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2 G OVERNANÇA E LETRÔNICA

3.7 Liberdade versus controle

Os países têm procurado colaborar mutuamente no combate aos cibercrimes, inaugurando uma espécie de “governança política coletiva”, algo que

cidadãos que vivem distantes de seu país local: “(...) o compartilhamento de acesso global a redes de informação é uma forma decisiva de impor poder estatal coletivo sobre todos os cidadãos em toda a parte, já que as conseqüências da informação obtida guiarão a repressão em contextos específicos” (CASTELLS, 2003, p.148).

Quando se trata de combater crimes como o racismo ou a pedofilia, a intervenção da “governança política coletiva” ou “ciber-governança internacional” de países pode ter bons resultados de maneira geral. Porém, o compartilhamento de informações entre os países possibilitados por esta governança coletiva pode levar a perseguições políticas ou de natureza discriminatória a cidadãos de “esquerda” ou de “direita” e a homossexuais. Malásia e Arábia Saudita são países cuja legislação é punitiva para gays ou lésbicas. Isto pode levar a intervenção em assuntos privados destes cidadãos, que eventualmente morem nos Estados Unidos, por exemplo. O resultado por vezes pode se concretizar de forma inusitada, conforme explica Castells:

Ademais, a vigilância global invade a liberdade de expressão. Isto ocorre em menor grau em países como os Estados Unidos, onde há forte proteção legal desse direito básico. Mas uma vez que o tráfego seja conjuntamente interceptado por agências de vários países, os usos dos dados obtidos mediante a vigilância não ficarão restritos à jurisdição dos tribunais norte- americanos (CASTELLS, 2003, p.148).

É por esse motivo, que os gestores da Internet no Brasil e nos Estados Unidos, consideram a intervenção e monitoramento da Internet um tema que merece muita atenção. O matemático e cientista da computação americano Vinton Cerf, que presidiu a ICANN (Internet Corporation for Assigned Names and Numbers), de 2000 a 2007 e foi o idealizador da Internet e criador dos protocolos que deram origem a toda a rede de computadores, expressou suas preocupações com respeito às questões envolvendo a segurança da comunicação e outras práticas que podem tornar-se abusivas. De acordo com Vinton, a Internet precisa evoluir para desenvolver novas formas de tratar tais temas. O problema é definir uma política que possa gerir todo este conjunto de informações, conhecimento e entretenimento, conciliando o respeito à liberdade de expressão. No entanto, definir uma política para comunicação virtual não é algo simples. Os argumentos a favor da proibição

dos excessos, partem, na maioria das vezes, de juristas, desembargadores e promotores, que consideram que a esfera digital não deve estar à parte das ocorrências do ambiente físico e temem que a falta de controle na rede leve à impunidade para crimes de todos os gêneros (BUARQUE, 2006).

De acordo com Lucena (2007), alguns gestores da rede, como é o caso de Susan Crawford,23 defendem que a rede seja um ambiente de livre manifestação,

e quaisquer censuras ou bloqueios serão ineficazes, pois os internautas sempre conseguirão encontrar maneiras de contornar tais bloqueios. Além de que, está em discussão, neste caso, a liberdade de expressão, que tem nos Estados Unidos, garantia da Primeira Emenda. Demi Getschko, representante de notório saber sobre assuntos de Internet, membro do Comitê Gestor e conselheiro da ICANN, considera importante manter a característica de liberdade na rede:

(...) conforme existe risco na rede, porque, como a rede está disponível a todos que colocarem o que acham, existe certamente uma facilidade de propagação de coisas que não são verdadeiras, ou não são corretas. Agora, eu acho que esse é um custo a pagar pela liberdade da rede, acho que é importante que nós mantenhamos essa abertura e que todos possam dizer o que queiram, evidentemente o pessoal da legislação, da justiça e tal, vai ter que ver como coíbe os que falam coisas inadequadas ou falsas ou inverídicas sem que o abuso impeça o uso, não é, uma das regras básicas em geral que se tem, liberais, abertas, democráticas, é que o abuso não deve tolher o uso. Se alguém abusa de algo, isso não quer dizer que devemos tirar o uso legal daquilo, porque está havendo um abuso.

Os cientistas e filósofos tendem à opinião semelhante a dos gestores da rede, ressalvando, no entanto, que os cibercrimes devam ser punidos, especialmente aqueles relacionados à pornografia infantil e à pedofilia. Tavares (Presidente da ABRANET e membro do Comitê Gestor da Internet no Brasil) considera que tais problemas devam ser resolvidos através de ferramentas de proteção:

Muito bem, ah, em termos comportamentais, portanto, o que é que nós passamos a ter como preocupação: algumas coisas que 23 Professora de direito cibernético e direito das comunicações na Cardozo Law School, em Nova York, e diretora da Icann, a entidade internacional que coordena a Internet.

de pedofilia por exemplo. E nesse caso, fica muito claro a Internet, ela é, protege de certa forma o anonimato, algumas pessoas, de formação, lamentavelmente baixa e, portanto, permite que aconteça esse tipo de coisa. Por isso, é preciso desenvolver a ferramentas de filtro de proteção para evitar que isso cresça, prá se fazer a correção do rumo e a boa utilização de uma mídia como a Internet.

Estudiosos de comunicação, filosofia, sociologia e política, especialmente na Europa e nos Estados Unidos, têm sua atenção voltada à expansão da cibercultura e seus efeitos no tecido social. Segundo Veras (2000), há estudiosos otimistas, como o filósofo Pierre Lévy, que acreditam nas possibilidades abertas pelo ciberespaço em direção a um futuro promissor, no qual a humanidade terá a sua disposição uma enorme inteligência e um grande cérebro do mundo. Outros, como o pesquisador e professor da Universidade de Toronto, Derrick de KERCKHOVE (1995, p. 113), são cautelosos e consideram, em seus estudos, a complexidade das relações na era da comunicação eletrônica, em que as fronteiras entre o público e o privado e o local e o global esmaeceram, pois as nações estão se integrando em outro nível histórico, no qual as formas tradicionais de identidade estão ameaçadas. Este autor também percebe o impacto do avanço das telecomunicações nas diferentes culturas, avaliando a importância da globalização na expansão das fronteiras culturais – criando uma nova cultura mundial - porém alerta para o problema da necessidade de preservar a regionalização, a manutenção das identidades e do sentimento de unidade, essenciais para manter um país ou uma empresa. A questão dos controles para a Internet irá demandar, nos próximos anos, discussões mais aprofundadas e abrangentes entre os gestores da rede, legisladores, políticos e sociedade civil organizada.