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CAPÍTULO II – O COMBATE AO TERRORISMO AO LONGO DA HISTÓRIA

2.2 Liga das Nações

Apesar de ter ultrapassado seu auge, a onda anarquista continuou se manifestando durante o período entre guerras. Em 1934, por exemplo, foram assassinados o Rei Alexandre I, da Iugoslávia, o Ministro das Relações Exteriores francês, Louis Barthou, e o Chanceler austríaco, Engelbert Dolfuss. O foco de atenção da sociedade internacional, naquele momento, era essencialmente repressivo: como garantir que acusados de praticar atos de terrorismo fossem julgados e punidos? Afinal, os acusados de envolvimento nos atos que vitimaram Alexandre I e Louis Barthou buscaram refúgio na Itália, cujas cortes se recusaram a acatar o pedido de extradição francês (Saul, 2006, p. 79).

A resposta legal a esses atentados se organizou no seio da Liga das Nações, organização internacional constituída a partir do Tratado de Versalhes (1919). Considerando que as normas de Direito Internacional àquele momento não se mostravam suficientes para fazer frente à escalada do terrorismo internacional, decidiu-se, em dezembro de 1936, constituir um Comitê Internacional para a Repressão do Terrorismo. Tanto o Conselho, quanto a Assembleia da Liga das Nações investiram nesse comitê o poder e a responsabilidade para elaborar tratados internacionais que suprissem aquela lacuna (Sotille, 1938, p. 117).

O reconhecimento da necessidade de uma resposta internacional e multilateral para o fenômeno do terrorismo também ia além do ímpeto de se responder a atentados específicos. Diplomatas da época mostravam-se atentos à necessidade de se reconhecer ao terrorismo, diferentemente de outras condutas criminosas, um nível de reprovabilidade moral superior e um caráter essencialmente internacional. Também se manifestava a intenção de se fortalecer o dever de não intervenção dos Estados, que estariam proibidos de patrocinar ou oferecer refúgio a grupos terroristas, e a pretensão de evitar que institutos

tradicionais do Direito, como o princípio da não-extradição em crimes políticos e o asilo diplomático, fomentassem a impunidade (Saul, 2006, p. 83-88).

O resultado dos trabalhos daquele comitê foi a elaboração de dois projetos de convenções internacionais, os quais foram submetidos aos Estados-membros da Liga em uma conferência internacional em 1937. A Convenção Internacional para a Prevenção e Repressão do Terrorismo teve 24 signatários – apenas um dos quais, a Índia, viria a ratificá-la. Por essa razão, este tratado internacional nunca entrou em vigor. Ainda assim, serve de lição histórica sobre a dificuldade de se celebrar um tratado internacional amplo sobre o fenômeno do terrorismo.

Essa convenção assumiu a difícil tarefa de definir o que deveria ser entendido por terrorismo, concluindo pela seguinte definição: “atos criminosos direcionados contra um Estado, com a intenção de criar um estado de terror na mente de pessoas em particular, de um grupo de pessoas ou do público em geral” (Liga das Nações, 1937). De pronto, ficam evidentes algumas escolhas (políticas) feitas pelos signatários, como a exclusão de atentados contra entidades não-estatais do âmbito de alcance da convenção e a ênfase no elemento subjetivo, ou seja, na necessidade de que se confirme ser a intenção dos terroristas produzir terror – por mais tautológico que esse esforço se mostre.

Além dessa definição, aquela convenção previa também uma série de condutas que deveriam ser criminalizadas pelos Estados, como crimes contra pessoas internacionalmente protegidas (Chefes de Estado e de Governo, diplomatas etc.) e a destruição de propriedade pública. Foram instituídas obrigações relacionadas à prevenção ao cometimento de atos terroristas, como a necessidade de se controlar o comércio de armas de fogo, e a criminalização de atos preparatórios, como a falsificação de documentos. Outras obrigações se referiam ao objetivo de garantir a efetiva investigação e persecução criminal de acusados, como a adoção do princípio da universalidade da jurisdição estatal nos casos de terrorismo e o dever de cooperação internacional (Liga das Nações, 1937).

Muitos daqueles pontos que teriam motivado a elaboração de um tratado internacional sobre o tema continuaram indefinidos, frente à discordância dos Estados. O resultado eram normas legais vagas e imprecisas35. Por exemplo, Reino Unido, Noruega e Bélgica se mostraram reticentes quanto à eliminação do princípio da não-extradição em

35 Por exemplo, o art. 8 (4) afirmava “a obrigação de deferir o pedido de extradição sob o presente artigo

está sujeita a qualquer condição e limitação reconhecida pelo direito ou pelos costumes do Estado para que se faz a solicitação” (Liga das Nações, 1937).

casos de crimes políticos – preferiam preservar sua autonomia para definir o que constituía ou não crime político. Finlândia e Holanda, a seu turno, se manifestaram contra qualquer restrição ao direito de asilo.

O segundo projeto elaborado pelo Comitê Internacional de Repressão do Terrorismo gerou uma convenção internacional que pretendia criar um Tribunal Penal Internacional. Essa convenção teve apenas 13 signatários, nenhum dos quais a ratificou, razão pela qual o tribunal nunca efetivamente entrou em funcionamento. A ideia que embasava a criação deste tribunal era oferecer aos Estados uma alternativa para o julgamento de terroristas – evitando, assim, a impunidade. Tinha, portanto, caráter facultativo e subsidiário. Caso um Estado não pudesse ou não tivesse disposição para julgar um indivíduo acusado de praticar atos de terrorismo, como definido na Convenção Internacional para Repressão e Prevenção do Terrorismo, ou para extraditá-lo, poderia submetê-lo a um julgamento que seria realizado por esse tribunal (Sotille, 1938, p. 151). O fato de nenhuma das convenções internacionais sobre terrorismo ter ganho suficiente apoio não se deveu exclusivamente a questões pertinentes ao tema ou a desacordos específicos sobre o texto delas. Deve ser contextualizado no cenário mais amplo de ascensão das tensões que resultariam na eclosão da Segunda Guerra Mundial e dos problemas enfrentados pela Liga das Nações. Naquele momento, por exemplo, diversos países já haviam a abandonado, como Brasil, Itália, Japão e Alemanha. Outros, como Estados Unidos, não haviam sequer ingressado naquela organização. O espaço para cooperação, especialmente sobre um complexo tema de segurança internacional, nesse cenário, se mostrou extremamente reduzido.