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3.2 Tipos de poder constituinte

3.2.2 Poder constituinte derivado

3.2.2.3 Limitações ao poder constituinte derivado

3.2.2.3.1 Limitações expressas

O poder constituinte originário fez constar expressamente na Constituição algumas regras que o poder reformador deve obedecer irrestritamente, sob pena de a eventual mudança ser declarada inconstitucional e se tornarem imprestáveis as modificações realizadas.

Várias são as restrições que podem obstar as reformas. Mencionemo-las para a melhor compreensão sobre o tema.

A primeira restrição corresponde às limitações temporais, inexistentes no texto constitucional brasileiro de 1988, mas presentes na CRP, em seu artigo 284.º85. Essas limitações consistem em limites construídos no intuito de impedir alterações na Constituição durante um certo período de tempo, a fim de que seu regramento (inicial ou último) se consolide, para depois as mudanças serem formadas.86

85 “Título II, Revisão constitucional, Artigo 284.º (Competência e tempo de revisão), 1. A Assembleia da República pode rever a Constituição decorridos cinco anos sobre a data da publicação da última lei de revisão ordinária. 2. A Assembleia da República pode, contudo, assumir em qualquer momento poderes de revisão extraordinária por maioria de quatro quintos dos Deputados em efectividade de funções.” (Constituição da República Portuguesa (1976), Diário.)

86 Sobre a importância do tempo no processo de reforma, RICHARD ALBERT afirma que não podemos entender as mudanças constitucionais sem investigar sua relação com o tempo, pois, além dos textos constitucionais trazerem essas limitações temporais quanto ao tempo, o próprio texto reformado, na maioria das vezes, também apresenta especificações sobre condições ligadas ao tempo. (RICHARDALBERT, Temporal Limitations in Constitutional Amendment, March. 21, rev. Dec. 14, 2016, in, 21 Review of Constitutional Studies, n.º 37, issue 1, pp. 37-62, postado em: Mar. 19, 2016, rev. Sep. 14, 2017, artigo de estudos jurídicos da Faculdade de Direito de Boston College n.º 390, p. 38 ss., pesquisável em:

A segunda restrição corresponde às limitações materiais. Elas proíbem a alteração de determinado assunto que a Constituição visa proteger. Podemos citar, como exemplo, a norma presente na CRFB, no §4.º do seu artigo 6087, onde estão disciplinadas algumas matérias – como a forma federativa do país, os direitos e as garantias individuais, a separação de poderes e o voto secreto, universal e perioódico – que a CRFB intitula como cláusulas pétreas88 e, dado isto, proíbe, literalmente, que sejam abolidas por reforma emendacional ou, implicitamente, por quaisquer mecanismos do poder constituinte derivado.

Na Constituição da República Portuguesa, em seu artigo 288.º, está disciplinado os limites materiais da alteração constitucional, sendo eles: a independência nacional e a unidade do Estado; a forma republicana de governo; a separação das Igrejas do Estado; os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos; os direitos dos trabalhadores, das comissões de trabalhadores e das associações sindicais; a coexistência do sector público, do sector privado e do sector cooperativo e social de propriedade dos meios de produção; a existência de planos económicos no âmbito de uma economia mista; o sufrágio universal, direto, secreto e periódico na designação dos titulares eletivos dos órgãos de soberania, das regiões autónomas e do poder local, bem como o sistema de representação proporcional; o pluralismo de expressão e organização política, incluindo partidos políticos, e o direito de oposição democrática; a separação e a interdependência dos órgãos de soberania; a fiscalização da constitucionalidade por ação ou por omissão de normas jurídicas; a independência dos tribunais; e a autonomia das autarquias locais e a autonomia político-administrativa dos arquipélagos dos Açores e da Madeira.89

Observe que toda proteção garantida à matéria constitucional justifica-se pela necessidade de preservar a identidade básica do projeto constitucional, assegurando a manutenção da essência da Constituição e do núcleo de decisões políticas e de valores fundamentais que legitimaram sua criação.90

87 “Subseção II, Da Emenda à Constituição, Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: [...] §4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais.” (Constituição da República Federativa do Brasil (1988), Diário.)

88 Vale dizer que a limitação material ao poder derivado têm sido muito discutida nos últimos anos. Diante do estado de crise, os poderes, seja Executivo, Legislativo e o Judiciário, no intuito de voltar ao estado de normalidade, tem colocado essa restrição de lado. Mais à frente, exemplificaremos, através da implantação da execução provisória antes do trânsito em julgado, a posição do STF, quando a situação de crise exige uma mudança constitucional.

89 Constituição da República Portuguesa (1976), Diário.

90 As emendas que afetam ou violam determinadas matérias não passíveis de alteração, podem ser consideradas inconstitucionais, por estar em contradição com o texto constitucional vigente. (YANIV ROZNAI, Towards a theory of unamendability, June, 2015, in, New York University Public Law and Legal Theory Working Papers, n.° 515,

Em continuidade, a terceira restrição corresponde às limitações circunstanciais, as quais proíbem qualquer alteração no texto constitucional quando houver circunstâncias anormais e excepcionais. Essa restrição visa preservar a autonomia e a livre manifestação do poder reformador, evitando que maiorias ocasionais destruam o projeto constitucional, diante de contingências de crise, com transformações precipitadas e impensadas da Constituição. Como exemplo podemos citar o artigo 60, §1.º, da CRFB, que veda a modificação da Constituição na vigência de estado de sítio, de estado de defesa e de intervenção federal.91

A quarta restrição corresponde às limitações formais, que se baseiam na rigidez constitucional, exigindo, para a alteração de dispositivos constitucionais, um procedimento mais solene e dificultoso que o próprio para a alteração de normas ordinárias. Neste caso, a alteração constitucional deve observar todo o procedimento exigido na Carta Magna. Assim o processo legislativo deve observar também os limites formais, que se subdividem em limitações formais subjetivas e limitações formais objetivas92.

O caput do artigo 6093, ora previsto na CRFB, é um dispositivo cuja leitura facilita a compreensão sobre a limitação formal subjetiva, apresentando os legitimados a propor emenda constitucional. Observa-se nesse dispositivo que o texto constitucional apresenta de forma organizada e restrita as pessoas que poderão propor a mudança constitucional através da Proposta de Emenda Constitucional (doravante PEC), a qual, portanto, dar-se-á mediante iniciativa:

a) de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;

b) do Presidente da República; ou

pp. 1-60, artigo de estudo jurídico da Universidade de Direito de New York, p. 4, pesquisável em:

http://lsr.nellco.org/nyu_plltwp/515/.)

91 “Subseção II, Da Emenda à Constituição, Art. 60. […] §1º A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio.” (Constituição da República Federativa do Brasil (1988), Diário.) Outro exemplo de limitações circunstanciais à reforma está previsto na CRP, que, em seu artigo 289.º, estabelece que, na vigência de estado de exceção, não poderá haver qualquer alteração no texto constitucional: “Artigo 289.º (Limites circunstanciais da revisão) Não pode ser praticado nenhum acto de revisão constitucional na vigência de estado de Sítio ou de estado de emergência.” (Constituição da República Portuguesa (1976), Diário.)

92 Os limites formais na Constituição da República Portuguesa estão elencados nos artigos 285.º a 287.º, com o seguinte texto: “Artigo 285.º (Iniciativa da revisão) 1. A iniciativa da revisão compete aos Deputados. 2. Apresentado um projeto de revisão constitucional, quaisquer outros terão de ser apresentados no prazo de trinta dias. Artigo 286.º (Aprovação e promulgação) 1. As alterações da Constituição são aprovadas por maioria de dois terços dos Deputados em efetividade de funções. 2. As alterações da Constituição que forem aprovadas serão reunidas numa única lei de revisão. 3. O Presidente da República não pode recusar a promulgação da lei de revisão. Artigo 287.º (Novo texto da Constituição) 1. As alterações da Constituição serão inseridas no lugar próprio, mediante as substituições, as supressões e os aditamentos necessários. 2. A Constituição, no seu novo texto, será publicada conjuntamente com a lei de revisão.” (Constituição da República Portuguesa (1976), Diário.)

c) de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. Atente-se que o citado dispositivo apresenta exigências quanto à qualidade dos proponentes de EC e à quantidade (quórum) de membros das casas legislativas, isto por se pressupor, por exemplo, que a concordância de um terço dos legisladores dificultaria a propositura de PECs desnecessárias. Nesse mesmo sentido, por se entender que a restrição quanto às pessoas protegeria os direitos fundamentais, o constituinte permitiu que o Presidente da República pudesse também propor a reforma constitucional através da PEC.

Voltando a classificação das restrições, as limitações formais objetivas visam dificultar o processo de modificação do texto constitucional por meio da relação de procedimentos que deverão ser rigorosamente seguidos.

Seguindo o texto constitucional brasileiro (§2.º do artigo 60), que diz quanto à proposta de emenda constitucional: “a proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros”; percebe-se que o procedimento exigido para a aprovação da PEC é um ato complexo, que dificulta a desordem constitucional, porque exige maiores quórum e quantidade de turnos de votação que aqueles próprios do processo legislativo ordinário.

Com isso, após se analisar as limitações expressas do poder constituinte derivado e se confirmar a constatação de que as normas constitucionais, dotadas de soberania, são essenciais para se garantir a ordem de um Estado, é possível concluir pela necessidade de se estabelecer limites que evitem possíveis desvios de finalidade e de arbitrariedade no exercício desse poder.