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CAPÍTULO IV – RESISTÊNCIA EM AÇÃO: INICIATIVAS ANTERIORES PARA

4.8 Reforma do Código Penal

O atual Código Penal é dividido em duas partes: a Geral e a Especial. A Parte Geral, que contém as regras gerais de Direito Penal, foi reformada em 1984 enquanto a Especial, a qual lista todos os tipos penais, é de 1940. A partir da compreensão de que existe uma necessidade de readequar a legislação penal brasileira para o momento atual, já foram realizadas diversas iniciativas para elaboração de um novo Código Penal. A última delas teve início em 2011, com a instalação, pelo Senado Federal, de uma Comissão de Juristas, liderada pelo Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Gilson Dipp, encarregada de elaborar o anteprojeto desse novo código.

Essa comissão entregou, em 2012, um anteprojeto que passou a tramitar no Senado Federal com a designação de PLS 236/2012179. Esse anteprojeto continha, além de crimes contra a humanidade e crimes de guerra, um título referente a “Crimes contra a paz pública”, onde podia ser encontrado o crime de terrorismo, assim definido:

Art. 239 – Causar terror na população mediante as condutas descritas nos parágrafos deste artigo, quando:

I – tiverem por fim forçar autoridades públicas, nacionais ou estrangeiras, ou pessoas que ajam em nome delas, a fazer o que a lei não exige ou deixar de fazer o que a lei não proíbe;

II – tiverem por fim obter recursos para a manutenção de organizações políticas ou grupos armados, civis ou militares, que atuem contra a ordem constitucional e o Estado Democrático; ou

III – forem motivadas por preconceito de raça, cor, etnia, religião, nacionalidade, sexo, identidade ou orientação sexual, ou por razões políticas, ideológicas, filosóficas ou religiosas.

§1º Sequestrar ou manter alguém em cárcere privado;

§2º Usar ou ameaçar usar, transportar, guardar, portar ou trazer consigo explosivos, gases tóxicos, venenosos, conteúdos biológicos ou outros meios capazes de causar danos ou promover a destruição em massa;

178 Disponível em: < http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/116203>. Acesso em 01

jan. 2017.

179 Tecnicamente, a autoria dele foi conferida ao Senado José Sarney (PMDB-AP), Presidente do Senado

§3º Incendiar, depredar, saquear, explodir ou invadir qualquer bem público ou privado;

§4º Interferir, sabotar ou danificar sistemas de informática e bancos de dados; ou

§5º Sabotar o funcionamento ou apoderar-se, com grave ameaça ou violência a pessoas, de controle, total ou parcial, ainda que de modo temporário, de meios de comunicação ou de transporte, de portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, hospitais, casas de saúde, escolas, estádios esportivos, instalações públicas ou locais onde funcionem serviços públicos essenciais, instalações de geração ou transmissão de energia e instalações militares;

Pena – prisão, de oito a quinze anos, além das sanções correspondentes à ameaça, violência, dano, lesão corporal ou morte, tentadas ou consumadas. Pela técnica adotada, seria necessário o preenchimento de três requisitos: “causar terror”, a motivação (um dos incisos) e a conduta em si (um dos parágrafos). Ainda assim, a abstração de alguns destes requisitos ampliaria de forma significativa o escopo de atos que poderiam ser considerados terroristas. Marco Cepik alerta que, sob essa definição, a ocupação temporária e parcial de prédios públicos ou privados poderia ser caracterizada como terrorismo. Vai além, afirmando que “esse tipo de definição foi elaborado muito mais tendo em vista o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do que a Al Qaeda” (Cepik, 2004, p. 73-74).

O anteprojeto continha, também, dispositivo referente ao financiamento do terrorismo e uma cláusula excludente para retirar do âmbito de aplicação desse tipo condutas individuais e coletivas com propósitos reivindicatórios180.

Foi criada uma Comissão Especial, no Senado Federal, para analisar esse anteprojeto. Neste momento foram apensados ao PLS 236/2012 uma série de projetos com temas correlatos, inclusive dois sobre terrorismo que estavam tramitando naquela casa: o PLS 707/2011, de autoria do Senador Blairo Maggi (PR-MT), e o PLS 762/2011181, de autoria do Senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP). Merece mais atenção o segundo, justamente porque o Senador Aloysio Nunes seria o relator do PL 2016/2015 no Senado Federal. De acordo com a sua proposta, terrorismo consistiria em: “Provocar ou infundir terror ou pânico generalizado mediante ofensa à integridade física ou provação de liberdade de pessoa, por motivo ideológicos, religioso, político ou de preconceito racial, étnico, homofóbico ou xenófobo”.

180 “§7º Não constitui crime de terrorismo a conduta individual ou coletiva de pessoas motivadas por

propósitos sociais ou reivindicatórios, desde que os objetivos e meios sejam compatíveis e adequados à sua finalidade”.

181 Disponível em: < http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/103889>. Acesso em 31

A justificativa apresentada quando da introdução do PLS 762/2011 é completa e detalhada, traçando um histórico dos instrumentos internacionais referentes ao combate do terrorismo desde os esforços empreendidos pela Liga das Nações. Nota a incompatibilidade da Lei de Segurança Nacional com a ordem constitucional pós-1988 e a inadequação do seu dispositivo que faz referência ao terrorismo, motivo pelo qual o projeto previa, expressamente, a revogação da LSN, na sua integralidade. Demonstra, ainda, consciência em relação aos diversos tratados internacionais ratificados pelo Brasil sobre o tema, gerando “obrigação jurídica” para que seja regulamentado de maneira adequada.

Algumas das opções legislativas feitas também são dignas de nota. A escolha de não realizar a tipificação do terrorismo a partir da definição de organizações terroristas foi feita porque “as organizações e grupos podem ser de estrutura complexa e não se pode atribuir responsabilidade penal coletiva sem analisar o fato concreto”. A hipótese do terrorismo individual – o chamado “lobo solitário” – também é mencionada como justificativa. Reconhece-se também a possibilidade de o Estado ou um de seus agentes ser o autor de atos terroristas, prevendo, inclusive, aumento da pena nesses casos.

Antes de ser apensado ao PLS 236/2012, o PLS 762/2011 chegou a ser analisado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, recebendo parecer favorável do Senador Aécio Neves (PSDB-MG), que, contudo, não chegou a ser votado. No parecer, menciona-se a urgência em se tipificar o terrorismo, tendo em vista a realização dos grandes eventos no Brasil e a possibilidade real, sinalizada pela ABIN, de ocorrerem atentados no país.

Ao longo da tramitação na Comissão Especial, os dispositivos sobre terrorismo foram alvo de algumas discussões específicas, muitas das quais se repetiriam durante a tramitação do PL 2106. Foram empreendidas diversas tentativas de se retirar a cláusula excludente – apresentaram emendas nesse sentido os Senadores Sergio Souza, Thomaz Nogueira, Gim Argello, Ciro Nogueira e Aloysio Nunes (Barreto & Goerg, 2015, p. 82). Em sua justificativa para a retirada da excludente, o Senador Aloysio Nunes afirmava que “qualquer ação, seja ela reivindicatória, política ou social, mas que cause terror na população por meio de violência ou comportamentos equiparados, deve ser criminalizada e punida como ato de terrorismo”. Essa firme posição se repetiria durante as discussões do PL 2016.

A ENCCLA direcionou sua Ação 2 de 2013 para apresentar propostas de aperfeiçoamento a PLS 236/2012, especialmente nos temas de crimes contra a

administração pública, contra a ordem econômica, tributária e financeira, de terrorismo e seu financiamento e de lavagem de dinheiro. Antes mesmo, a ENCCLA e seus membros teriam assessorado a comissão de juristas que elaborou o anteprojeto, como afirma Bernardo Mota, que também integrou a ENCCLA como representante do COAF.

O relatório final daquela comissão, apresentado pelo relator, o Senador Pedro Taques (PDT-MT), alterou alguns pontos nos dispositivos do anteprojeto sobre terrorismo: introduziu-se a motivação de preconceito de origem, gênero e condição de pessoa idosa ou com deficiência, no inciso III; e introduziu-se a ameaça de morte ou lesão, no §1º. Mais importante, no entanto, é o que o substitutivo apresentado pelo Senador Pedro Taques eliminava a excludente, embora não faça menção expressa ao acolhimento de emenda nesse sentido ou mencione tal exclusão em um quadro comparativo do anteprojeto e do substitutivo apresentado.

Aprovado o relatório, em 19/12/2013, o substitutivo foi enviado para a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Lá, novamente os dispositivos referentes a terrorismo foram alvo de discussão. O Senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), por exemplo, apresentou emenda para retirar do projeto o artigo que tipificava o terrorismo. No relatório apresentado pelo Senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), em 17/12/2104, a excludente retornou ao texto, no mesmo formato do anteprojeto.

Há, em seguida, uma tentativa de se acelerar a tramitação do PLS 236/2012. Em 07/05/2015, foi apresentado, no Plenário do Senado, requerimento pedindo urgência na tramitação desse projeto. Esse requerimento, que pretendia abreviar a tramitação na CCJC e levar o PLS à votação no Plenário, foi aprovado por votação simbólica. Uma semana depois, no entanto, em 14/05/2015, foi apresentado e aprovado requerimento que extinguia a urgência, determinando que o projeto tivesse tramitação normal. O PLS 236/2012 continua em tramitação na CCJC.

Por conta do foco do trabalho, maior atenção foi conferida às discussões relativas ao terrorismo. A elaboração do novo Código Penal, todavia, traz diversas questões polêmicas à tona, como aborto, estupro, crimes ambientais, crimes hediondos, entre outros, razão pela qual sua tramitação é lenta. O terrorismo é apenas mais um dentre muitos pontos sensíveis.