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1. Da finalidade, das opções e do percurso da pesquisa

1.4. Limitação do campo de estudo

Para nos sentirmos individualmente responsáveis pelos resultados do estudo apresentados adiante não podíamos deixar de referir os aspectos que esta investigação deixa de parte, dada a natureza integradora da problemática em análise. Estamos cientes da grande complexidade que caracteriza a escola selecionada enquanto unidade social e objecto de pesquisa pelo que qualquer tentativa para desvendar todas as variáveis subjacentes à questão em apreço nos levaria para além dos limites do estudo. Partimos da convicção que esta limitação deveria transpor as nossas fragilidades físicas e psicológicas de forma a permitir-nos analisar todos os dados existentes sobre o fenómeno do individualismo e isolamento profissional na docência. Assim, e do ponto de vista científico e metodológico, achámos melhor confinarmo-nos aos tópicos em que estávamos realmente interessados em aprofundar e acerca dos quais tínhamos vindo a falar ao longo do estudo. Neste âmbito, procurámos enaltecer os pressupostos sobre as causas da solidão e do isolamento na cultura profissional docente, entre outros modos ou formas de individualismo. Para o efeito, seria necessário dispender um esforço intelectual acrescido para perspectivar a importância e o significado pedagógicos do trabalho cooperativo na acção docente. Embora tivéssemos algum conhecimento dos limites do estudo, ousámos delinear os pontos essenciais de análise sobre os quais pudémos debater, em certa medida, algumas considerações mais controversas da problemática em apreço. Deste modo, e com base nesta área chave de pesquisa, entendemos que é esta a razão pela qual insistimos em compreender o pensamento e as práticas dos professores no âmbito do tema em estudo. Em razão destes pressupostos, propomo-nos analisar adiante os dados recolhidos a partir de instrumentos metodológicos construídos, nomeadamente, os questionários, as entrevistas individuais e por focus group e as notas de campo enquanto instrumentos de registo. À luz destes instrumentos, e antes de prosseguirmos a discussão pormenorizada sobre os dados empíricos, entendemos esclarecer um aspecto geral da cultura de ensino na classe docente quanto à autonomia e à liberdade profissional do professor no exercício das suas funções didácticas e pedagógicas. Outro ponto importante desta discussão prende-se com a formação inicial, com a distorção de hábitos e de comportamentos dos professores no exercício da sua profissão, entre outros “mal-entendidos” atribuídos às culturas de ensino. Há que aduzir, assim, as razões históricas para o aparecimento e a prevalência de alguns “mitos” e verdades na cultura profissional docente, dada a influência inconsciente a que o professor está sujeito. Como vimos, os autores citados

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na revisão da literatura insistem, embora de diferentes maneiras e perspectivas, nas razões históricas, culturais e psicológicas que justificam o modus essendi e o modus faciendi dos professores enquanto profissionais do ensino. O discurso verbalizado de autores referidos na revisão bibliográfica, bem como as suas lógicas de pensamento levaram-nos a recentrar a atenção sobre duas vertentes mais enraizadas na cultura profissional docente, a saber:

a primeira, perspectivada através dos olhos da observação empírica que assinala a solidão profissional;

a segunda, perspectivada como uma concepção “mais utópica” do ponto de vista teórico-conceptual (a possibilidade de cooperação e de colaboração profissional na actividade docente).

O que nos interessou sublinhar é que, no que concerne ao objecto de estudo em si, o mesmo se afigura como uma tentativa de descrever a problemática do trabalho cooperativo na profissão docente e, nomeadamente, as relações socioprofissionais estabelecidas no seio do grupo disciplinar e nos conselhos de turma. Podemos, por ora, compreender a crescente importância atribuída aos pressupostos relativos à cultura profissional docente, o que nos levou também a questionar sobre a construção da identidade profissional do professor, o seu papel e estatuto enquanto profissional do ensino numa sociedade virada para os propósitos macroeconómicos, em detrimento dos valores sóciohistóricos e sóciofilosóficos que determinaram o ideal do ser humano como animal simbólico, na vertente social, política e religiosa. De acordo com esta última abordagem – “a identidade profissional do professor” – consideramo-la particularmente importante do ponto de vista teórico-conceptual, na medida em que nos deparamos com algumas limitações no que diz respeito à permeabilização discursiva acerca da problemática em estudo, em razão da dificuldade de serem discutidos os seus fundamentos e pressupostos a um nível mais alargado.

Assim, e para compreendermos a especificidade do trabalho docente num contexto mais restrito – a escola – legitimámos os aspectos em discussão sob a perspectiva do modelo ecológico do desenvolvimento proposto por Urie Bronfenbrenner (1979).22 Neste contexto, e face aos pressupostos de análise da problemática em estudo, ser-nos-á possível compreender a natureza da limitação da pesquisa contextualizada a um nível mais restrito – a escola – e a

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partir daí tornar inteligível a discussão sobre o sentido e o significado do trabalho cooperativo na profissão docente. Em termos globais, e na tentativa de atingir com rigor uma reflexão sobre o trabalho cooperativo na acção docente, valorizámos, desde logo, os comportamentos, os hábitos e as rotinas de trabalho implementados pelos professores a partir dos departamentos curriculares, dos grupos disciplinares e dos conselhos de turma. Começámos por situar a pesquisa no primeiro nível entendido como microssistema segundo Bronfenbrenner, referenciado aqui como sendo a escola onde decorre a investigação, por ser um contexto mais imediato e de maior proximidade entre os professores. Entendemos que o ambiente entre os professores não pode ser de total alheamento ou isolamento profissional, na medida em que as relações de trabalho exigem cooperação, entreajuda, troca de experiências, saberes e aprendizagens comuns, etc. Nas páginas seguintes, propomo-nos examinar e explicar os aspectos circunstanciais que caracterizam os fenómenos inerentes à cultura profissional dos professores através de um conjunto de comportamentos, de práticas e de experiências individuais e colectivas dos mesmos em contexto escolar.

Destacamos, sobretudo, a importância da formação de professores e da construção da sua identidade socioprofissional com base nas seis dimensões propostas por Nóvoa (1992:24):

no contexto ocupacional (desenvolvimento pessoal e social);

no âmbito da natureza do papel profissional (a construção da história de vida); no âmbito da competência profissional (desenvolvimento profissional);

no âmbito do saber profissional (as experiências pedagógicas);

no âmbito da natureza e aprendizagem profissional (a dialéctica do saber); no âmbito do currículo e da pedagogia (correlação ensino-aprendizgem).

Estes aspectos definem e caracterizam a identidade profissional do professor na sociedade contemporânea, cientes de que, neste quadro de análise, tudo pode estar relacionado com as suas escolhas, opções, histórias e percursos de vida. Jacinta Moreira (2010) faz uma descrição sumária sobre o trabalho profissional do professor e descreve pontualmente a identidade profissional de ensino. Para a autora (obra citada, p. 23) “a sociedade actual atravessa profundas transformações que têm exigido o reequacionar do papel tradicional da escola e requerem a reestruturação dos processos de ensino e de aprendizagem; neste sentido, a construção da identidade profissional se faz, também, a partir do sentido que o profissional confere ao seu trabalho, das suas crenças e motivações, das suas disposições pessoais, de tudo

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o que se constitui como lugar de afirmação do que se quer, do que não se quer e do que se pode, enquanto professor”.