles, jovens e adultos, que adquirem uma língua em um momento posterior à aprendizagem da primeira (Tradução nossa) (HERNÁNDEZ, 2008, p. 22)3.

Hernández utiliza-se do termo Lexicografia Didática4 da tradição espanhola para referir-se à LP, o termo que utilizamos em nosso trabalho, em virtude de ser a denominação predominante no Brasil, cujos estudos começaram há serem desenvolvidos e aplicados há pouco. No entanto, segundo Krieger, a LP é uma área que

[...] vem crescendo em razão da importância do papel dos dicionários para a aprendizagem de línguas. Por ser recente, seu objeto está sendo delineado. Não obstante, pode-se dizer que seu foco reside no estudo das várias faces que constituem e envolvem os dicionários destinados à escola, relacionados ao ensino quer de primeira, quer de segunda língua. Tal foco evidencia também que a lexicografia pedagógica é motivada pela consciência do potencial didático dos dicionários e, indissociavelmente, com a preocupação da adequação e da qualidade das obras usadas no ensino de línguas. (KRIEGER, 2011, p. 103).

De uma forma geral, o objetivo da LP, enquanto prática, é desenvolver dicionários a serem utilizados no ensino de línguas e, enquanto saber teórico, é desenvolver estudos para potencializar os usos das obras lexicográficas como material pedagógico a ser utilizados na sala de aula. Nesse sentido, a LP será estudada por um viés pedagógico, porém, subdividindo-se em teórica ou metalexicografia (tendo conhecimento das necessidades do público-alvo subdividindo-se

3[...] parcela de la Lexicografía, que se relaciona específicamente con los diccionarios que se elaboran para estudiantes – materna o no – se califica de didáctica. Lexicografía Didáctica, pues, sin más reservas, con la precisión (…) de que muchos presupuestos teóricos y aplicaciones prácticas tendrán que atender a dos grandes grupos de destinatarios: los niños y jóvenes que se encuentran aprendiendo su lengua materna y aquellos, jóvenes y mayores, que adquieren una lengua en un momento posterior al aprendizaje de la primera (HERNÁNDEZ, 2008, p. 22).

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Lexicografia didática é voltada ao aprendiz e LP é voltada para o professor. Welker (2011, p. 112) afirma que o termo mais comum na área da Lexicografia é o uso do adjetivo pedagógica, visto que, segundo o pesquisador, didática refere-se ao conjunto de métodos e técnicas que objetivam um ensino eficiente.

ocupa de princípios teóricos que subsidiam a elaboração de dicionários) e prática (a feitura dos dicionários), assim como a Lexicografia de um modo geral.

Em relação ao ensino de língua materna (doravante LM), Krieger (2011, p. 104) pondera que o desenvolvimento dessa disciplina está associado a duas razões. A primeira diz respeito “à falta de consciência da escola de que o dicionário é um lugar de lições sobre a língua” e a segunda razão deve-se “ao fato de que o dicionário é pouco e mal explorado pelos professores” (KRIEGER, 2011, p. 104).

Compreendemos que esses dois motivos se devam ao fato de que os professores não têm aulas voltadas à Lexicografia durante a formação acadêmica. Segundo Damim (2006. p. 31),

No cenário brasileiro, a Lexicografia [...] e a Metalexicografia [...] não são consideradas como disciplinas na maioria dos cursos de graduação. [...] é uma tarefa que ainda precisa ser desenvolvida, especialmente para que os professores possam realizar suas atividades didáticas mais bem capacitados a utilizar dicionários em sala de aula.

Por falta de conhecimento, tem-se a ideia equivocada de que o dicionário seja útil apenas para verificar significados pontuais ou para saber a ortografia. Parafraseando as palavras de Dargel (2011a), nota-se que há certos preconceitos sobre essa prática, é só lembrar a corrente expressão procurar no pai dos burros. Evidentemente que quem busca informações em um dicionário não é burro. Para amenizar essas equivocações, constitui-se função da LP, enquanto teórica, buscar meios para que possa tornar o uso do dicionário de orientação escolar produtivo e voltado para a aprendizagem.

Azorín Fernández (2007, p. 170-184), mediante os resultados de uma pesquisa que aplicou em diferentes escolas de Alicante, concluiu que, apesar do avanço da Lexicografia, os dicionários continuam apresentando deficiências em relação a alguns aspectos, tais como, o tratamento da fraseologia, a exemplificação, as informações gramaticais e a formulação das definições. Em relação ao uso do dicionário, concluiu que a maioria dos aprendizes reconhece que utilizam as obras lexicográficas escolares. Porém, não é dado vantajoso, pois de acordo com a pesquisa, os estudantes buscam no dicionário o significado de palavras, a ortografia, e os sinônimos e antônimos. E, também, chegou à conclusão que mais de 50% dos entrevistados começaram a familiarizar-se com o dicionário fora do ambiente escolar, fato que comprova que muitos educadores desconhecem os aspectos relevantes no uso do dicionário nas aulas de línguas.

Hernández (1991, p. 194) considera que os dicionários, que têm como público - alvo os aprendizes, deveriam ser os mais “mimados” pela LP, tanto teórica quanto prática, pois

deles e de uma adequada metodologia de seu uso, dependerá que os alunos possam seguir enriquecendo automaticamente sua competência linguística, seja na sua LM como na LE e se convertam em usuários capazes de extrair de qualquer tipo de obra lexicográfica informações relevantes ao aprendizado da língua.

No Brasil, as mudanças nesse contexto começaram a ocorrer somente no ano de 2000, quando o Ministério da Educação5 decidiu distribuir dicionários a alunos de 1ª a 4ª séries. Os dicionários visados foram os “minidicionários”, voltados ou não ao público escolar. De acordo com os critérios estabelecidos por uma comissão de especialistas, foram selecionados alguns exemplares e resenhados no Guia do livro didático. Assim, tornaram-se objetos de escolhas dos professores e doados aos alunos de 1ª a 4ª séries, em 2001, para que fizessem uso privado das obras.

No ano de 2002, com o intuito de atingir em 2004 a meta de que todos os alunos matriculados no ensino fundamental possuíssem um dicionário de língua portuguesa para o uso durante a vida escolar, o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) dá continuidade à distribuição de dicionários para os ingressantes na 1ª série e atende aos estudantes da 5ª e 6ª séries. Em 2003, o PNLD distribui dicionários aos ingressantes na 1ª série e atende aos alunos das 7ª e 8ª séries, alcançando o objetivo de contemplar todos os estudantes do ensino fundamental.

A partir de 2005, a sistemática de distribuição de dicionários é reformulada, de maneira a priorizar a utilização do material em sala de aula. Por meio do PNLD, foram propostos os primeiros parâmetros para a avaliação do dicionário no contexto do planejamento do PNLD e passou a avaliar obras lexicográficas. O objetivo era o “[...] de prover as escolas do ensino fundamental público das melhores, entre as disponíveis no mercado” (RANGEL, 2011, p. 39). Assim, foi apresentado o novo edital do Programa Nacional do Livro Didático – Dicionários (PNLD - dicionários). Nesse edital já foram previstas restrições tipográficas, linguísticas e lexicográficas para submeter os dicionários do tipo escolar à análise. Foram introduzidas algumas mudanças significativas. Entre elas, apresentamos: a) o beneficiário direto do programa passou a ser a escola – em vez de entregar uma obra para cada aluno, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação fornece acervos de dicionários às escolas públicas; b) adequação dos dicionários em relação ao nível de ensino do aluno (tipo 1: introdução das crianças a este tipo de obra, tipo 2: apropriados a alunos em fase de consolidação do domínio da escrita e tipo 3: direcionados para alunos que

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já começam a dominar a escrita). O programa previu a elaboração de um manual, titulado

Dicionários em sala de aula, destinado aos professores com o objetivo de orientá-los em

relação ao uso dos dicionários em sala de aula.

Em 2011, surge o nove edital, convocando editores de dicionários brasileiros de língua portuguesa a participarem da seleção dos dicionários escolares adequados aos alunos do ensino fundamental e do ensino médio da rede pública. Os dicionários para serem selecionados deveriam se enquadrar em algum dos quatro tipos: tipo 1: 1º ano do ensino fundamental (proposta lexicográfica voltada à alfabetização inicial), tipo 2: 2º ao 5º ano do ensino fundamental (proposta lexicográfica adequada a alunos em fase de consolidação da escrita e da organização e da linguagem típica do gênero dicionários), tipo 3: 6º ao 9º do ensino fundamental (proposta lexicográfica de um dicionário padrão, porém, adequada às demandas escolares do ensino fundamental) e tipo 4: 1º ao 3º ano do ensino médio (proposta lexicográfica de um dicionário padrão, porém, adequada às demandas escolares do ensino médio, inclusive o profissionalizante).

A avaliação das obras valeu-se de critérios de exclusão e inclusão. Assim, foram excluídos do PNLD - Dicionários 2012 aqueles que não privilegiaram o português contemporâneo do Brasil, que não apresentaram uma proposta lexicográfica que deixasse claro, para o professor, as escolhas lexicográficas e editoriais que subsidiaram suas escolhas, que não trouxeram guias de uso em uma linguagem acessível aos alunos e aquelas obras lexicográficas que apresentaram explicações, definições ou ilustrações preconceituosas. Dos critérios classificatórios, citamos: representatividade e adequação do vocabulário selecionado, da estrutura e da apresentação gráfica do verbete, a qualidade das definições, a grafia, a contextualização e a informação linguística. Foram selecionados três dicionários do tipo 1, os quais reúnem cerca de mil palavras selecionadas dentro de campos temáticos; 7 do tipo 2, sendo variados, reunindo entre 5.900 a 14.790 verbetes; 5 do tipo 3, os quais registram entre 19.000 e 30.000 verbetes e; 4 dicionários escolares do tipo 4, que reúnem o maior número possível de informações. Os acervos foram entregues às escolas e junto dos exemplares foi o manual Com direito à palavra: dicionários em sala de aula.

Sendo assim, conscientes da importância da LP prática e teórica, foram realizados estudos críticos e sérios que permitiram corrigir e melhorar grandemente as obras lexicográficas dirigidas aos aprendizes, tendo em vista, os dicionários escolares que tínhamos e o que temos. Dessa forma, concluímos que a situação, no Brasil, apresentou grandes avanços na Lexicografia monolíngue no que diz respeito às obras lexicográficas elaboradas e, assim, esperamos que também haja mudanças na Lexicografia bilíngue, pois, conforme

discutido nos próximos capítulos, os métodos lexicográficos empregados nesse tipo de obra precisam ser repensados.