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CAPÍTULO 1: ESTUDOS LEXICAIS: LEXICOLOGIA E LEXICOGRAFIA

1.4. Tipologia de dicionários

Antes de tratarmos sobre os tipos de dicionários, convêm abordar algumas considerações acerca de definições atribuídas por estudiosos ao dicionário. Para Biderman (2004, p. 185), o dicionário

[...] é o memorial lexical de uma sociedade; constitui o acervo e o registro das significações que a nossa memória não é capaz de memorizar... descreve o léxico em função de um modelo ideal de língua – a língua culta e escrita; pode, porém registrar usos dialetais, populares, giriáticos esporadicamente. Por conseguinte o dicionário convalida e promove a linguagem aceita e valorizada em sua comunidade.

Biderman (1998, p.15) afirma, em um texto anterior, que o dicionário constitui “[...] um objeto cultural de suma importância nas sociedades contemporâneas” (BIDERMAN, 1998, p. 15). Essas obras, em graus distintos de amplititude, registram toda a grandeza da língua, englobando desde o léxico considerado padrão aos desvios do modelo da língua culta e escrita. Assim, constitui-se uma obra de referência que registra todos os aspectos de uma língua. Andrade (2010, p. 2) acredita que por seu termo,

Os dicionários, também, podem ser considerados como texto, como um discurso pedagógico e didático, pois é um instrumento de educação permanente, uma instituição social, cuja finalidade é definir a norma linguística, responder questões sobre o emprego de "palavras e frases" aceitáveis ou "coisas" denotadas, no caso dos dicionários técnico-científicos. Só se considera uma palavra como pertencente à norma se ela estiver registrada no dicionário.

Isso porque, ao recorrer a essa obra, o consulente poderá elucidar suas dúvidas quanto ao uso da língua, compreender o significado e tantos outros aspectos da unidade lexical. Se formos analisar, sobretudo no que tange ao ensino da língua estrangeira, os benefícios para o aprendiz vão além dessas concepções, sem dúvida.

Como já assinalado, a prática de elaboração de dicionário está inserida na Lexicografia, ou seja, os dicionários não são apenas uma lista de unidades lexicais de um idioma. Para os pesquisadores da área são obras que devem se apoiar em estudos lexicológicos, lexicográficos e em metodologias adequadas para a inserção dos itens lexicais que se pretende reunir na obra lexicográfica.

Para Welker (2011, p. 35), os “dicionários são importantes, primeiramente para indivíduos, que precisam deles para preencher lacunas de conhecimento em relação a itens lexicais (palavra e expressão)”. Ainda, segundo o autor, o dicionário constitui a obra à qual a comunidade linguística recorre para buscar informações sobre todo tipo de questão relacionada ao uso dos itens lexicais (grafia, pronúncia, etc.), por isso se torna uma obra de referência confiável.

Dada a complexidade, são inúmeras as tipologias e pode-se dizer que não há padrões pré-estabelecidos. Vários autores estabelecem classificações distintas. Biderman (2001, p. 131) classifica os vários tipos de dicionários monolíngues em: dicionários de língua, ideológicos, especializados, etimológicos, históricos e terminológicos (astronomia, biologia, ecologia, economia, psicologia, química, entre outros). Na mesma direção, aponta os principais dicionários de língua usuais na sociedade contemporânea: o dicionário padrão, o dicionário geral da língua, os minidicionários, os dicionários escolares e os infantis. O dicionário padrão possui uma macroestrutura de 50.000 a 70.000 palavras-entrada, os escolares apresentam aproximadamente 25.000 e os infantis, de 5.000 a 10.000.

Haensch (1982), por sua vez, propõe uma tipologia ampla, baseados em teorias linguísticas que distinguem obras como glossários, vocabulários, tesouros, dicionários de pronúncia, de construção, de colocações, de fraseologismos, bilíngues, monolíngues, entre outros. Na visão deste autor, para distinguir os diferentes tipos de dicionários o mais apropriado seria

[...] perguntar, de modo pragmático, que características estes dicionários reúnem, aplicando uma série de critérios de ordem prática em cada caso individual, em vez de dar-lhes um nome estereotipado, incapaz de refletir distintas características que cada obra reúne em si (Tradução nossa) (HAENSCH, p. 1982, p. 126)6.

A tipologia proposta por Haensch (1982, p. 95-125)7 baseia-se em critérios histórico-culturais e práticos, de acordo com a necessidade que originou sua criação. A seguir, parafraseando Haensch, apresentamos uma tipologia ampla:

1. As obras lexicográficas, quanto ao formato e à extensão, podem ser classificadas em:

a) Dicionário geral da língua: todas as unidades lexicais;

6[…] preguntarse, de modo pragmático, qué características reúnen estos, aplicando una serie de criterios de orden práctico en cada caso individual, en vez de darles un nombre estereotipado, incapaz de reflejarla distintas características que cada obra reúne en sí (HAENSCH, p. 1982, p. 126)

7Silva (2007, p. 285-293) descreve em um artigo os critérios práticos de Haensch para a classificação das obras lexicográficas de forma permenorizada.

b) Dicionário padrão: por volta de 50 mil entradas; c) Dicionário escolar: por volta de 15 a 30 mil entradas; d) Dicionário infantil: de 4 a 5 mil entradas.

2. Em relação ao caráter da obra:

a) Dicionário linguístico: trata dos signos e descreve as palavras;

b) Dicionário enciclopédico: trata do universo extralinguístico (coisas) representado pelo signo;

c) Dicionário misto: se caracteriza por apresentar uma parte dedicada às palavras e outra voltada às coisas.

3. Quanto ao sistema linguístico em que o dicionário é baseado: a) Obra realizada por um autor ou por uma equipe de autores; b) Obra baseada em corpus.

4. Número de línguas:

a) Dicionário monolíngue: se ocupa de uma língua;

b) Dicionário plurilíngue: bilíngue (abarca duas línguas) ou multilíngue (abarca mais de duas línguas).

5. Quanto à seleção do léxico registrado nas obras, Haensch (1982, p. 97) subdivide em quatro tipos:

a) Em relação ao vocabulário:

- geral: se ocupa de registrar todo o léxico da língua, sem restrições;

- parcial: faz-se a seleção de um vocabulário, podendo ser no âmbito diatópico (regionalismo), diastrático (gírias), diafásico (linguagem coloquial), diatécnico (eletrônica),

diantegrativo (estrangeirismo), entre outros.

b) Em relação à exaustão ou seleção: os dicionários gerais ou parciais podem ser

seletivos. Para os gerais, é difícil ser exaustivo, pois o léxico de uma língua é extenso e

sempre há incorporações de novas palavras, então abarcá-las é tarefa árdua. Já os parciais é tarefa fácil ser exaustivo, pois é possível abarcar todo o léxico da área pretendida a ser compilada.

c) Cronológico: os dicionários se dividem em:

- sincrônico (registram uma seleção do léxico em determinado momento); - histórico (estuda a mudança das palavras);

- etimológico (explica a origem das palavras e data).

d) Prescritivo (caráter normativo) ou Descritivo (emprego efetivo da língua): - Dicionário de Academia;

- Dicionário didático; - Dicionário de pronúncia; - Dicionário de ortografia; - Dicionário de uso.

6. Quanto à ordenação de matérias, os dicionários, segundo a classificação de Haensch (1982, p. 100), são subdivididos em:

a) Dicionário semasiológico: apresentam uma ordenação das unidades lexicais por significantes (parte da palavra para o significado);

b) Dicionário onomasiológico: organiza sua estrutura por significado (parte dos conceitos para a palavra);

c) Dicionário ordenado por matéria; d) Dicionário ilustrado;

e) Dicionário de fraseologismos; f) Dicionário de rimas.

7. Quanto à finalidade específica (refere-se ao destino do dicionário): a) Dicionários de abreviaturas;

b) Dicionários paradigmáticos (sinônimos e antônimos analógicos e ideológicos); c) Dicionários sintagmáticos;

d) Dicionários gramaticais;

e) Dicionários de dúvidas e dificuldades.

8. Em relação ao meio de divulgação: a) Dicionários impressos;

c) Dicionários eletrônicos;

d) Dicionários em CD-ROOM ou DVD; e) Dicionários on-line.

Há várias tipologias de dicionários, que não foram possíveis de serem adotadas nesta pesquisa, pois, conforme Duran e Xatara (2007, p. 311), “não é possível determinar quantas formas de categorização existem, porque na medida em que vão ocorrendo inovações, novas formas vão se revelando”. E, dessa forma, sempre é possível surgir uma nova categorização de dicionários para contemplar as inovações.

Ainda de acordo com Duran e Xatara (2007, p. 312), o único critério que poderá ser aplicável a todas as categorizações diz respeito ao número de línguas apresentados pelo dicionário: monolíngue (apresenta uma só língua), bilíngue (coloca duas línguas em contato), trilíngue (coloca três línguas em contato) e multilíngue (coloca quatro ou mais línguas em contato).

A essa tipologia, Schimitz (2001, p. 163) acrescenta os dicionários semibilíngues, considerados pelo autor como “um avanço no campo de lexicografia e possivelmente este tipo de dicionário venha a substituir o dicionário bilíngue tradicional no futuro”. A proposta dos dicionários semibilíngues é “unir os benefícios do dicionário monolíngues para aprendizes aos benefícios do dicionário bilíngue” (DURAN; XATARA, 2006, p. 148). Dessa forma, os consulentes irão ler, paralelamente na microestrutura, a definição da unidade e os equivalentes na outra língua, ou seja, permitirão ao consulente das duas línguas codificarem e decodificarem. Porém, os resultados de um estudo nos mostram que

[...] entre a intenção dos lexicógrafos e o real uso dos dicionários pode haver certa distância. Em uma pesquisa Kimmel e Laufer (1997) para verificar quais as estratégias de consulta dos usuários de dicionários semibilíngües, foram observados cinco tipos de comportamento: 1) um grupo lê só a parte em língua materna; 2) outro grupo lê só a parte em língua estrangeira; 3) outro grupo lê ora uma ora outra parte; 4) outro grupo lê ora a parte em língua materna, ora a parte em língua estrangeira e ora as duas simultaneamente e 5) um grupo, menos expressivo, lê sempre as duas partes (DURAN; XATARA, 2006, p. 148).

Como a definição e os equivalentes são apresentados juntos, o que se esperava é que os consulentes lessem as duas informações. Nesse sentido, para avaliar se os dicionários semibilíngues funcionam como “ponte” entre as línguas, as autoras citadas acreditam que seria importante desenvolver outra pesquisa com os mesmos sujeitos e, assim, verificar se essas atitudes mudam, à medida que alunos evoluem em seus estudos.

Em relação ao dicionário semibilíngue, acreditamos que este tipo de obra lexicográfica demonstra-se mais dinâmica ao compararmos com obras bilíngues, uma vez que permite aos seus consulentes decodificar e codificar na LE. Nesse sentido, esse dicionário é mais uma das

alternativas da Lexicografia prática em desenvolver obras que tem por objetivo aperfeiçoar cada vez mais a aquisição do léxico pelos aprendizes da LE.

Entre os tipos de dicionários apresentados nesta seção, o dicionário que constitui o nosso objeto de pesquisa é o bilíngue, especialmente os de orientação escolar. Por constituírem objetos de estudo da pesquisa, são apresentados separadamente, no tópico seguinte.