2.2 CARACTERIZAÇÃO DA COISA JULGADA
2.2.6 Limites objetivos e subjetivos
A autoridade da coisa julgada só opera relativamente àquilo que constituiu o assunto da sentença (CHIOVENDA, 1998, p. 493), confinando a extensão do caso julgado a limites. Em relação a esse alcance, urge entender qual parte do pronunciamento judicial forma a coisa julgada (limites objetivos).
De início, ratifique-se que a sentença deverá apresentar em seu conteúdo um silogismo lógico, consistente em relatório, fundamentação e dispositivo, conforme prevê o art. 458 do Código Processo Civil. Porém, nem tudo o que disposto estiver no discorrer da sentença fará coisa julgada, sendo necessário avaliar o que realmente ficará abrangido por aquela autoridade.
Tal alcance encontra amparo no art. 468 do Código de Processo Civil, que preconiza que a sentença transitada em julgado tem força de lei “nos limites da lide e das questões decididas.” Interpretando esse dispositivo é razoável entender que será na conclusão da sentença que o juiz decide a lide, acolhendo ou rejeitando o pedido, razão pela qual o dispositivo se tornará firme e imutável por força da coisa julgada. Preleciona José Arnaldo Vitagliano (2005, p. 61):
O que faz coisa julgada material é o dispositivo da sentença, a sua conclusão. Pode- se dizer que a coisa julgada se restringe à parte dispositiva da sentença; a essa expressão, todavia, deve dar-se um sentido substancial e não formalista, de modo que abranja não somente a parte final da sentença, mas também qualquer outro ponto em que tenha o juiz eventualmente provido sobre os pedidos das partes.
A coisa julgada incidirá no comando, porque é nesse ponto que ocorre a atividade jurisdicional propriamente dita, quando se realiza o juízo de subsunção, criando uma lei ao caso concreto.
Por outro rumo, no relatório e na fundamentação não há certificação por parte do magistrado da vontade do direito que incide sobre o caso concreto, ou seja, não há julgamento propriamente dito, podendo ser rediscutidos em outro processo (GONÇALVES, 2008, p. 250).
Corrobora com essa afirmação o art. 469 do Código de Processo Civil, ao indicar que a coisa julgada não abrangerá os motivos, ainda que relevantes para o julgamento, a verdade dos fatos e a apreciação da questão prejudicial, salvo se essa for decidida incidentalmente (BRASIL, 2010).
No tocante aos motivos, eles não serão acobertados pela coisa julgada porque auxiliam o esclarecimento da decisão, mas não alteram o seu conteúdo (CAMPOS, 1988, p. 26). Propugna Humberto Theodoro Júnior (2005, p. 537):
Os motivos, ainda que relevantes para fixação do dispositivo da sentença, limitam-se ao plano lógico da elaboração do julgado. Influenciam em sua interpretação mas não se recobrem de manto de intangibilidade que é próprio da res iudicata. O julgamento, que se torna imutável e indiscutível, é a resposta dada ao pedido do autor, não o “porquê” dessa resposta.
Os motivos, portanto, auxiliam a elucidar o pronunciamento, podem mesmo determinar o entendimento do dispositivo, porém, não farão coisa julgada.
A verdade dos fatos se torna temerária na medida em que um fato tido como verdadeiro em um processo poderá ser a inverdade comprovada em outro, sem que isso obste a coisa julgada firmada na primeira relação. Ademais, a verdade fática resulta da apreciação das provas, sendo inserida entre os motivos da decisão, e, por isso, não é abrangida pela coisa julgada (THEODORO JÚNIOR, 2009, p. 539).
Por último, as questões prejudiciais também não farão coisa julgada:
A decisão de tais questões não faz coisa julgada, quando feita incidentalmente no processo, ou seja, quando proferida como motivação da sentença. Por outras palavras, se a resolução da questão prejudicial se dá apenas como preparação lógica da sentença, não fará coisa julgada, tomando a natureza jurídica e a eficácia de motivo da sentença. (AMARAL, 2008, p. 69).
Porém, se tais quesitos forem provocados e decididos em ação declaratória incidental, farão coisa julgada, por força do art. 470 do Código de Processo Civil.
De toda forma, somente se submeterá à coisa julgada material a norma jurídica concreta situada na parte dispositiva da sentença decorrente da atuação da jurisdição que julga, de forma profunda e exauriente, a questão principal posta na demanda. Daí deduzir Giuseppe Chiovenda (1998, p. 495):
Em conclusão: objeto do julgado é a conclusão última do raciocínio do juiz, e não as premissas; o último e imediato resultado da decisão, e não a série dos fatos, das relações ou dos estados jurídicos que, no espírito do juiz, constituíram os pressupostos de tal resultado.
Tem-se, pois, delineados os limites objetivos da coisa julgada. Passa-se à análise de seus limites subjetivos.
Na temática do alcance subjetivo cumpre examinar se seus efeitos atingem somente as partes da relação processual ou é extensível a terceiros. Por força de imperativos de ordem técnica e natureza política, os sujeitos que suportarão a coisa julgada serão apenas as partes, com fulcro no art. 472 do Código de Processo Civil.
Comentando o mencionado artigo, Moacyr dos Santos Amaral (2008, p. 72) explica que o motivo de somente sobre as partes incidirem os efeitos da coisa julgada reside no fato que os terceiros não participaram da relação processual. Comentando também o tema José Rogério Cruz e Tucci (2006, p. 39):
Não integrando o contraditório, não é titular de poderes, faculdades, ônus, deveres e sujeição próprios das partes. Ora, por não terem participado dos atos que precedem e preparam o julgamento final, os terceiros não podem sofrer os efeitos da sentença de mérito e muito menos se vincularem à coisa julgada material.
Resta claro que o art. 472 do Código Processo Civil ao excluir o terceiro da incidência da coisa julgada, trouxe como pano de fundo a inspiração nas garantias constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, afinal, somente as partes deduziram em juízo e instigaram a resposta jurisdicional (AMORIM, 2010, p. 86- 87).
Isto não significa que os terceiros possam ignorar a coisa julgada (THEODORO JÚNIOR, 2009, p. 533), pois, como observa Giuseppe Chiovenda (1998, p. 499-500) “como todo o ato jurídico relativamente às partes entre as quais intervém, a sentença existe e vale com respeito a todos, e continua: “todos, pois, são obrigados a reconhecer o julgado entre as partes; não podem, porém, ser prejudicados”.
Destarte, o que todos devem respeitar é a eficácia natural da sentença, tendo em vista que essa se projeta de maneira inter partes. Entretanto, existe a exceção consistente na coisa julgada ultra partes:
A coisa julgada ultra partes é aquela que atinge não só as partes do processo, como também determinados terceiros. Os efeitos da coisa julgada estendem-se a terceiros, pessoas que não participaram do processo, vinculando-os. Pode ocorrer em inúmeras hipóteses. São exemplos os casos de substituição processual em que o substituído, apesar de não ter figurado como parte na demanda terá sua esfera de direitos alcançados pela coisa julgada. (DIDIER JÚNIOR; OLIVEIRA; BRAGA, 2007, p. 488).
Portanto, tratando a sentença de ato emanado do poder estatal, apresentará eficácia erga omnes, porém seus efeitos serão imutáveis apenas inter partes (AMORIM, 2010, p. 98), salvo as exceções acima apontadas.