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1 O VALOR MORAL SUBSTANTIVO DA LIBERDADE NA TEORIA DA

1.5 AS LIBERDADES E AS RELAÇÕES DE MERCADO

A oportunidade que as pessoas têm de participar das relações de mercado está

implícita no valor moral substantivo da liberdade. O intercâmbio econômico, representado

pelas transações comerciais, integra a identidade das ações humanas, as suas necessidades e a

própria estruturação da convivência em sociedade, que evolui e se complexifica conforme as

demandas da arquitetura social. Além de possibilitar as escolhas individuais importantes para

a vida das pessoas, as relações de mercado possibilitam-lhes fazerem as escolhas que

consideram importantes para o seu bem-estar, a sua realização pessoal e a sua participação e

integração na dinâmica das relações sociais (SEN, 2000).

A negação da liberdade de atuação do mercado se expressa não restritamente à

interferência excessiva ou exclusiva do Estado na organização da economia, mas também

quando uma sociedade nega as condições e os mecanismos para que as pessoas exerçam e

desenvolvam aquelas características que lhes são específicas, que são uma melhor

participação social e os mecanismos para influenciar no processo de desenvolvimento. Essa

negação se revela no impedimento de escolha entre diferentes tipos de trabalhos ou

profissões; no domínio de governos tirânicos; na negação do direito de trabalhar fora de casa,

especialmente para as mulheres; na exclusão de acesso às atividades comerciais para pessoas

ou grupos, ou, mesmo, de determinados produtos pelos interesses do Estado ou por grupos

monopolistas; nas ainda persistentes situações de analfabetismo, escravidão e trabalho

infantil, entre outras.

A não participação das pessoas na estruturação e nos benefícios da vida econômica

de uma sociedade determina outras formas de privação de ordem individual e coletiva, entre

as quais se podem destacar a violação das demais liberdades, a limitação do exercício dos

direitos fundamentais de uma sociedade democrática e a diminuição da autoestima. Da mesma

forma, esse contexto de privações impede, significativamente, a evolução da concepção de

mundo, pois limita o universo de relacionamentos a um espaço predeterminado e com

limitadas possibilidades de integração com outras maneiras de compreender e avaliar as suas

formas de pensar e de agir.

A liberdade de participação no mercado competitivo está entre as variadas

perspectivas para o exercício das liberdades substantivas, as quais podem ser sintetizadas nas

oportunidades que uma pessoa deve ter para buscar os objetivos que considera importantes

para o seu bem-estar. O valor moral substantivo da liberdade destaca a necessidade de as

pessoas poderem fazer as suas próprias escolhas e, em decorrência desse entendimento,

ninguém pode ser forçado a viver segundo uma forma ou estilo de vida previamente

determinado, por maiores que sejam as vantagens que possa desfrutar (SEN, 2002).

A condição de agente pressupõe a capacidade e as condições de a pessoa participar

das instituições da maneira criativa e autônoma. Especialmente, a atuação nas relações de

mercado de forma integrada tem um papel relevante para o desenvolvimento social e para a

liberdade de escolha das pessoas. Quando essa oportunidade é negligenciada, ocorre o

estreitamento das opções para a organização do tipo de vida que uma pessoa considera

importante e a diminuição das oportunidades de diversos tipos, seja das condições de bem-

estar, seja das convicções individuais, por exemplo, a seleção de valores e a convivência com

diferentes concepções de mundo (SEN, 2001).

A necessária consideração sobre o direito de participação nas relações de mercado

precisa ser entendida com base uma abordagem múltipla e integrada, considerando as

diversificadas maneiras de que as sociedades dispõem para a sua estruturação. As instituições

e outras iniciativas possuem características específicas, que respondem a interesses e

objetivos diferentes e podem, em certas situações, se organizar de forma complementar e

interdependente e, em outras, atuar segundo perspectivas bastante distintas e com metas

diferenciadas. A ação não integrada das diferentes instituições, interesses e pessoas,

consequência de distanciamentos provenientes de metas normalmente limitadas por objetivos

imediatos, compromete a estruturação justa das relações sociais e das suas instituições, porque

distancia a atuação concreta dos valores morais. A arquitetura econômica moderna reflete essa

dicotomia, conforme afirma Sen (1999, p. 18): “Outra característica surpreendente é o

contraste entre o caráter conscientemente „não-ético‟ da economia moderna e sua evolução

histórica, em grande medida, como um ramo da ética.”

Especificamente sobre a relação do Estado e do mercado, é preciso ressaltar que essa

atuação, ao mesmo tempo tensa e inter-relacionada, possibilita, pela liberdade de ação e de

suas características próprias, o desenvolvimento de dimensões importantes e decisivas para a

melhoria das condições de vida das pessoas. O mercado tem sua base de organização e suas

prioridades voltadas para a produção e administração de bens privados; de outra parte, o

Estado tem seus objetivos e interesses voltados para os bens públicos que beneficiam o

conjunto dos membros de uma comunidade. Contudo, em determinados contextos e

necessidades o desempenho de ambos pode contemplar as metas públicas e privadas.

As condições de atuação do mercado e de outras instituições, particularmente do

Estado, quando exclusivas ou com mecanismos e interesses corporativos, impedem o

desenvolvimento equilibrado da sociedade. Sendo a liberdade um referencial fundamental, é

preciso que as diferentes formas de manifestação possam coexistir e, de forma equitativa,

contribuir para uma organização social justa. Particularmente, a existência livre das relações

de mercado, com suas especificidades voltadas para a eficiência e a produção de bens, de

maneira inter-relacionada com outras instituições, pode ser decisiva para a organização segura

de uma sociedade, como destaca Sen (2000, p. 169):

Não se pode duvidar das contribuições do mecanismo de mercado para a eficiência, e os resultados econômicos tradicionais, nos quais a eficiência é julgada segundo a prosperidade, a opulência e a utilidade, podem ser estendidos também para a eficiência no que se refere as liberdades individuais. Mas esses resultados de eficiência não podem sozinhos, garantir a equidade distributiva. O problema pode ser particularmente grande no contexto das liberdades substantivas, quando existe um acoplamento das desvantagens (como por exemplo, a dificuldade de uma pessoa incapacitada ou sem preparo profissional para aferir uma renda sendo reforçada pela sua dificuldade de fazer uso da renda para a capacidade de viver bem). Os abrangentes poderes do mecanismo de mercado têm de ser suplementados com a criação de oportunidades sociais básicas para a equidade e a justiça social.

A legitimidade moral da atuação do Estado e do mercado precisa ser avaliada

considerando a melhoria das condições de vida das pessoas, juntamente com as outras

dimensões que caracterizam o ordenamento social, dentre as quais se podem destacar o uso

equilibrado dos recursos ambientais, o desenvolvimento sustentável e a responsabilidade

moral com as futuras gerações. Considerando que por meio dos recursos oferecidos pelo

mercado as pessoas podem interagir de diferentes formas e alcançar objetivos variados, que

satisfaçam aos seus planos, metas e necessidades, os quais beneficiem a todos, faz-se

necessário que a sua estruturação e seu funcionamento sejam acompanhados por condições

sociais e políticas adequadas e por um claro ordenamento jurídico, que contenha as

necessárias garantias para a sua atuação, ao mesmo tempo em que previna possíveis

desequilíbrios que venham a dificultar a estruturação e manutenção equitativa do conjunto da

sociedade.

O fortalecimento dos mecanismos do mercado representa uma opção política pelo

reconhecimento do valor moral substantivo da liberdade e a oportunidade de que as pessoas

busquem a realização e o desenvolvimento daquelas dimensões que consideram importantes

para a sua vida pessoal, sua inserção no ordenamento social e que lhes deem condições de

atuar em benefício do seu bem-estar. As condições sociais, políticas e legais precisam estar

integradas, sustentadas e legitimadas por uma ampla rede de instituições, de organizações e de

disposições nacionais e internacionais, com objetivos explícitos para oferecer oportunidades e

recursos que todos possam compartilhar.

A atuação do mercado de forma equilibrada, ao mesmo tempo em que preserva a sua

dimensão competitiva e livre, está diretamente relacionada com as condições políticas e

sociais para o seu desenvolvimento. Por isso, especialmente o Estado, mas também as demais

instituições públicas e privadas, precisam ter especial interesse na expansão de iniciativas que

deem oportunidades às pessoas de participarem ativamente e de usufruírem dos benefícios

que venham a ser oferecidos. Entre outras, podem-se destacar o exercício dos direitos

políticos e civis, o acesso e a organização de um sistema educacional com qualidade, a

disposição de condições de assistência à saúde e segurança, o gerenciamento responsável dos

recursos públicos e a distribuição equilibrada dos bens disponíveis (KOLM, 2000).

A liberdade de atuação do mercado, numa conjuntura caracterizada por contradições

e grandes demandas sociais, precisa perceber a íntima relação que se estabelece entre os

direitos individuais e coletivos e a busca de soluções para as desigualdades, especialmente das

econômicas. As dificuldades e interesses que dinamizam o conjunto das relações sociais

precisam ser integrados e corretamente equacionados segundo o do valor moral substantivo da

liberdade, de tal forma que não impeçam o relacionamento e o fortalecimento interdependente

entre as diferentes formas de organização e relacionamento da sociedade. Nesse sentido,

afirma Sen (1994, p. 36):

Eu já argumentei que a importância de tais direitos vai além das vantagens pessoais que os portadores desses direitos derivam deles, que há uma assimetria entre os direitos políticos e os outros tipos de vantagens, incluindo as econômicas. Mas há, além disso, uma conexão mais profunda. A compreensão e a conceituação de que as próprias necessidades econômicas podem requerer do exercício dos direitos políticos e civis, discussões abertas e mudanças públicas. As vidas humanas sofrem com os vários tipos de miséria e privações, algumas mais amenas para se aliviar do que outras. A totalidade do sofrimento humano estaria numa base indiscriminada para a análise social das necessidades. Há muitas coisas que nós poderíamos ter boas razões para valorizar se elas fossem possíveis, talvez, até mesmo a imortalidade; mesmo assim nós não as vemos como necessidades. A nossa concepção de necessidades reflete nossa análise da natureza das privações, e também nosso entendimento do que pode ser feito em relação a elas. Os direitos políticos, incluindo a liberdade de expressão e discussão, não são apenas essenciais na indução das respostas políticas para com as necessidades econômicas, eles são também centrais para com a conceituação das próprias necessidades econômicas.

Considerando as transformações ocorridas nas últimas décadas nas relações

internacionais, caracterizadas pelo acelerado processo de globalização, as ainda intrincadas

relações entre as nações e culturas e o debate que ocorre em muitos ambientes sobre a

identidade e a atuação do mercado, é esclarecedora a manifestação de Cardoso (2008, p. 53):

“Os mercados contam, mas os mercados, principalmente os de países populosos, não

dispensam estados que os apoiem.”

Uma estrutura social que, com base na compreensão do valor moral substantivo da

liberdade, garante a atuação do mercado precisa ter entre suas prerrogativas a garantia da

estabilidade política e jurídica para oferecer às pessoas e às instituições as condições

necessárias de manifestação das diferentes formas de organização e de expressão do

pensamento e possibilitar ao conjunto dos membros da sociedade opções de escolha que

preencham as motivações e os interesses individuais; o desenvolvimento dos diferentes

talentos; o atendimento das necessidades familiares, sociais e culturais e, finalmente, a efetiva

contribuição com o funcionamento equitativo da sociedade. Nesse sentido, a democracia é o

sistema que conta com um amplo conjunto de instituições e de estruturas com mecanismos

capazes de equilibrar as diferenças que constituem o interior de uma sociedade, de atender

equitativamente às necessidades dos seus membros e ordenar os interesses individuais e

coletivos.

Sabendo da importância da ação livre das pessoas e das organizações sociais, a

relação que se estabelece entre, de um lado, a liberdade de organização e atuação do mercado

e, de outro, a ação do Estado como mediador e impulsionador das diferentes formas de

estruturação da sociedade, ambos precisam ter seu horizonte de objetivos voltado para as

pessoas, entendidas na condição de agentes, com o objetivo primordial de organizar a

arquitetura da sociedade e dos amplos e necessários cenários onde ocorre todo o processo de

estruturação dos valores, princípios, leis e práticas que determinam o processo de

desenvolvimento econômico e social. A legitimidade moral da ação dos mecanismos de

mercado e da intervenção do Estado está diretamente relacionada com a concepção de pessoa

que justifica e define os parâmetros da sua atuação. Essa caracterização justifica o agir

socialmente integrado e organizado do mercado, assim como afirma a autonomia da pessoa

por ocasião do ato de escolha, conforme sublinha Sen (1976, p. 219): “A eventual garantia

para a liberdade individual não pode ser encontrada no mecanismo da escolha coletiva, mas

no desenvolvimento de valores e preferências que respeitam a privacidade de cada um e as

escolhas pessoais.”

O atual estágio de organização das sociedades e, particularmente, o processo de

produção têm se caracterizado pelo crescente distanciamento entre a estrutura de relações

econômico-financeiras e a reflexão ética (SEN, 1999). Essa dicotomia ocorre porque a

economia se organizou prioritariamente, e muitas vezes exclusivamente, buscando atingir os

fins previamente determinados, especificamente o aumento do bem-estar e dos ganhos

individuais e corporativos, não se importando com as possíveis consequências sobre,

especialmente, os recursos naturais, as futuras gerações e o equilíbrio das relações entre as

pessoas, as nações e as culturas. Esse distanciamento pode ser percebido pelo aumento dos

níveis de produção de bens de consumo, acompanhado pelo crescimento dos níveis de

pobreza e das desigualdades internas e entre os países (CAPRA, 1996).

A aproximação entre a ética e a estrutura econômica das sociedades oferece as

condições necessárias para a avaliação e o julgamento da relação entre os objetivos traçados,

os meios para a sua viabilidade e as consequências que isso acarreta para os diferentes atores

envolvidos nesse processo, conforme alerta Sen (1993, p. 204) ao analisar a atuação do

mercado financeiro, a responsabilidade e as suas consequências: “No contexto atual, que é,

analisando a ética e a economia das finanças, a conexão pode ser particularmente crucial. A

inter-relação entre responsabilidade e conseqüências é, de fato, profundamente relevante para

a ética financeira, e é importante examinar como as conexões operam.”

A dicotomia entre esses campos não apenas prioriza a dimensão econômico-

financeira, como também a vida concreta das pessoas e a estruturação social são orientadas

segundo as regras e os interesses exclusivos da engenharia econômica e dos modelos de

eficiência. O distanciamento entre esses aspectos fundamentais da economia tem como

implicação uma avaliação limitada dos objetivos, dos acontecimentos e das consequências,

assim como das conexões internas e externas que conduzem a resultados contraditórios e

prejudiciais ao equilíbrio social.

O valor moral substantivo da liberdade, considerado como critério de atuação e de

avaliação do agir humano e da organização social, permite uma compreensão mais integrada e

global não apenas dos acontecimentos vistos individualmente, mas também dos diferentes

aspectos, em seu conjunto, que formatam a identidade e o funcionamento de uma sociedade.

Então, as contradições internas e suas manifestações públicas, além de uma análise segundo

as orientações e critérios provenientes dos incontestáveis recursos da engenharia econômica,

são explicitadas e evoluem integrando a riqueza e a crítica provenientes da reflexão ética.

As inúmeras deficiências que caracterizam o ordenamento das relações econômicas

contemporâneas, quando investigadas e compreendidas considerando a necessidade do

equilíbrio geral das ações humanas e sociais, de um lado, denunciam as contradições internas,

a dicotomia e a sobreposição dos interesses que as legitimam e, de outro, sustentam que a

estruturação das relações econômicas “pode tornar-se mais produtiva se der uma atenção

maior e mais explícita às considerações éticas que moldam o comportamento e o juízo

humanos”. (SEN, 1999, p. 25).

Emergem desse contexto questões que abrangem diferentes espaços da vida das

pessoas, assim como a administração, a utilização e a disponibilidade dos bens públicos e

privados, tais como: É possível organizar uma estrutura econômica ética, considerando os

múltiplos interesses presentes no seu interior? O equilíbrio das relações entre a atuação do

Estado e do mercado pode ser pautado por interesses não restritos àqueles marcadamente

individualistas ou corporativos? A economia ética pode beneficiar o conjunto das

necessidades e das aspirações humanas? São possíveis princípios ou critérios de distribuição

de bens e recursos que sejam comuns ao Estado e ao mercado? O desenvolvimento

econômico e social tem condições de atender às necessidades das atuais e das futuras gerações

e, ao mesmo tempo, utilizar de forma equilibrada os recursos ambientais? O que diferencia

um ordenamento socioeconômico ético de uma estrutura não ética? Que consequências

justificam a atuação de pessoas na busca por relações econômicas, políticas e sociais

caracterizadas por sérias preocupações éticas?

3

A atenção para com a ética na economia e na estruturação das relações econômicas

com base no valor moral substantivo da liberdade oferece referências de valor incontestável

para uma compreensão ampla do horizonte de investigação, de avaliação e de proposição de

estruturas que respondam ao atual estágio de desenvolvimento da sociedade, particularmente

ao acelerado processo de globalização, às crises econômicas, às deficiências encontradas em

grande parcela das democracias contemporâneas, assim como à necessidade de buscar o seu

fortalecimento e a sua estabilidade, aos desafios do multiculturalismo e às ainda persistentes

desigualdades presentes em diferentes níveis.

A organização das relações econômicas, caracterizadas pela prioridade dada aos

mecanismos de mercado, garantiu que a realização da utopia do Estado de bem-estar social

seria capaz de preencher as demandas da realização humana, o que conduziu, entre outras

situações, a um estreitamento do conceito de pessoa, à instrumentalização da compreensão do

valor moral substantivo da liberdade, do equilíbrio das relações entre os membros das

sociedades e as instituições, além de imprimir um modelo de vida baseado na satisfação de

interesses e motivações imediatos, normalmente condicionados à utilidade e ao consumo dos

bens. Isso ocorre porque a compreensão da organização social subjacente tem como referência

básica a necessidade de fomentar a atuação do mercado como principal responsável pelo

desenvolvimento social, com o objetivo alcançar o que se convencionou chamar “Estado de

bem-estar social”, o qual submeteu a estrutura social, política e econômica moderna,

conforme esclarece

Sen (1993, p. 520):

3 Na afirmação a seguir Sen (1993, p. 51) expressa parte das deficiências para uma abordagem ética nas relações econômicas: “É difícil, nesse contexto, desvincular o argumento para encorajar negócios éticos, indo além dos tradicionais valores de honestidade e confiabilidade e também levar em consideração a responsabilidade social (por exemplo, em temas como degradação ambiental e poluição).”

A avaliação básica do mecanismo de mercado na economia moderna está baseado, em grande parte, no assim chamado „teorema fundamental da economia do bem- estar‟. Isto tem relação somente com mercados que são perfeitamente competitivos e concentra-se no que acontece quando os mercados estão em equilíbrio e não nos que estão em estado de desequilíbrio.

A economia do bem-estar, de matriz utilitarista

4

, dominou a economia moderna

fomentando um comportamento autointeressado segundo critérios baseados na utilidade. A

referência a partir do que se poderia julgar o êxito das realizações é a soma total das

utilidades, as quais possuem valor intrínseco e são critério para a avaliação das ações

empreendidas e para a normatização da organização da sociedade e das relações entre os

diferentes atores sociais. O critério de decisão das ações ocorre considerando o conjunto total

das realizações empreendidas. (SEN, 1999).

O domínio da concepção utilitarista na reflexão filosófica e na organização da

sociedade foi criticado por Rawls (2000a, p. 24) por ocasião da publicação da obra Uma

4 Sen (2000, p. 77) sintetiza os principais fundamentos que compõem a tradicional reflexão utilitarista, destacando as características, os representantes e os critérios para a avaliação da justiça: “O utilitarismo tem sido a teoria dominante – e inter-adia, a teoria da justiça mais influente – há mais de meio século. A tradicional economia do bem-estar e das políticas públicas foi durante muito tempo dominada por essa abordagem, iniciada em sua forma moderna por Jeremy Bentham e adotada por economistas como John Stuart Mill, Willian Stanley Jevons, Henry Sidgwick, Francis Edgeworth, Alfred Marshall e A. C. Pigou. Os requisitos para a avaliação utilitarista podem ser divididos em três componentes distintos. O primeiro deles é o „consequencialismo‟ [consequencialism] – um termo nada simpático -, segundo o qual todas as escolhas (de ações, regras, instituições etc.) devem ser julgadas pelas consequências, ou seja, pelos resultados que geram. Esse enfoque sobre o estado de coisas consequente rejeita particularmente a tendência de algumas teorias normativas a considerar acertados determinados princípios independentemente de seus resultados. Na