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Licenciatura em Educação do Campo: nova graduação forjada pela construção coletiva

14 Programa Residência Agrária –

2.5. Licenciatura em Educação do Campo: nova graduação forjada pela construção coletiva

A Licenciatura em Educação do Campo foi fruto da construção coletiva para incidir sobre a constituição de um sistema público de Educação do Campo. Apresentamos as especificidades de sua construção no sudeste do Pará, como parte das ações do Frec, em sintonia com a construção realizada nacionalmente.

Santos (2012) apresentou que a criação da Coordenadoria de Educação do Campo foi em resposta a reivindicação da II CNER, em 2004, dentro da estrutura da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), criada em 2005 como parte da estrutura do MEC, no primeiro mandato do Governo Lula.Foi constituído um Grupo

de Trabalho Permanente de Educação do Campo, com a participação de representações das universidades federais através da UnB, do MST e da Contag, que tinham como função construir políticas permanentes para os povos do campo.

Em 2007, segundo Molina e Sá (2011) quatro universidades fizeram parte da experiência piloto de constituição da Licenciatura em Educação do Campo. Foram elas: UFMG, UFS, UFBA e UnB. As experiências foram sistematizadas na referida publicação.

Como resultado das ações desse Grupo de Trabalho Permanente, foi construído o Procampo, formulado pelo acúmulo da EdoC. O programa tinha como objetivo criar a Licenciatura em Educação do Campo para “promover a formação superior dos professores em exercício na rede pública das escolas do campo e dos educadores que atuam em experiências alternativas em Educação do Campo, por meio da estratégia de formação por área do conhecimento, de modo a expandir a oferta de educação básica de qualidade nas áreas rurais” (MEC, 2007).

A UFPA, Campus de Marabá, não participou da experiência inicial piloto, apesar do convite inicial, recebido pelo reconhecimento da sua atuação histórica, desde o Pronera. A decisão, em primeiro momento, em não constituir a Licenciatura em Educação do Campo na carta convite do MEC, como parte da experiência piloto foi uma tomada de forma coletiva, conforme apresentado no relato da representação do MST. Ela afirmou que: “a gente não aceitou!!!!”, a partir da avaliação realizada em reunião do coletivo do Frec:

Mas já acompanhava o processo aqui desde o início. Desde 2007, quando a universidade decidiu não abrir turma específica, naquela chamada carta-convite do MEC. Um ano depois a gente foi refletir melhor as nossas condições, correlação de força na universidade. Aí, dentro dessa avaliação, a gente não aceitou a carta convite, por entender que tínhamos ainda poucos elementos, mas a gente precisava construir um terreno, a gente chamava uma base para aí, no ano seguinte, entrar como curso, institucionalizado na universidade. Já entrar em um processo mais regular. Sem... a partir da experiência da carta convite, da deliberação do Seminário de Educação Básica, que deu conta e apresentou a demanda de um curso de Licenciatura para essa realidade do ensino da escola no campo, do ensino médio especificamente, com base em tudo isso, levando em consideração e as nossas demanda aqui na região [...]. (Pagu, representante da CPP, entrevistada em 12/02/ 2019).

No âmbito do Frec, a avaliação regional era a necessidade de avançar porque os cursos implicavam a apenas uma ou duas turmas ofertadas, mas não havia quadro docente permanente que possibilitasse a continuidade dos processos formativos após a finalização de cada curso, em formato de projeto financiado pelo Pronera, e a demanda de trabalho dentro da universidade, já que assumiam a formação, nos cursos aos quais eram vinculados institucionalmente.

A decisão de construir um curso institucionalizado também tinha motivação nos limites da gestão financeira dos cursos financiados pelo Pronera, desde os atrasos constantes nos recursos e a dificuldade em construir novas ações formativas, já que os professores estão atuando nos cursos regulares da instituição. Essa preocupação foi apresentada por Pagu:

[...] o curso tinha sido criado, para dar conta dessas demandas, já que a gente estava com fôlego pequeno para turma de Pronera, de dificuldade de recurso e ter turmas específicas, de abrir novas turmas e dos atrasos dos recursos, um monte de coisinha que estava acontecendo. E uma das avaliações que a gente teve no Frec, com a Universidade, é que a turma de Licenciatura era para dar conta desse sujeito, vinculados ao campo, aos movimentos (Pagu, representante da CPP, entrevistada em 12/02/ 2019).

Havia um acompanhamento do debate nacional, com as universidades que implantaram o projeto piloto e no debate regional, a partir da uma avaliação da conjuntura de expansão da universidade para a criação dessa graduação em Marabá. Essa decisão foi tomada em 2007:

Nós participamos!!! o Movimento Sem Terra a gente participou dessa tomada de decisão da Universidade na época, que foram com os professores que já tinham coordenado os cursos do Pronera: Letras, Pedagogia Agronomia. Então, a gente já tinha esse campo de debate e discussão, quando a UFPA, na época, recebe a carta convite do MEC para ser aquela experiência piloto, né, no Brasil, das licenciaturas, vivenciar esse processo. A UFPA, o Campus de Marabá, a equipe daqui, junto com os movimentos, a gente de fato, achou que precisava dá uma pensada melhor. E, no ano seguinte, foi exatamente no ano seguinte, aí já abriu o processo para a licenciatura. A expansão dentro da própria Universidade, como curso regular [...] A gente acompanhava enquanto o Fórum Regional de Educação, eu fazia parte das outras CPPs dos cursos do Pronera. A gente também já... ajudou então nesse processo de acompanhamento inicial da construção da (Pagu, representante da CPP, entrevistada em 12/02/ 2019).

A criação da Licenciatura em Educação do Campo era uma necessidade como política pública porque havia uma demanda crescente de formação na região. Na avaliação no âmbito do Frec, apenas as turmas vinculadas a projetos, submetidos ao Pronera, não eram mais suficientes para atender a demanda por formação docente, precisava ser incorporada pela universidade como uma ação permanente.

Em 2008, foi apresentada a demanda de criação dessa nova graduação, entregue diretamente ao reitor da UFPA, em exercício no período, em um seminário em Marabá, pelos movimentos sociais. Em resposta, a reitoria acenou com a possiblidade de implantação pelo Programa REUNI, que já previa a implantação de novos cursos na instituição.

A construção do PPP foi um debate também constituído coletivamente em 2008. No relato abaixo, uma docente apresenta que acompanhou esse processo pela sua participação no Frec, anterior a sua aprovação no concurso público:

[...] E aí, a partir do Território (projeto vinculado ao Incra), eu tinha acompanhado muita coisa, muitas discussões, inclusive eu participei do Fórum de Educação do Campo, das reuniões. Fiz apresentações em alguns eventos do Fórum, da experiência que eu tinha como os movimentos, né [...] Então, eu tinha sido convidada inclusive, para participar da construção, né! Eu me lembro de que eu participei das reuniões do Frec. Ficou uma equipe, eu e Fernando ficamos responsáveis por uma parte. Eu estava junto com Fernando, tinha a Bia também. Eu sei que foi dividido em grupo, não contribui muito, me afastei um pouco do processo de construção do PPC. Mas eu vinha acompanhando, como era que estava sendo construído. [Eu acho que foi quando tava envolvida no Território, foi no Território, que era muita coisa para acompanhar os bolsistas, escrever, pegar os dados e as oficinas que aconteciam, era muita coisa...] Eu acabei me afastando desse processo de produção do PPC. Mas ele mandava para mim os textos, eu acompanhava, lia ... Então, eu achava que podia contribuir mais nesse curso. E hoje eu vejo... que eu não faço a mesma coisa de uma academia. Eu gosto de fazer o que eu faço porque é um público que tem um potencial enorme de construção de um novo perfil de formação de professores (Miha, docente, entrevistada em 16 de fevereiro de 2019).

Outra docente que atuava como bolsista no curso de Letras Pronera na época de construção do PPC. Ela ressalta momentos de debates realizados em Marabá e em Belém, com o Fórum Paraense de Educação do Campo (Fpec):

A Licenciatura em Educação do Campo daqui, eu acompanhei toda a construção, enquanto bolsista do Pronera. Eu lembro que as primeiras reuniões era a professora N., o Z. P., o E. e o M.. Quando estava construindo a proposta, inclusive eu participei de um encontro, que teve em Belém, que o pessoal do grupo do Salomão Hage, realizaram. Estavam nessa ideia de construir as Licenciaturas em Educação do Campo na UFPA, aí eles organizaram um encontro para socializar as experiências de Licenciatura do Pronera e da Agronomia, né! (Eu acho que era a única que não era licenciatura). E eu fui para apresentar o curso de Letras, mas o foco não era esses cursos. Mas como esses cursos estavam colocando, trazendo elemento para pensar as áreas para essa Licenciatura em Educação do campo [que Abaetetuba estava construindo, Belém estava construindo e Marabá também]. Então, a Nilsa não pode ir, eu fui lá apresentar (Inês, docente, entrevistada em 18/02/2019).

A Licenciatura foi constituída na UFPA, desde o projeto inicial, para uma atuação interdisciplinar nas escolas do campo a partir de quatro áreas do conhecimento: Ciências Humanas e Sociais (CHS), Ciências Agrárias e da Natureza (CAN); Letras e Linguagem (LL) e Matemática (MAT). A decisão pela aprovação das quatro ênfases foi principalmente para enfrentar a problemática da falta de professores habilitados para atuar no Ensino Fundamental de 6º ao 9º ano no Ensino Médio na região; construindo a partir da formação na EdoC possiblidades de melhorar a qualidade da educação ofertada nas escolas do campo (SILVA, SOUZA E RIBEIRO, 2014). No processo de certificação da primeira turma do curso, as áreas do conhecimento passaram ser denominadas de “ênfases”, após o MEC abolir o termo habilitações.

Foi o acúmulo de experiência e do debate realizado nos cursos de Pedagogia, Letras e Agronomia, financiados pelo Pronera e organizados em Marabá, que subsidiou os debates

para construção do projeto formativo. Em específico, em relação à construção das quatro ênfases ofertadas na formação docente. Em relação à oferta da área da Linguagem, a docente Inês justifica sua existência, a partir do curso Letras Pronera. Ela afirma:

Então, desde o começo nos debates da construção do curso, eu estava junto. Inclusive eu sabia, que ia ser um diferencial a área de linguagens nesse curso daqui. [...] E aqui, a professora N. chamava a atenção, que um dos aspectos, que sempre se observa nas escolas do campo, é esse acesso à linguagem. Não só pela questão da informação da comunicação, mas pelas relações de poder que estão postas. E aí, que é importantíssimo ter um curso que discutir essas questões, que permite aos sujeitos do campo também se apropriarem disso e eles serem os docentes nessas áreas, né; porque pensar o ensino de línguas, as práticas de linguagem respectiva de compreender as relações de poder e da questão, não só de uma perspectiva de dialeto. Mas também de língua e poder, do que se define como língua, de quem determina o que é língua. Era necessário os sujeitos do campo, terem acesso... pensar a sua formação para superar a perspectiva de variação: _Não! È porque essa é assim e essa é diferente! Mas problematizar, porque o ser diferente me coloca em um lugar de desigualdade. Aí eu acompanhei isso, desde o começo, tanto que lá no IF (Instituto Federal de Marabá, através do Campus Rural), a Licenciatura que foi criada, que eu trabalhei, era só Ciências Naturais, Ciências Humanas e Matemática. Então, eu já sabia que aqui tinha um diferencial, por causa da própria proposta. Como ela foi construída! Não foi feito a partir do que se via lá fora. Mas tinha um grupo pensando aqui, esse grupo tinha pessoas de diversas áreas e problematiza várias questões (Inês, docente, entrevistada em 18/02/2019).

Entender as relações de poder em seus diferentes campos, bem como as possiblidades de enfrentamento a essas lógicas eram a base dos debates para a formação docente numa perspectiva interdisciplinar, que pudesse impactar sobre a forma e o conteúdo das escolas do campo.

A demanda por formação docente sempre foi um debate constituído concomitante com o debate do projeto de campo e de sociedade motivados pelo debate da Reforma Agrária e pelo modelo desenvolvimentista constituído em confronto com os povos do campo. No sudeste do Pará, os conhecimentos sistematizados no âmbito das ciências sociais produzidos a nível nacional sobre a região avaliavam como necessário que os agricultores compreendessem a formação regional e como as disputas no campo epistemológico, constituíam o arcabouço para a constituição das Ciências Humanas e Sociais.

Segundo Souza e Michelotti (2004) o campo das Ciências Agrárias foi potencializado na parceira histórica entre a universidade e movimentos sindical rural através do CAT, que resultou na criação dos cursos de Ensino Médio Técnico Agropecuário (EMEP) (2003- 2006/2006-2008) na Escola Família Agrícola (EFA) da região de Marabá, a e Agronomia e especializações no âmbito do Programa Residência Agrária e a constituição do Iala, específico com o MST.

Os debates sobre a matriz produtiva e tecnológica hegemônica, as bases do capitalismo no campo, baseada em monocultivos em larga escala para transformação em

commoditties, apenas de produtos com valor comercial para exportação, produzidos pelo

consumo intensivo de insumos e tecnologia importada, que exigia altos investimentos financeiros, no Brasil estruturado através de financiamentos públicos. Esse modelo em franca expansão transformou a agricultura em negócio, padronizando, eliminando a diversidade através da monocultura e do cultivo, mas deveria ser contraposto por outro projeto de campo.

Segundo Souza e Michelotti (2004) o trabalho nesse campo de formação das ciências agrária precisava avançar no referencial de uma matriz camponesa, tendo como princípios a agroecologia e a soberania alimentar potencializando as condições biofísicas do bioma amazônico.

Os autores apontam que esses debates só foram possíveis porque houve na região um avanço na regularização fundiária e certa estabilidade das famílias nas áreas rurais, que possibilitou uma maior complexificação dos sistemas produtivos, a circulação de alimentos nas feiras livres e nos mercados regionais com a criação de cooperativas, bem como fruto do acesso, mesmo que precário às políticas públicas tais como crédito, assistência técnica etc.

Desde a instalação dos agricultores nas áreas ocupadas, muitos assentamentos foram regularizados em áreas desmatadas, já com o sistema de pastagem implantado e com pouca área de floresta nativa. O debate em contraposição à hegemonia do projeto de exploração sob o lema “vocação do desenvolvimento sob a pata do boi” e o debate a partir de cultivos permanentes gerou a necessidade de sistematização e produção de técnicas de cultivo e criação utilizados por esses agricultores e, principalmente, a construção do debate no campo da agroecologia e da soberania alimentar.

Esses foram os debates de fundo para construção do trabalho com a área de ciências agrárias como parte da formação no Curso de Licenciatura em Educação do Campo. Para Santos e Michelotti (2004):

No caso do curso de graduação em Licenciatura em Educação do Campo desenvolvido pela Unifesspa/Campus Marabá, as ciências agrárias, juntamente com as ciências naturais, compõe uma das quatro áreas de conhecimento do curso. Assumindo-se um duplo objetivo ao se incorporar na LPEC essa área do conhecimento de Ciências Agrárias e da Natureza: viabilizar a temática das ciências agrárias na formação de professores para escola do campo e, ao fazer isso, imprimir- lhe uma perspectiva de manejo agroecológico dos recursos da natureza (2004, p. 160).

Outro campo do conhecimento que foi constituído enquanto curso no Campus Universitário de Marabá era o curso de Matemática. Havia uma contribuição de docentes

desse curso, esporadicamente, em cursos de formação financiados pelo Pronera. No entanto, enquanto área de conhecimento, não havia um acúmulo teórico com maior densidade do coletivo que participava do Frec. A defesa da inclusão no projeto como parte da constituição da Licenciatura em Educação do Campo foi justificada pelo direito dos agricultores aos conhecimentos sistematizados nesse campo, considerando a atuação dos egressos na formação dos jovens, e na constituição do sistema de ensino de toda a educação básica.

Para compreender o processo de institucionalização da Licenciatura em Educação do Campo pelos e com os povos do campo é necessária compreendê-la a partir da luta pelo direito a Educação e as estratégias construídas pelos movimentos social e sindical do campo que demandaram formação para as áreas de acampamento e assentamento. Essa luta instituiu as parcerias entre movimentos sociais do campo e docentes da universidade pública federal na formulação da política pública de Educação do Campo, gerada a partir de uma construção coletiva, que a vinculava a um projeto de campo e de sociedade.

A constituição do Frec, em 2005, para discutir as demandas e fortalecer os processos de luta pela constituição de um sistema de ensino da Educação do Campo, constituindo um espaço organizado com a participação ativa da Fetagri e do MST e de docentes da UFPA, através do Campus de Marabá para constituir os cursos no âmbito da formação docente e das ciências agrárias, avaliar e ressignificar a política pública, instituiu a Educação do Campo, considerando o projeto de desenvolvimento e os princípios formativos constituídos no acúmulo de experiências pedagógicas no Pronera.

A articulação em âmbito nacional a partir da constituição de um quadro normativo26 para dar suporte jurídico, desde a publicação das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica das Escolas do Campo em 2002, publicação de vários decretos até o Decreto nº 7. 352 de 04 de novembro de 2010, que institui a Política Nacional de Educação do Campo e o Pronera.

Santos (2012) afirma que houve uma participação efetiva na gestação, no conteúdo e forma da política que definiu a criação de um novo curso nas universidades, mas que os movimentos sociais não conseguiram realizar o controle social democrático da política, através do acompanhamento sistemático. No sudeste do Pará, o acompanhamento sistemático e o controle democrático permaneceram na parceria construída, sendo recriada a partir da construção de um projeto coletivo de formação como proponente da Licenciatura em Educação do Campo no âmbito do Frec.

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Os marcos normativos foram publicados pelo MEC, disponível no ,

3. PROCAMPO: A POLITICA DE EXPANSÃO E AS REPERCUSSÕES NA

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