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2.3 Interdisciplinaridade

2.3.2 Limitações e dificuldades na prática interdisciplinar

Estabelecer novas práticas, pondo-as em uso, validando-as como certas de sucesso não é das tarefas mais fáceis, principalmente quando isto envolve o interesse de indivíduos envolvido no processo. Quando se fala em interdisciplinaridade, entende-se que para que ela exista é necessário o engajamento e desprendimento dos mais diversos ramos de atividade profissional e institucional existentes dentro de um curso de nível superior. Deve-se estar preparado inicialmente, para lidar com problemas relacionados ao poder que é conferido ao professor de cada disciplina, sabendo que tal poder, está ligado à certeza que o docente tem de que seu conhecimento é o que basta para ensinar e que sua disciplina não necessita estar a serviço ou ser servida por outras disciplinas.

Vasconcelos (2002, p. 115), esclarece o

processo de inserção histórica na divisão social e técnica do trabalho e da constituição dos saberes enquanto estratégia de poder: cada profissão, antes de sua formalização, foi se inserindo no mercado de trabalho gradativamente, conquistando espaço, sistematizando técnicas e saberes, reproduzindo verdades e rituais de poder, mostrando sua eficácia e se legitimando perante a sociedade.

O que ocorre a primeira vista é um impacto no sentido de repelir estas novas práticas em função de haver uma necessária invasão de seu terreno de conhecimento específico pela exigência do entrelaçamento com outras disciplinas. O professor que esteve preparado para lecionar sua cadeira única e exclusivamente em função do seu conhecimento específico adquirido, se vê tendo que além de aprender e reaprender sua maneira de ensinar, lançando mão de outras técnicas de ensino a fim de tornar sua aula antes autoritariamente individualista, num campo vastamente aberto ao conhecimento globalizado.

Isto acaba por dificultar a inserção da interdisciplinaridade visto que os professores presentes na universidade hoje, falando especificamente dos que ministram aulas nos cursos de contabilidade, não possui em sua formação profissional a visão interdisciplinar, ainda são da formação disciplinar desvinculada das demais disciplinas, dificultando assim sua percepção da gama de possibilidades que se abrem com esta nova metodologia.

Outra dificuldade sentida e citada por Vasconcelos (2002, p.115) está ligada ao poder que socialmente são atribuídos a cada profissão:

a formalização das profissões é acompanhada por um reconhecimento de reivindicações de um saber e competência exclusivos, no qual as esferas dominantes daquela sociedade particular ou o Estado atribuem um mandato social para tomar decisões, realizar tarefas específicas, controlar recursos e para atribuição de responsabilidade legal em caso de problemas, cristalizando um patamar próprio de divisão social e técnica do trabalho. E ainda se apresentam outras dificuldades às práticas interdisciplinares presentes na vida em sociedade e que refletem sua luz diretamente para dentro da universidade não como força política, mas como influência psicológica, visto que nada impede o indivíduo/professor de abrir sua perspectiva educacional para novos experimentos comprovadamente benéficos.

(1976, p. 94) afirma que

o especialista, na medida em que sua especialidade se transforma cada vez mais em fortaleza, dá curso à sua vontade de poder e de dominação. Sob pretexto de divisão do trabalho, cada um defende suas posições contra todos os inimigos de fora e de dentro. [...] ao cantonar-se em sua diminuta parcela do saber, ciumentamente defendida e protegida por uma aparelhagem técnico-metodológica e por uma linguagem hermética, o especialista escapa ao controle, ao confronto, à crítica e a todos os questionamentos que viriam talvez desmascarar a nulidade de seu pequeno “iceberg” de saber flutuando num vasto oceano de ignorâncias.

Vasconcelos (2002) cita então duas outras dificuldades encontradas no caminhar interdisciplinar nas universidades, partindo das organizações sindicais, associações e conselhos profissionais, cabendo a estes restringir os campos de atuação do profissional da área, exercendo controle ético sobre suas atitudes e formação. Outra dificuldade está ligada a questão cultural, na qual os indivíduos assumem identidade social específica de cada profissão, o que lhes impede de enxergar possibilidades de crescimento com a prática interdisciplinar.

Notoriamente, Japiassu (1976, p. 100) acrescenta que

outro obstáculo ao interdisciplinar, não menos importante, é constituído: de um lado, pela resistência do corpo docente, situando-se cada professor numa região bem determinada e autônoma do saber; do outro, pela inércia do corpo discente, sentindo-se os estudantes muito mais à vontade e em maior segurança diante de um saber bem definido e delimitado, de um saber que não dá margem a uma interrogação sobre o saber.

Ou seja, o indivíduo por sua natureza é resistente a mudanças, é acomodado e tudo o que “ameaça” sua condição estável, por ele é rejeitado. Neste caso, tudo o que ameaça a posição de detentor do saber seguro e imutável ao professor, é motivo de rejeição; ao aluno, tudo o que representar risco ao seu desempenho seguro e acomodado também é muitas vezes renegado.

Há também problemas voltados a natureza da pesquisa interdisciplinar, onde se observam dificuldades em se organizar grupos de pesquisadores de diversas áreas, cujo conhecimento ou o olhar para um determinado objeto de estudo gera interpretações distintas. Assim, numa pesquisa científica, é importante se ter

bem traçadas as metas a serem atingidas vinculadas à questão do tempo disponível para desenvolvimento e conclusão desta. Tal variável é ainda mais considerável à medida que se torna trabalhosa a tarefa de sincronização das interpretações e olhares diferentes dos pesquisadores para o objeto em estudo.

Teixeira (2004, p. 61) aponta

duas dificuldades centrais na comunicação interdisciplinar: as diferentes compreensões e conceitos que são mobilizados e as diferenças de escala de análise na observação dos fenômenos sociais e naturais do ponto de vista do tempo e do espaço.

Assim, se não houver um bom planejamento envolvendo ações organizacionais em função da compilação dos diferentes dados obtidos na pesquisa, tanto menos haverá produção coerente e merecedora de aval científico. Por tanto, a dificuldade consiste principalmente em saber conduzir a pesquisa de modo a obter interpretações referenciadas em conceitos já existentes, organizados e entendidos de maneira coerente por cada área do conhecimento envolvida na pesquisa, representada por indivíduos.

Cabe também esclarecer dificuldades epistemológicas, existentes nessa caminhada interdisciplinar, uma vez que cada disciplina em sua individualidade apresenta características a serem respeitadas. O fato de cada área do saber ser precursora de teorias próprias e individuais é importante considerar como diz Fazenda (1995, p. 33) “a verdade e a relatividade de cada disciplina, tendo em vista um conhecer melhor; nesse sentido, a eliminação das barreiras entre as disciplinas exigiria a quebra da rigidez das estruturas institucionais.” Interdisciplinaridade tem portanto, como princípio imutável conforme ainda a autora Fazenda (1995, p. 33) “caracterizar-se pela intensidade das trocas entre os especialistas e pela integração das disciplinas num mesmo projeto de pesquisa”, considerando os aspectos epistemológicos que garantem a autoridade de cada disciplina. Pode-se dizer que

ela não é um método fechado em si mesmo, servindo somente de ferramenta para o ensino, nem um processo por meio do qual se traça unicamente uma caminhada pedagógica, assim sendo, conforme Fazenda (1999, p. 34) “um movimento ininterrupto, criando e recriando outros pontos para a discussão”, é enfim, uma teoria em constante movimento de construção e reconstrução, respeitando sua essência fundamentada na idéia da integração das disciplinas.

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