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Coisa julgada inconstitucional

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JÉSSICA GONÇALVES

COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL: UMA LEITURA EM TORNO DOS INSTRUMENTOS PROCESSUAIS DE IMPUGNAÇÃO

Palhoça 2011

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JÉSSICA GONÇALVES

COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL: UMA LEITURA EM TORNO DOS INSTRUMENTOS PROCESSUAIS DE IMPUGNAÇÃO

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Zênio Ventura, Esp.

Palhoça 2011

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JÉSSICA GONÇALVES

COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL: UMA LEITURA EM TORNO DOS INSTRUMENTOS PROCESSUAIS DE IMPUGNAÇÃO

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado à obtenção do título de bacharel em Direito e aprovado em sua forma final pelo Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Palhoça, 10 de junho de 2011.

_________________________________________ Prof. e orientador Zênio Ventura, Esp. Universidade do Sul de Santa Catarina

_________________________________________ Profa. Patrícia Russi

Universidade do Sul de Santa Catarina

_________________________________________ Prof. Pedro Adilão Ferrari Junior

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL: UMA LEITURA EM TORNO DOS INSTRUMENTOS PROCESSUAIS DE IMPUGNAÇÃO

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico e referencial conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Sul de Santa Catarina, a Coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de todo e qualquer reflexo acerca desta monografia.

Estou ciente de que poderei responder administrativa, civil e criminalmente em caso de plágio comprovado do trabalho monográfico.

Palhoça, 10 de junho de 2011.

_____________________________________

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AGRADECIMENTOS

A finalização de uma etapa acadêmica pressupõe a construção de um conteúdo de sabedoria, porém, além da formação do conhecimento teórico e prático, não se pode esquecer que esse caminho somente é possível mediante o auxílio de determinadas pessoas.

Assim, na medida da capacidade temporal, emocional e profissional, acredito que cada indivíduo a qual agradecerei contribuiu de forma ímpar para a formalização desse trabalho monográfico.

Dessa forma, gostaria de agradecer a fé em Deus, a qual me permitiu, ante todas as turbulências enfrentadas durante o curso, encerrar a primeira etapa dos meus objetivos.

Ao meu espelho, meu pai Jorge Henrique Gonçalves, por ser um crítico incansável dos meus projetos profissionais e emocionais e por me ajudar incondicionalmente em todos os momentos da minha vida.

Ao meu reflexo, minha mãe Rosilú Cachoeira Gonçalves, que me ensinou tantos dos predicados que hoje eu possuo e pelas doses certas de carinho e dedicação durante a minha vida.

Ao meu professor orientador, Zênio Ventura, pela paciência e solicitude proporcionadas durante as reuniões monográficas, bem como pelas críticas construtivas que acrescentaram imensamente na elaboração do presente estudo.

Ao meu vizinho e colega de pós graduação, D`Artagnan Camargo Martins, pelas inúmeras e profícuas conversas que auxiliaram no resultado desta pesquisa.

Aos meus colegas e companheiros do Curso de Direito, especialmente Diliene de Sá Souza e Jorge Luiz da Cruz e a minha amiga inseparável Carolina Quintana Guedes pelas palavras atenciosas de incentivo e gestos de conforto.

Por fim, agradeço aos professores da graduação por me oferecerem os elementos necessários para alimentar o meu sentimento de ser uma eterna acadêmica.

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RESUMO

A presente monografia tem como escopo estudar os instrumentos processuais colocados à disposição do jurisdicionado para o fim de impugnar a coisa julgada inconstitucional. Dessa forma, ao partir de uma técnica interpretativa, o trabalho realizado apresenta o conceito de coisa julgada inconstitucional, sendo assim entendida como a sentença transitada em julgado fundada em lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal no controle concentrado de constitucionalidade, com efeito ex tunc, que, por consequência, vicia a coisa julgada dela decorrente. Tendo em vista a inconstitucionalidade que se sobrepõe à coisa julgada, acarretando sua incompatibilidade com a Constituição Federal, mister desconsiderá-la, afastando, excepcionalmente, o princípio da segurança jurídica em razão da necessidade dos atos judiciais estarem em conformidade com a Carta Magna. Assim, partindo da premissa da possibilidade de expurgar do ordenamento jurídico a coisa julgada inconstitucional, é que se analisa como remédios hábeis a sua desconstrução a ação rescisória enquanto não escoado o prazo de dois anos para a sua propositura, as ações declaratórias que podem ser ajuizadas sob qualquer lapso temporal, a impugnação ao cumprimento de sentença e os embargos à execução contra a Fazenda Pública cabíveis ainda na fase executória e o mandado de segurança, que embora restrito por critérios sumulares, permanece como meio colocado à disposição do cidadão ante uma ofensa ao seu direito líquido e certo. Todavia, embora os instrumentos processuais supramencionados apresentem prós e contras, ficando assim, ao operador do direito a opção pelo seu manejo, forçoso concluir que todos chegam ao resultado almejado, qual seja, são capazes de garantir a impugnação da coisa julgada inconstitucional.

Palavras-chave: Coisa julgada. Coisa julgada inconstitucional. Impugnação. Instrumentos processuais.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO... 08

2 FUNÇÃO ESTATAL DE SOLUCIONAR O LITÍGIO... 10

2.1 SISTEMATIZAÇÃO DO PRONUNCIAMENTO JUDICIAL... 12

2.1.1 Espécies de sentença... 13

2.1.2 Efeitos e eficácia sentenciais... 14

2.2 CARACTERIZAÇÃO DA COISA JULGADA... 16

2.2.1 Epítome histórico... 16

2.2.2 Conceito... 19

2.2.3 Fundamentação jurídica... 22

2.2.4 Autoridade da coisa julgada... 24

2.2.5 Coisa julgada material, formal e soberanamente julgada... 26

2.2.6 Limites objetivos e subjetivos... 29

2.2.7 Efeito positivo, negativo e preclusivo (eficácia preclusiva)... 32

2.3 DECISÕES QUE NÃO PRODUZEM COISA JULGADA... 34

3 O PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA COMO PARADIGMA PARA A INTANGIBILIDADE DA COISA JULGADA... 36

3.1 DELINEAMENTOS SOBRE O PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA... 36

3.2 PROPÓSITO DA COISA JULGADA... 38

3.3 O PRECEITO DA INTANGIBILIDADE DA COISA JULGADA E A SUA DESCONSIDERAÇÃO... 39

3.4 A INTERPRETAÇÃO DO FENÔMENO COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL ... 42

3.4.1 O controle de constitucionalidade... 46

3.4.1.1 Controle difuso e concentrado... 47

3.4.2 Ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade... 50

3.4.3 O impacto da declaração de inconstitucionalidade e constitucionalidade na coisa julgada... 51

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4 TESES CONTRÁRIAS E FAVORÁVEIS À DESCONSIDERAÇÃO DA COISA

JULGADA INCONSTITUCIONAL... 59

4.1 PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO... 62

4.2 INSTRUMENTOS PROCESSUAIS DE IMPUGNAÇÃO À COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL... 65

4.2.1 Ação rescisória... 65

4.2.2 Ações declaratórias... 73

4.2.3 Impugnação ao cumprimento de sentença e embargos à execução contra a Fazenda Pública... 77

4.2.4 Mandado de segurança... 81

5 CONCLUSÃO... 85

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho monográfico traz, a priori, uma atividade interpretativa quanto ao sentido jurídico da expressão coisa julgada inconstitucional. Delimitado o seu conceito a partir dos marcos teóricos de Eduardo Talamini e Aldo Ferreira da Silva Junior, a coisa julgada inconstitucional será visualizada à luz das sentenças transitadas em julgado que se fundarem em lei posteriormente declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal no controle concentrado de normas, com efeitos ex tunc.

Dessa forma, o julgamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade intervém nas decisões judiciais transitadas em julgado, acarretando uma incompatibilidade entre a coisa julgada e a Constituição Federal, razão pela qual a presente investigação tem como objetivo estudar, especificamente, quais os instrumentos processuais aptos a expurgar do ordenamento jurídico a anomalia da coisa julgada inconstitucional.

Partindo desse pressuposto, em que pese o Estado, como forma representativa da sua vontade soberana, responda ao desabafo litigioso por intermédio de uma estabilidade no seu pronunciamento, não se pode olvidar que as suas decisões poderão apresentar contornos de inconstitucionalidades, não mais passíveis de serem apuradas por recursos extraordinários, mas que permanecem afrontando toda a sistemática processualística constitucional.

Assim sendo, ante a inconstitucionalidade que poderá permear o bojo da coisa julgada, é que se formulou a seguinte problemática: se a coisa julgada inconstitucional afronta a supremacia da Constituição, latente é a sua impossibilidade de manter-se na órbita jurídica, e, por esse motivo, quais os instrumentos processuais hábeis à impugná-la?

Daí surgir a importância da presente investigação, pois, somente com o estudo de um mecanismo que possibilite, em situações extremas, a revisão do julgado inconstitucional, é que os operadores do direito garantirão o prestígio do poder jurisdicional, afastando quaisquer críticas sobre a real finalidade dessa função estatal.

Dado a relevância do tema, eis que em determinados momentos a ordem jurídica desmistificará o dogma da coisa julgada e cederá azo à possibilidade de impugnar sentenças já transitadas em julgado, é que se usufrui do aporte teórico de doutrinadores como: Enrico Tullio Liebman, Pontes de Miranda, José Joaquim Gomes Canotilho, Hans Kelsen, Carmem Lúcia Antunes Rocha, Janaína Soares Noleto Castelo Branco, Humberto Theodoro Júnior,

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Bruno Noura de Moraes Rêgo, Carlos Valder do Nascimento, Teresa Arruda Alvim Wambier, José Miguel Garcia Medina, Ivo Dantas, além de outros.

Ademais, como forma de sistematizar esta pesquisa, emprega-se como método de abordagem o dedutivo, tendo em vista que se analisa a generalidade do conceito de coisa julgada inconstitucional para alcançar a especificidade dos seus meios de impugnação.

Em consonância, para concretizar a forma de abordagem o método de procedimento adotado consiste no monográfico. Não obstante, com a finalidade de inserir o leitor em contato direto com o tema, a técnica de pesquisa escolhida foi essencialmente a bibliográfica, abrangendo o uso de livros, revistas jurídicas, leis e jurisprudências.

A adoção de tal metodologia, por conseguinte, implicou o desenvolvimento do tema na estrutura de cinco capítulos. O primeiro capítulo abrange a noção propedêutica do tema e a forma como se teorizou a presente investigação.

O segundo destina-se a examinar a função estatal de solucionar o litígio e sua relação intrínseca com o fenômeno da coisa julgada. Em sentido paralelo também será fixado o conceito da coisa julgada, examinando a constituição do seu histórico, das suas características, espécies, fundamentação jurídica, limites extensivos e efeitos jurídicos.

No terceiro se apresenta a finalidade da coisa julgada sob o manto do princípio da segurança jurídica e a retórica hodiernamente mitigada da intangibilidade que permeia ambos os institutos, o que, posteriormente, proporciona interpretar e definir o conceito da semântica da coisa julgada inconstitucional.

No que tange ao quarto, se abaliza as teses contrárias e favoráveis à desconsideração da coisa julgada inconstitucional, firmando a premissa da possibilidade da sua desmistificação como requisito imprescindível ao estudo dos instrumentos processuais aptos a expurgá-la tais como: ação rescisória, ações declaratórias, impugnação ao cumprimento de sentença e embargos à execução contra Fazenda Pública e mandado de segurança.

Por fim, no quinto e último capítulo serão tecidas as considerações finais, apresentando-se como resposta os remédios acima mencionados como meios idôneos para impugnar a coisa julgada inconstitucional, tendo em vista os prós e contras para o seu manejo.

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2 FUNÇÃO ESTATAL DE SOLUCIONAR O LITÍGIO

A dinâmica social confirma a carga imperativa presente no discurso teórico de Aristóteles (1997, p. 15), quando, em sua obra “Política”, definiu que o “homem é por natureza um animal social.” Nessa senda, a necessidade de manter relações intersubjetivas no bojo da sociedade civil revela que a sociabilidade é uma característica inerente à condição humana.

Dessa interação surgem fenômenos de subordinação e dominação, componentes essenciais do estado de natureza Hobbesiano; de guerra de todos contra todos. Isso porque, nas formas de relacionamento humano, segundo Fábio Alexandre Coelho (2004, p. 6-7) as pessoas se encontram em posições antagônicas, porém, com o escopo de disputar o mesmo bem limitado, surgindo, assim, o que se denomina conflito.

Com efeito, se não existissem relações entre os indivíduos, os conflitos não emergiriam, e, por consequência, dispensável a normatividade para disciplinar o comportamento humano. Assim, notas incontroversas do direito são o seu caráter humano e social, porque ele existe em razão dos homens que se relacionam entre si, o que pressupõe que “nunca existiu sociedade sem direito”, conforme afirmação do sociólogo alemão Niklas Luhmann, citado por Dimitri Dimoulis (2003, p. 35).

Em consonância, o brocado latino: ubi societas, ibi ius (onde há sociedade há direito) demonstra que o fenômeno jurídico, embora polissêmico do ponto de vista terminológico, também se torna produto de uma realidade complexa e dinâmica que é a vida social, na conjugação de que “ele é enquanto vai sendo.” (LYRA FILHO, 2003, p. 12).

Daí defenderem Antonio Carlos de Araújo, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco (2006, p. 25) que direito e sociedade são conceitos intrínsecos, na perspectiva de que a ordem jurídica impõe sob a comunidade sua função coordenadora. No entanto, não se oblitere que direito não representa apenas os fatos, tampouco a norma, pois, compreende a junção dos elementos fato, norma e valor (PORTANOVA, 1997, p. 149).

Tenha-se presente, entretanto, que a incidência da órbita jurídica não afasta a manifestação dos conflitos sociais, tendo em vista que o “simples comando legal não é

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suficiente para eliminar o multifacetado conjunto de interesses que coexistem na vida em sociedade.” (WAMBIER, 2005, p. 44).

No tocante à função estatal de solucionar os litígios1, seu exercício poderá ocorrer por mais de um modelo, compreendendo o que se convencionam denominar jurisdição contenciosa. Acerca do tema, sintetiza Ovídio A. Baptista da Silva (2006, p. 2):

Assim, pois, sempre que o direito não se realiza naturalmente, pelo espontâneo reconhecimento do obrigado, o titular impedido, como está de agir por seus próprios meios, terá de dirigir-se aos órgãos estatais em busca de proteção e auxílio, a fim de que o próprio Estado, depois de constatar a efetiva existência do direito, promova sua realização.

Dessa forma, por meio do contrato social de Rousseau, a organização estrutural da sociedade delegou ao Estado, com fulcro na clássica separação dos poderes elaborada por Montesquieu, além do exercício legislativo e administrativo, o monopólio da função jurisdicional.

Partindo desse pressuposto, a legitimidade do poder-dever de julgar, avocado pelo Estado, é prestada mediante a imparcialidade de órgãos públicos, em verdadeira substituição à vontade das partes, numa série de atos que se interligam. Para decidir, imperativamente, sobre a lide posta em juízo, lembra Ernane Fidélis dos Santos (2008, p. 24) que o “autor pede, o juiz ouve a outra parte, colhe as provas e decide. A prestação jurisdicional é realizada, portanto, através, de um processo.”

Nesse âmbito, o método estatal para cumprir a sua função jurisdicional se perfectibiliza na relação processual. Todavia, como no bojo da jurisdição prevalece o princípio da inércia dos órgãos julgadores, a busca de proteção ao direito supostamente violado far-se-á pelo exercício público subjetivo conceituado como ação.

Sob tal égide, Ovídio A. Baptista da Silva (2006, p. 85), citando a teoria eclética da ação, formulada pelo processualista italiano Enrico Tullio Liebman, descreve que o direito de ação corresponde a um agir contra o Estado, em razão da sua posição de titular do poder jurisdicional. Assim, proposta a demanda, e, desde que essa apresente na elucubração linguística de Enrico Tullio Liebman as condições da ação, despontará a relação jurídica processual, distinta do plano material, tendo como base a tríade autor, juiz e réu.

1 Quando utilizado o termo “litígio” ou “lide” quer-se expressar a clássica lição de Carnelluti: “um conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida.” (THEODORO JÚNIOR, 2009, p. 36).

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Após a realização do due process of law (devido processo legal), terá o magistrado, sob a rubrica da fundamentação, que exercer a função jurisdicional e pronunciar a decisão judicial. O motivo, informa Pontes de Miranda (1998, p. 180), reside no argumento de que a “sentença é a prestação estatal, com que o juiz solve a obrigação do Estado de decidir a questão, ou decidir quanto a aplicação do direito.”

Urge esclarecer, ainda que de maneira propedêutica, haja vista que tal item será abordado em tópico próprio, que “solucionando o litígio o Poder Judiciário restabelece a paz social perturbada pela divergência entre os demandantes.” (PORTANOVA, 1997, p. 33).

Logo, com o escopo de exaurir de maneira definitiva a função estatal de encerrar a demanda, bem como garantir segurança ao conteúdo decisório, mister que os pronunciamentos sejam assegurados pela imutabilidade, ou de maneira sinônima, revistam-se da autoridade da coisa julgada.

2.1 SISTEMATIZAÇÃO DO PRONUNCIAMENTO JUDICIAL

Conforme mencionado alhures, a função estatal de solucionar o litígio tem como paradigma axiológico o processo, o qual proporciona a entrega estável da prestação jurisdicional segundo a técnica de Carnelluti, qual seja, um “comando” denominado em sentido lato decisão judicial (PERO, 2001, p. 143).

Dessa forma, de acordo com o marco teórico de Fredie Didier Júnior, Rafael Oliveira e Paula Sarno Braga (2007, p. 220) o magistrado pratica atos para decidir a causa litigiosa ou tão somente impulsionar o processo, sendo que o pronunciamento judicial que tem conteúdo decisório se apresenta sistematizado em duas espécies: decisões proferidas pelo juiz singular e por um órgão colegiado.

Nesse sentido, embora ambas decisões possam sofrer a imposição do manto da coisa julgada, imperioso destacar a espécie prolatada pelo juiz singular, reconhecida como ato decisório por excelência, intitulada como sentença.

Ressalte-se que a sentença disciplinada no art.162, §1º, do Código de Processo Civil é considerada como ato do magistrado que importe numa das situações previstas no art. 267 (extinção do processo sem resolução do mérito) ou 269 (extinção com resolução do mérito) do Código de Processo Civil.

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A par desse casuísmo legal, Humberto Theodoro Júnior (2009, p. 496) disserta que a sentença exaure a instância ou primeiro grau de jurisdição, oferecendo a composição da lide posta sub judice. Todavia, só a inserção desse ato decisório no arcabouço jurídico não é suficiente para garantir sua validade. Isso porque é fundamental que a “decisão judicial seja estruturada em padrões logicamente definidos e siga certos procedimentos predeterminados.” (MENDONÇA, 2000, p. 34).

Não se pode, à vista disto, desconhecer que a técnica sentencial está prescrita no art. 458 do Código de Processo Civil, o qual impõe que, independentemente do modo pelo qual o julgador haja formado seu convencimento, deverá apresentar os seguintes elementos estruturais: relatório, fundamento e dispositivo.

Embora esse método silogístico apresente os motivos da sentença, esses devem ser considerados tão somente para entender o verdadeiro e cabal alcance da decisão, já que somente seu comando final se tornará imutável e não a atividade lógica exercida pelo juiz para preparar e justificar as decisões (LIEBMAN, 2006, p. 52 ).

2.1.1 Espécies de sentença

Em análise ao referencial contido no art. 162, §1º, do Código de Processo Civil, forçoso destacar que há duas espécies de sentenças, cuja nomenclatura majoritária consiste em: definitivas (resolvem o mérito) e terminativas (não analisam o mérito) (AMARAL, 2008, p. 4-9). Essa classificação será relevante para estabelecer uma premissa no que tange à formação da coisa julgada material, cuja autoridade, já se antecipe, só revestirá as sentenças de mérito.

Em que pese não seja o cerne do presente tópico, não se pode esquecer que ainda persiste a celeuma jurídica acerca da expressão “mérito”. Antonio Carlos Marcato (2005, p. 808), examinando a exposição de motivos do Código, asseverou que o então Ministro da Justiça Alfredo Buzaid, para designar o mérito da causa, adotou como sinônimo o vocábulo lide, no sentido já apresentado de Carnelluti na nota explicativa n. 1.

Em contraposição, no pensamento de processualistas modernos inspirados na doutrina alemã, como, por exemplo, Cândido Rangel Dinamarco (2002, p. 656), o mérito é “o objeto do processo e reside no petitum (pedido) contido na demanda.”

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Sem maiores aprofundamentos, latente é que com ou sem a definição da palavra mérito, sob a ótica do legislador as sentenças serão classificadas de acordo com esse parâmetro. À luz da praticidade, considerar ou não o exame do mérito da causa, implicará, por consequência, saber se a decisão ficará ou não protegida pela coisa julgada.

No que tange as sentenças terminativas, Liebman, citado por Moacyr Amaral dos Santos (2008, p. 5), esclarece:

Põe termo à relação processual sem resolução do mérito. Apenas dizem respeito ao processo, não à relação de direito substancial posta em juízo. Encerram o processo, mas não decidem o pedido que fica imprejulgado. Assim as decisões que acolhem as exceções de coisa julgada ou litispendência; que indeferem a inicial por manifestamente inepta; que reconhecem a ilegitimidade da parte ou a falta de pressuposto processual (art. 267).

A sentença atípica, proveniente da cognição sumária contida no art. 267 do Código de Processo Civil, importa reconhecimento da inadmissibilidade da prestação da tutela jurisdicional requerida pela parte, entretanto, o direito de ação permanece vivo, mesmo após a publicação da sentença (THEODORO JÚNIOR, 2009, p. 495).

Já no tocante às sentenças típicas, referentes ao art. 269 do Código de Processo Civil, oferecem à parte a prestação jurisdicional pleiteada, e, por isso, extinguem o direito de ação. Disserta Liebman, citado por Moacyr Amaral dos Santos (2008, p. 5-6):

Outras, as sentenças no sentido estrito, no sentido romano de sententia, decidem o pedido, julgando-o procedente ou improcedente. Põem termo à relação processual, mas também à ação. Encerram o processo com resolução do mérito. Sua característica está em julgar o mérito, isto é, decidir a relação de direito substancial posta em juízo, e, pois, em acolher ou repelir o pedido contido na inicial. São as sentenças finais por excelência, a que a técnica processual denomina sentenças definitivas.

A realização da cognição exauriente, ou seja, o aprofundamento no exame dos fatos e do direito, compatibiliza-se com a sentença de mérito e constitui fator de inibição às discussões futuras, devido à formação da coisa julgada material (AMORIM, 2010, p. 81).

A essa duplicidade de espécies de sentenças, Cândido Rangel Dinamarco (2002, p. 656) comenta que ao extinguir o processo sem julgamento do mérito não se manifesta o Estado sobre a pretensão ao bem, por outro lado, com julgamento de mérito acolhe ou rejeita o bem da vida na temática de julgar procedente ou improcedente o pedido e, por isso, nessa última há formação da coisa julgada.

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2.1.2 Efeitos e eficácia sentenciais

A epígrafe desta seção engloba tema que desperta a ausência de disciplina legal. Entretanto, embora nenhuma disposição se ocupe especificamente dos conceitos propostos, já foi referenciado que o ato de julgar compreende a forma silogística, motivo pelo qual a sentença deve manter estreita correspondência com a pretensão formulada.

Por tal razão, os efeitos e a eficácia sentenciais em muito decorrem da espécie de ação2 proposta, de maneira que a decisão está intrinsecamente amarrada aos pedidos formulados pelas partes. Tendo isso em consideração, a sentença declaratória entrega uma tutela a quem pediu sem, no entanto, querer “exigir”; a constitutiva altera a perspectiva jurídica; a condenatória é, no fundo reprovatória; a mandamental se perfaz no verbo mandar e por fim a executiva retira o que está no patrimônio do demandado e o põe no do demandante (MIRANDA, 1998, p. 210-225).

Há que se notar, portanto, que tais efeitos declaratórios, constitutivos, condenatórios, mandamentais e executivos determinam a própria classificação da sentença em função do pedido formulado pelo autor. Assim, os efeitos principais refletem a pretensão:

Mais especificamente, os efeitos principais advêm diretamente do próprio conteúdo do comando (dispositivo da sentença). Daí que, quando de procedência, os efeitos principais refletem o pedido imediato do autor. Se o autor pediu condenação, o efeito principal da sentença é condenatório. Se pediu uma ordem, a sentença tem efeito principal mandamental – e assim por diante. A sentença de improcedência do pedido tem efeito declaratório negativo: declara não existir o direito do autor à tutela pretendida. (WAMBIER, 2005, p. 537).

Em síntese, o magistrado ao prolatar a sentença, individualizando a lei e aplicando-a ao caso concreto, determina a concreção da norma e julga o pedido, que se for de procedência, declara o direito intrínseco à espécie. De um modo geral, toda sentença apresenta o efeito declaratório, entretanto, há sentenças que ultrapassam o campo da declaração (SANTOS, 2008, p. 29).

Assim, será no exceder do limite da declaração que se encontrará a diferença entre as sentenças, qual seja, o ápice da eficácia. Isso porque, ao atribuirmos a uma sentença a

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É conveniente entender que as ações são classificadas, segundo a corrente quinária exposta por Pontes de Miranda em seu Tratado das Ações (1998, p. 131), em declarativas, constitutivas, condenatórias, mandamentais e executivas.

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eficácia constitutiva, dizemos que ela apresenta essa qualidade, que não se confunde com os efeitos que ela é capaz de produzir (não apenas o constitutivo, mas também o declaratório, por exemplo) (SILVA, 2006, p. 462- 464).

Realmente não há sentenças puras, tendo em vista que cada qual contém determinada eficácia preponderante, porém, com cargas menores de outros efeitos. Tome-se como exemplo, a ação indenizatória de caráter condenatório, citado por Ovídio A. Baptista da Silva (2006, p. 463-464); ao condenar o réu a pagar um valor a título de indenização, o juiz precisou antes disso declarar (o que corresponde ao efeito) a sua responsabilidade pelo ato ilícito, porém, em seu dispositivo a eficácia será a condenação.

Dessa forma, apesar de ter em seu núcleo a eficácia condenatória, essa sentença produziu efeitos além dos condenatórios, como os declaratórios. Nesse diapasão, a eficácia compreende a força da sentença, demonstrada pelo verbo nela contido (“condenar” para as condenatórias, “ordenar” para as mandamentais), o que não quer dizer que os efeitos dela decorrentes serão exatamente da mesma natureza.

Tais diferenciações permitem entender onde melhor se assenta a coisa julgada. É que parte substancial da doutrina também inclui a coisa julgada entre um ou mais efeitos da sentença, ao passo que Liebman se opunha porque em sua visão a coisa julgada não seria um efeito, mas sim uma “qualidade, um atributo da sentença e dos seus efeitos, precisamente a imutabilidade daquele e destes” (PONTES apud ARAGÃO, 1992, p. 95), a alcançar aquilo que prepondera na decisão; sua eficácia e não apenas seus efeitos, já que esses poderão ser diversos.

2.2 CARACTERIZAÇÃO DA COISA JULGADA

Diante dos elementos expostos, perceptível que íntimos e indissociáveis são os vínculos entre a função do Estado de solucionar o litígio e a imutabilidade das decisões (VITAGLIANO, 2005, p. 34), motivo pelo qual imprescindível estudar a caracterização da coisa julgada, consistente no seu aspecto histórico, conceito, fundamentação jurídica, espécies, limites e efeitos, conforme se explica nos próximos tópicos.

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No dizer expressivo de Celso Neves (1971, p. 5) "estudar a coisa julgada é examinar a sua história", pois, por intermédio dessa análise advirão os dados necessários para interpretar a sistemática evolução do seu conceito. Assim, o papel da história é eternizar a experiência no tempo, e, por esse motivo, será perfilhado um estudo nos meandros do sistema processual civil romano, embrionário da matéria coisa julgada.

Cumpre obtemperar que os povos da antiguidade foram governados por um sistema de leis, embora seja no Império Romano que se encontram os maiores vestígios do ordenamento jurídico. Suscita José Cretella Júnior (1998, p. 9-10) que tão logo o Império Romano tenha deixado de existir, o seu legado ainda serve de “vasto campo de observação, verdadeiro laboratório do direito”, uma vez que numerosos institutos ainda permanecem reconhecidos na técnica jurídica. Dentre eles, a coisa julgada permanece como “expressão de exigência de certeza e segurança no gozo dos bens da vida.” (ALVIM, 2002, p. 213).

Para melhor entender esse instituto, impende salientar os sistemas romanos, a saber: “legis actiones” (sistema das ações da lei), “formular” e “extraordinaria cognitio”, também conhecidos, respectivamente, como fase arcaica, clássica e pós clássica (CRUZ; AZEVEDO, 2001, p. 53), cada qual a incutir uma característica basilar acerca da perfectibilização da coisa julgada.

O modelo denominado ações da lei representa o ponto incipiente do desenvolvimento processual Romano, cujos traços revelam a incidência da Lei das XII Tábuas (LEAL, 2001, p. 39). Foi marcado pelo apego ao formalismo dos rituais solenes, pela extrema rigidez dos atos, uma vez que aos litigantes somente era permitido empregar os termos pré fixados pela lei (MACHADO, 2005, p. 4).

No intermédio desse modelo processual havia o elemento comum que era a adoção da regra do “ordo iudiciorum privatorum”, isto é, existia um procedimento bifásico (SILVA JUNIOR, 2009, p. 3).

A primeira fase era executada na presença do magistrado, considerado o órgão público, já a segunda etapa era dirigida por um juiz popular de carreira privada, indicado pelas partes ou pelo magistrado (CORRÊA, 1988, p. 76).

Convém ressaltar que, na segunda fase, cabia exclusivamente ao juiz popular “analisar as provas trazidas pelas partes e respeitar os limites jurídicos fixados anteriormente pelo magistrado.” (MACHADO, 2005, p. 5). Assim, embora a sentença exaurisse o litígio, era fruto do pronunciamento opinativo de um particular, sem qualquer força de motivação, razão

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pela qual a coisa julgada somente era formada na primeira etapa processual, eis que presente a entidade estatal.

Em decorrência do rigor formal que penetrava o processo das ações, bem como do desenvolvimento jurídico de Roma, a substituição desse modelo pela nova órbita “formular” foi uma questão de condução temporal. Nas palavras de José Cretella Júnior (1998, p. 423):

Abandonando o antigo sistema das ações da lei, excessivamente formalista e quase afastado da intervenção do Estado, vai surgindo em Roma, um novo modo de dirimir as controvérsias entre particulares, que ganha terreno. A fórmula é o escrito, redigido pelo magistrado in iure, com a indicação da questão que o juiz resolver.

O processo formulário apresenta um rito padrão: menos formalista, mais ágil, com maior atuação do magistrado e com a presença da fórmula (documento escrito em que se fixa o ponto litigioso e se outorga ao juiz popular poder para absolver ou condenar o réu), como sua principal característica (ALVES, 1996, p. 207).

Apesar disso, neste sistema também permanecem dois momentos processuais distintos, como o vivenciado nas ações da lei, porém, na fase perante o juiz privado, esse já detinha o poder de condenar ou absolver o réu, segundo os limites traçados pela fórmula, o que não ocorria no sistema anterior. Desse modo, nessa segunda fase, diferentemente do processo da legis actio, ocorre a formação da coisa julgada. Relata Daniel Carneiro Machado (2005, p. 9):

No sistema das ações da lei, a sentença final se traduzia em mera opinião do juiz privado, sendo a coisa julgada representada pela litis contestatio, ocorrida na primeira fase (in iure). No processo formular, já mais evoluído, a sentença pode consagrar a res iudicata, justamente porque, nesse sistema, o juiz popular obtém o poder de comando, outorgado a ele em fórmula definida pelo pretor.

Com isso, o sistema processual romano delimita o objeto da controvérsia e confere caráter publicístico à tutela jurisdicional, transcendendo da justiça privada para a pública, dando azo à formação do terceiro método, a cognitio extra ordinem.

A estatização do processo se perfaz com a eliminação da divisão das fases que marcavam os dois sistemas anteriores, bem como pela desvinculação do direito privado e a consolidação de um único julgador (órgão público) (ALVES, 1996, p. 243).

O magistrado na personificação de agente público passa a ser o titular do poder-dever de examinar as provas produzidas pelas partes litigantes e proferir a sentença. Logo, o principal efeito dessa estatização do processo romano foi modificar a formação da coisa julgada, pois essa não mais se identificaria com um parecer jurídico de um cidadão investido

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no poder de julgar, tampouco numa fórmula, mas sim como expressão da vontade estatal soberana.

Portanto, dentre as vicissitudes ocorridas no direito romano, desde a primeira fase até os contornos do último modelo processual, a noção de coisa julgada está, de maneira geral, intrínseca à autoridade estatal, no sentido de que ela surge com a entrega da prestação jurisdicional, principalmente, ou exclusivamente, quando essa se subordina ao monopólio da função estatal de solucionar o litígio.

2.2.2 Conceito

A coisa julgada é um fenômeno processual anacrônico, objeto de celeumas jurídicas, e, por isso, há quem defenda ser a sua conceituação algo por demais espinhoso, a ponto inclusive, de advogar pela impossibilidade da sua definição (BERMUDES, 1973, p. 91-92).

Entretanto, ainda que seu conceito não seja válido para todos os povos e tempos, devido à absoluta dinâmica do direito, convém ponderar que para a ciência do processo civil a coisa julgada constitui elemento garantidor da estabilidade protetora à resolução da contenda.

Sopesado o seu termo, a locução coisa julgada é proveniente da expressão latina res iudicata, e, como próprio nome está a indicar, a palavra “julgada” constitui o particípio passado do verbo julgar, dizendo respeito a algo que já foi julgado (ARAGÃO, 1992, p. 192). A ideia é tornar o que foi decidido imutável e indiscutível, evitando que o mesmo objeto de uma lide seja julgado mais de uma vez e ainda que surjam decisões antagônicas (BRANDÃO, 2005, p. 24).

Exposto o significado da locução, torna-se mais complacente perceber que o “algo que já foi julgado” corresponde à coisa, ou seja, ao bem ou à relação sobre a qual as partes litigaram em juízo depois de estar a demanda solucionada pela sentença. Esse bem (relação jurídica) tanto poderá perfectibilizar-se numa “coisa”, quanto num “direito”, ou, na dicção de Egas Dirceu Moniz Aragão (1992, p. 192) a um “bem da vida.” Por esse caminho também prescreve Giuseppe Chiovenda (1998, p. 446):

O bem da vida que o autor deduziu em juízo (res in iudicium deducta) com a afirmação de que uma vontade concreta de lei o garante a seu favor ou nega ao réu,

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depois que o juiz reconheceu ou desconheceu com a sentença de recebimento ou de rejeição da demanda, converte-se em coisa julgada (res iudicata).

Portanto, o bem da vida posto em juízo será solucionado pelo magistrado após esse necessariamente examinar os fatos, afinal, o direito é pronunciado em conformidade com a narração fática. A partir daí, acolherá como verdade formal uma das versões apresentadas, ou comporá um meio termo, sendo que a solução que disso advier, suportará a estabilidade na dimensão da coisa julgada.

Dito isso, convém aduzir, que além dessa análise terminológica, é necessário sofismar o que substancialmente seja a coisa julgada. Para isso, várias teorias tentaram desmistificar o seu conteúdo, razão pela qual se dissertará acerca de quatro correntes, para, no tópico oportuno, avaliar a orientação seguida pelo digesto processual pátrio.

A teoria da presunção da verdade, surgida dos textos do jurisconsulto Romano Ulpiano (res iudicata pro veritate habetur – a coisa julgada tem-se por verdade), traz como ideia ser o objetivo do processo o encontro da verdade, pois, o juiz deve apreciar os fatos e alcançar o axioma verdadeiro (VITAGLIANO, 2005, p. 55).

Assim, a almejada coisa julgada assenta na ideia de que não traduz a verdade real, mas uma simulação de verdade, ou, segundo a doutrina em enfoque, uma presunção da verdade:

Formularam os seguidores desta teoria a ideia de que a busca suprema do processo é a verdade, a qual, todavia nem sempre pode ser alcançada, haja vista que muitas vezes os fatos embasadores da decisão final não são certos, definidos sequer verdadeiros, pelo que a sentença não conteria a verdade, mas uma presunção de verdade que se sobreporia a todas as provas em contrário. (MORAES, 1997, p. 24).

Por essa concepção, a sentença que passava em julgado se equiparava à verdade, transformando-se em lei para os litigantes, ou, por outras palavras, saía da seara da exigência da segurança para se tornar presunção de verdade daquilo que o juiz declarava.

É no bojo desse momento processual que nasce o brocardo que a “res iudicata facit de albo nigro, de quadrata redunta, cuja tradução significa: a coisa julgada faz do branco, preto; do quadrado, redondo (ALVIM 2002, p. 314).

Por outro norte, a teoria da vontade do Estado alavancada na Alemanha, mas seguida por Giuseppe Chiovenda entre os povos latinos, entende que a sentença expressa a vontade da lei no caso concreto e encerra sua ordem com um “comando” que o Estado atribui força de autoridade (SANTOS, 2008, p. 53). Para essa parte especulativa da doutrina a coisa

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julgada se revela como vontade do Estado, na perspectiva de impor à sentença a qualidade de ato estatal, irrevogável e de força obrigatória.

Por certo que as teorias aqui apresentadas, em que pese de maneira perfunctória, trazem delineamentos importantes na construção da coisa julgada, porém, privilegiou-se doutrinariamente a disputa entre a tese alemã e a italiana.

A teoria alemã, denominada eficácia da declaração, é perfilhada por Hellwig, cujo entendimento sobre a coisa julgada entrelaça-se como um efeito da decisão, de forma que a sua carga declaratória seria imutável, indiscutível (SANTOS, 2008, p. 51). Os defensores dessa teoria restringem a coisa julgada ao “elemento (efeito ou eficácia) declaratório da decisão.” (DIDIER JÚNIOR; OLIVEIRA; BRAGA, 2007, p. 482).

Segundo Araken de Assis (2001, p. 243), “a coisa julgada restringe-se a uma eficácia, proveniente da inimpugnabilidade, que recobre a força ou o efeito declaratório da sentença, porquanto somente a declaração se revela, na prática imutável e indiscutível.”

Portanto, a autoridade do julgado estaria confinada à pura declaração, posto que é na parte declaratória da sentença que reside a coisa julgada. Devido a isso, Hellwig sugestionou a substituição do termo tradicional “coisa julgada” para “eficácia da declaração”, que indicaria, pois, o efeito de todas as sentenças com a qual podem apresentar-se (LIEBMAN, 2006, p. 21).

A despeito disso, Enrico Tullio Liebman (2006, p. 23) nos convida à seguinte reflexão: identificar o efeito produzido pela sentença com a coisa julgada não significa confundir uma declaração com um elemento novo que o enobrece?

A essa indagação respondeu a própria corrente capitaneada pela voz italiana de Enrico Tullio Liebmam:

A tentativa da doutrina alemã de superar essa dificuldade, identificando a coisa julgada com o efeito declaratório, conduz a resultados inaceitáveis, porque deixa sem a proteção da coisa julgada o efeito condenatório e o constitutivo e desconhece, por outro lado, a autonomia do efeito declaratório, que vem a ser absorvido na coisa julgada. (LIEBMAN, 2006, p. 8).

E prossegue:

Considerar a coisa julgada como efeito da sentença e ao mesmo tempo admitir que a sentença, ora produz simples declaração, ora efeito constitutivo, assim de direito substantivo, como de direito processual, significa colocar frente a frente elementos inconciliáveis, grandezas incongruentes e entre si incomensuráveis. Seria, pois, a coisa julgada um efeito que se põe ao lado deles e no mesmo nível ou se sobrepõe a eles e os abrange? Ou é, pelo contrário, antes uma qualidade desses efeitos, um modo de ser deles, a intensidade com que se produzem? (LIEBMAN, 2006, p. 5).

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A crítica elaborada por Enrico Tullio Liebman (2006) propõe não confundir os efeitos da sentença, principalmente o declaratório com a autoridade da coisa julgada. E mais, se assenta na clara distinção que deve ser feita entre os efeitos, eficácia da sentença e a sua possível imutabilidade. Portanto, para essa corrente a coisa julgada não é um efeito autônomo da sentença, mas o modo como se produzem ou se manifestam os seus efeitos em geral no tempo.

Como se vê, a definição da coisa julgada envolve algo mais que a simples soma do seu vocábulo, tendo em vista que qualifica uma decisão judicial, conferindo-lhe autoridade.

2.2.3 Fundamentação jurídica

A construção normativa que justifica a autoridade da coisa julgada decorre da positivação do instituto em três compêndios, a iniciar pela Constituição da República Federativa do Brasil, passando pela Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lei 12.376/2010) e encerrando na leitura do Código de Processo Civil.

Em razão da constante preocupação com a tutela das situações fáticas já consolidadas no tempo, o Constituinte procura dar segurança às relações jurídicas findadas (CARVALHO, 2006, p. 542). Por esse motivo, é que a Constituição da República Federativa do Brasil preservou a garantia da coisa julgada, inserta no art. 5º, XXXVI, com a ideia de que a lei nova não a prejudicará.

Partindo desse dispositivo constitucional, firma-se o entendimento de que a inteligência normativa pretendeu proteger as decisões com trânsito em julgado da criação legislativa superveniente. Sob essa exegese, prestadia a lição de Eduardo Andrés Ferreira Rodriguez (2005, p. 105) ao sustentar que o constituinte colimou impedir que a lei nova tivesse o condão de alterar a coisa julgada em atenção aos princípios da não surpresa e da irretroatividade da lei.

Significa então dizer, que o legislador, ao criar uma lei, não pode ofender o caso julgado, como argumento de que o Judiciário terá sua decisão respeitada, traduzindo a independência dos poderes constitucionais. Se o arcabouço jurídico admitisse a alteração do

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julgamento por uma lei nova, ter-se-ia, nas palavras de Maria Helena Diniz (2007, p. 200) a “anarquia, a lesão de direitos e o descrédito da justiça.”

Protege-se, portanto, a coisa julgada contra a atuação direta do legislador, posto que ele não poderá rescindi-la ou anulá-la, embora poderá prever3 mecanismos processuais para sua impugnação.

No entanto, como orienta Kildare Gonçalves Carvalho (2006, p. 542) a Constituição não definiu nenhuma das garantias (direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada), cabendo ao legislador infraconstitucional a incumbência de explicá-las.

Nesse âmbito, ousaram retratar o fenômeno da coisa julgada, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro em seu art. 6º, §3º, bem como o art. 467 do Código de Processo Civil.

Preliminarmente, o art. 6º, §3º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro apresenta a seguinte exposição: “Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso.” (BRASIL, 2010).

Ocorre, entretanto, que essa definição não se baseou em boa técnica jurídica, e, nos termos em que foi redigida encontra-se equivocada, sendo alvo de críticas doutrinárias. É que esse conceito concebe a coisa julgada como a sentença inatacável por meio de recursos. Na verdade, é exatamente nesse ponto que reside a censura, pois, conforme discorre Pedro Eduardo Pinheiro Antunes de Siqueira (2006, p. 74), é a partir desse momento (quando a sentença não cabe mais recursos) que nascerá a res iudicata.

Por conseguinte, o parâmetro que define de maneira específica a coisa julgada, encontra-se inserto no diploma processual civil. Sabe-se que a doutrina italiana de Liebman projetou influência no Brasil, ao ponto do anteprojeto do Código de Processo Civil definir taxativamente a coisa julgada como uma qualidade e não um efeito da sentença (NERY JUNIOR; NERY, 2007, p. 680).

No entanto, no Congresso Nacional o dispositivo foi alterado, prevalecendo a redação que vigora atualmente no Código de Processo Civil, em seu art. 467, in verbis: “Denomina-se coisa julgada material, a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário e extraordinário.” (BRASIL, 2010).

Tal modificação foi o bastante para açular o embate já existente entre a teoria alemã e a corrente italiana. Isso porque para alguns doutrinadores, ao deixar de frisar a

3 Como de fato previu, no art. 485 do Código de Processo Civil, ao prescrever a ação rescisória como instrumento adequado para rescindibilidade da sentença.

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expressão qualidade, optou o legislador por definir a coisa julgada como efeito (teoria alemã) e, não, qualidade (teoria italiana) (DIDIER JÚNIOR; OLIVEIRA; BRAGA, 2007, p. 484).

Apesar disso, outros doutrinadores se mantêm fiel ao mestre Enrico Tullio Liebman e visualizam na coisa julgada a imutabilidade dos efeitos da sentença ou da própria sentença, que decorre de estarem esgotados os recursos cabíveis (GRECO FILHO, 2009, p. 274).

Por tudo isso, melhor cometer uma fuga tangencial usufruindo das palavras de Barbosa Moreira, citado por Pedro Eduardo Pinheiro Antunes de Siqueira (2006, p. 88):

Não se expressa de modo feliz a natureza da coisa julgada, ao nosso ver, afirmando que ela é um efeito da sentença, ou um efeito da declaração nesta contida. Mas tampouco se amolda bem à realidade, tal como a enxergamos, a concepção da coisa julgada como uma qualidade dos efeitos sentenciais, ou mesmo da própria sentença. Mais exato parece dizer que a coisa julgada é uma situação jurídica: precisamente a situação que se forma no momento em que a sentença se converte de instável em estável. É a essa estabilidade, característica da nova situação jurídica, que a linguagem jurídica se refere, segundo pensamos, quando fala da “autoridade da coisa julgada”.

Independente do adjetivo efeito ou qualidade, visto que a tese de uma é a antítese da outra, há que se reconhecer que a res iudicata exprime a aptidão de tornar julgado o caso concreto, encerrando a função estatal de solucionar o litígio.

2.2.4 Autoridade da coisa julgada

Restou consignado no bojo desse trabalho que quando as pessoas demonstram ser incapazes de resolver suas próprias diferenças, vivenciando o estado de conflito, emergirá ao interessado a faculdade de exercer o direito de ação e instaurar o processo, a fim de que o órgão jurisdicional decida pela procedência ou improcedência do pedido, pondo fim à pretensão resistida.

Os litigantes, naturalmente, malgrado o dissentimento que os conduz ao conflito judicial, guardam o objetivo comum de sagrarem-se vencedores, cenário que advirá mediante a prolação da sentença. Todavia, como o inconformismo está impregnado na anatomia humana, e, em razão do nosso ordenamento jurídico adotar o sistema do duplo grau de jurisdição, é possível que haja a interposição de recursos para que a decisão seja reexaminada

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por um órgão superior, ou, poderá a parte, manter-se inerte, sujeitando-se ao conteúdo sentencial.

No entanto, enquanto apresentar-se recorrível, a sentença não alcançou o status de firmeza e não produziu seus efeitos regulares, tampouco o Estado traduziu a vontade da lei à relação jurídica deduzida em juízo (SANTOS, 2008, p. 46). Nesse sentido, até o momento da análise do recurso ou a espera pelo esgotamento do lapso temporal para a sua interposição, a decisão está sujeita a alterações, o que pressupõe que ainda não foi ofertada uma solução definitiva para o caso concreto.

Ocorre que esse cenário não pode perdurar indefinidamente, chegando num estágio em que não mais serão cabíveis recursos, ou, devido ao decurso do tempo, ocorrerá o trânsito em julgado da sentença, ou seja, tornar-se-ão firmes e estáveis os efeitos daquela (CÂMARA, 2006, p. 477).

Ademais, imprescindível que a decisão do órgão jurisdicional, após esgotados os meios oportunos de impugnação, revista-se de autoridade, no sentido de que seja imposta ao vencido a despeito de sua recalcitrância em se conformar com a solução alvitrada, não se tolerando sua modificação. Por isso, a partir do trânsito em julgado, em sentido paralelo, incide o fenômeno da coisa julgada. Egas Moniz de Aragão (1992, p. 189) resume:

A opção universalmente aceita, fundamentada no Direito Romano, consiste em, primeiro, submeter a sentença a reexame perante órgãos hierarquicamente superiores (eventualmente permitir sua rescisão posterior, acrescente-se) e após atribuir-lhe especial autoridade, que a torne imutável para o futuro em face de todos os participantes do processo em que fora ela pronunciada. Essa autoridade chama-se coisa julgada.

Sem o argumento da autoridade definitiva o Estado não alcançaria a segurança jurídica prometida aos litigantes. Humberto Theodoro Júnior (2009, p. 45) explica que a “sentença, teria de, em determinado momento, tornar-se imutável e indiscutível como autoridade do Estado no mister de fazer atuar a vontade da lei na pacificação do litígio.”

Dessa feita, a coisa julgada está umbilicalmente ligada à sentença, ou melhor, ao fim do processo. Isso ocorre porque é exatamente depois que a sentença tenha sido prolatada e que não mais possua recursos cabíveis, permite-se ao Estado compor a lide de maneira indiscutível e imutável. Tangenciando essa premissa, aduz José Carlos Barbosa Moreira (1998, p. 87):

Desde o trânsito em julgado, fica a sentença definitiva revestida da autoridade da coisa julgada em sentido material. Quer isso dizer que a solução dada ao litígio pelo

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juiz se torna imume a contestações juridicamente relevantes, não apenas no âmbito daquele mesmo processo em que se proferiu a decisão, mas também fora dele, vinculando as partes e quaisquer juízes de eventuais processos subsequentes.

Diz-se, então que a coisa julgada refere-se ao caso em que a prestação jurisdicional foi satisfeita, e que, dando solução definitiva ao litígio, estabeleceu de modo aparentemente4 imutável e intangível o direito perseguido por um dos demandantes.

Portanto, há que se notar que a coisa julgada está enlaçada a dois aspectos fundamentais: imutabilidade e indiscutibilidade. Nesse ínterim, a imutabilidade consiste na “proibição de propor ação idêntica à outra já decidida por sentença revestida da autoridade da coisa julgada.” (MESQUITA, 2005, p. 161). Ou seja, trata-se de um impedimento em alterar judicialmente uma sentença estabilizada, a fim de que essa permaneça regulando os fatos indefinidamente.

Por um raciocínio contrário e lógico, a indiscutibilidade operará de modo transverso, na medida em que a proibição repercute na impossibilidade de discutir judicialmente uma sentença estável. Acerca disso, conclui José Ignácio Botelho de Mesquita (2005, p. 162):

Como se vê, a imutabilidade e a indiscutibilidade atuam de modo diverso. A imutabilidade impede que o juiz posterior se pronuncie sobre a ação já decidida por sentença transitada em julgado. Cria a execução da coisa julgada. A indiscutibilidade obriga o juiz posterior a decidir em conformidade com o decidido pela sentença transitada em julgado.

Portanto, “em face da “estatalidade do ato sentencial e da opção política de estabilizar as relações jurídicas” (PORTO, 1998, p. 48) surge o discurso da autoridade da coisa julgada. Essa retórica se perfaz no binômio imutabilidade e indiscutibilidade, facetas essas que simbolizam o ritualismo do engessamento processual, para que em nome do poder estatal promovam com segurança a composição do litígio.

2.2.5 Coisa julgada material, formal e soberanamente julgada

4 Diga-se, aparentemente, visto que posteriormente será analisado a existência de hipóteses de desconsideração da imutabilidade da coisa julgada.

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O fenômeno paradigmático da coisa julgada está conectado à concepção de encerramento do processo e imutabilidade daquilo que se tenha decidido. Entretanto, a depender do conteúdo do pronunciamento judicial, tendo sido ou não atacado, poderá se estabilizar a decisão por meio de três espécies: a coisa julgada material, formal ou soberanamente julgada.

Nesse aspecto, a coisa julgada poder ser entendida, a priori, sob dois prismas, embora, em última escala, exista uma conexão entre ambas, visto que as diferenças são, no dizer de Humberto Theodoro Júnior (2009, p. 526), apenas degrau de um mesmo fenômeno, já que decorrem da impossibilidade de interposição de recurso contra a sentença.

Pois bem, quando se aludiu acerca da coisa julgada se fixou o entendimento que ela se encontra respaldada na indiscutibilidade e imutabilidade da sentença. Tal premissa convulsiona a seguinte pergunta: essa indiscutibilidade e imutabilidade se projetam de maneira externa ou internamente à relação processual sentenciada? Para essa indagação tem-se como resposta, respectivamente, o conceito de coisa julgada material e formal.

Explicando esses fenômenos, Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart (2004, p. 670) asseveram:

Quando se alude à indiscutibilidade da sentença judicial fora do processo, portanto em relação a outros feitos judiciais, o campo é da coisa julgada material, que aqui realmente importa e constitui, verdadeiramente, o âmbito de relevância da coisa julgada. Já a indiscutibilidade de decisão judicial verificada dentro do processo remete a noção de coisa julgada formal. A coisa julgada formal, como se nota é

endoprocessual, e se vincula à impossibilidade de rediscutir o tema decidido dentro

da relação jurídica processual que a sentença foi prolatada. Já coisa julgada material é extraprocessual, ou seja, seus efeitos repercutem fora do processo.

Por conta disso, tanto a coisa julgada formal como a material acarretam a estabilidade da decisão, embora na primeira a sentença se tornar imutável apenas dentro do processo em que proferida, ao passo que na segunda a imutabilidade ofusca qualquer relação processual.

No que atina à configuração da coisa julgada formal, é necessário o esgotamento dos possíveis recursos previstos na lei processual, seja pela sua interposição ou pelo decurso do prazo (GRECO FILHO, 2009, p. 274). Assim, a impossibilidade de rediscutir a matéria dentro do mesmo processo, conduz, inexoravelmente, à coisa julgada formal, ou preclusão máxima como também é conhecida por alguns doutrinadores (GONÇALVES, 2008, p. 52).

A hipótese restou subsumida à ideia de que a coisa julgada formal cria uma imutabilidade endoprocessual, no sentido de impedir a modificação do que fora decidido. No

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entanto, consoante esclarece Daniel Carneiro Machado (2005, p. 59) “a sua formação não impede que o objeto do julgamento volte a ser discutido em outra demanda, haja vista que atua dentro apenas da relação processual em que a sentença foi prolatada.”

Ocorre que a coisa julgada não espelha apenas a imutabilidade de uma decisão em que já não caiba mais recurso, conforme o conceito previsto no art. 6º, § 3º, da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro, numa perspectiva meramente formal. Diz respeito também ao requisito de imutabilidade em relação a qualquer processo, de maneira que vincule as partes e os demais juízos à decisão já proferida, no sentido de impedir que a demanda seja reexaminada no futuro.

A esse fenômeno extraprocessual denomina-se coisa julgada material, ou apenas coisa julgada5, que impede a discussão do litígio em outro processo, como forma de preservar a função estatal de compor definitivamente a lide.

Além disso, ressalte-se que a coisa julgada provém do exercício da cognição exauriente, pois surge quando a sentença julga a matéria objeto da lide. Assevera Marcos Destefenni (2006, p. 427):

Como se verifica, produzir-se-á coisa julgada material somente quando se tratar de sentença de mérito, fazendo nascer a imutabilidade daquilo que se tenha sido decidido para além dos limites daquele processo, isto é, pesando a autoridade da coisa julgada sobre determinada decisão judicial, o que nesta for decidido não mais poderá ser discutido em outro processo.

Nesse âmbito, a coisa julgada é própria das sentenças de mérito, visto que nesse caso se enfrentou a questão a fundo, impedindo assim, o magistrado de exercer nova análise sobre o objeto processual. Sob este ângulo, Alexandre de Freitas Câmara (2006, p. 483), suscita que a coisa julgada apresenta natureza preliminar, devendo o juiz em qualquer processo, de ofício ou mediante provocação, examinar se já houve formação da coisa julgada que impeça a apreciação do mérito.

Da análise das duas espécies, forçoso concluir que a “sentença de coisa julgada material é, impreterivelmente, sentença de coisa julgada formal, vez que aquela é um plus.” (MACHADO, 2005, p. 61), pois, como já mencionado, ambas são graus de um mesmo fenômeno.

No entanto, embora a coisa julgada formal seja um antecedente lógico para a força material, e mais, que o momento de formação de ambas decorra da decisão extintiva do

5 Aqui se propõe um acordo semântico, no sentido de que, quando no discorrer desse trabalho foi/for mencionada a palavra coisa julgada, estar-se-á se referindo ao sentido lato; coisa julgada material.

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processo do qual já não caiba mais quaisquer recursos, não se oblitere que nem sempre as duas nascerão juntas, eis que a coisa julgada formal poderá existir sem a conjugação com a coisa julgada material, embora a premissa contrária não seja verídica. Explica Humberto Theodoro Júnior (2009, p. 527):

A coisa julgada formal pode existir sozinha em determinado caso, como ocorre nas sentenças meramente terminativas, que apenas extinguem o processo sem julgar a lide. Mas a coisa julgada material só pode ocorrer de par com a coisa julgada formal, isto é, toda sentença para transitar materialmente em julgado deve, também, passar em julgado formalmente.

Por último, as sentenças que fazem coisa julgada material podem apresentar determinados vícios previstos na tratativa legal, que poderão ser impugnados, até o prazo de 2 (dois) anos do trânsito em julgado, mediante o ajuizamento da ação rescisória.

Decorrido o referido prazo, Daniel Carneiro Machado (2005, p. 63), apresenta a terceira espécie denominada de coisa soberanamente julgada, como sendo “aquela que não só não pende mais recurso de apelação nem ainda de revista ou ação rescisória ou de nulidade.” Na visão de Egas Dirceu Moniz de Aragão (1992, p. 245):

Consequência do trânsito em julgado é a imutabilidade, que pode ser considerada relativa enquanto a sentença permanecer exposta ao risco da rescisão (art. 485) e será absoluta após vencer-se o período durante o qual o interessado poderia tentar rescindi-la.

Ademais, conforme se explicará no decorrer desse trabalho, será a coisa absoluta ou soberanamente julgada que poderá ser desconsiderada, tendo em vista que a coisa julgada material já tem hipóteses legais e taxativas que permitem sua desconstrução mediante a incidência da ação rescisória.

2.2.6 Limites objetivos e subjetivos

A autoridade da coisa julgada só opera relativamente àquilo que constituiu o assunto da sentença (CHIOVENDA, 1998, p. 493), confinando a extensão do caso julgado a limites. Em relação a esse alcance, urge entender qual parte do pronunciamento judicial forma a coisa julgada (limites objetivos).

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De início, ratifique-se que a sentença deverá apresentar em seu conteúdo um silogismo lógico, consistente em relatório, fundamentação e dispositivo, conforme prevê o art. 458 do Código Processo Civil. Porém, nem tudo o que disposto estiver no discorrer da sentença fará coisa julgada, sendo necessário avaliar o que realmente ficará abrangido por aquela autoridade.

Tal alcance encontra amparo no art. 468 do Código de Processo Civil, que preconiza que a sentença transitada em julgado tem força de lei “nos limites da lide e das questões decididas.” Interpretando esse dispositivo é razoável entender que será na conclusão da sentença que o juiz decide a lide, acolhendo ou rejeitando o pedido, razão pela qual o dispositivo se tornará firme e imutável por força da coisa julgada. Preleciona José Arnaldo Vitagliano (2005, p. 61):

O que faz coisa julgada material é o dispositivo da sentença, a sua conclusão. Pode-se dizer que a coisa julgada Pode-se restringe à parte dispositiva da Pode-sentença; a essa expressão, todavia, deve dar-se um sentido substancial e não formalista, de modo que abranja não somente a parte final da sentença, mas também qualquer outro ponto em que tenha o juiz eventualmente provido sobre os pedidos das partes.

A coisa julgada incidirá no comando, porque é nesse ponto que ocorre a atividade jurisdicional propriamente dita, quando se realiza o juízo de subsunção, criando uma lei ao caso concreto.

Por outro rumo, no relatório e na fundamentação não há certificação por parte do magistrado da vontade do direito que incide sobre o caso concreto, ou seja, não há julgamento propriamente dito, podendo ser rediscutidos em outro processo (GONÇALVES, 2008, p. 250).

Corrobora com essa afirmação o art. 469 do Código de Processo Civil, ao indicar que a coisa julgada não abrangerá os motivos, ainda que relevantes para o julgamento, a verdade dos fatos e a apreciação da questão prejudicial, salvo se essa for decidida incidentalmente (BRASIL, 2010).

No tocante aos motivos, eles não serão acobertados pela coisa julgada porque auxiliam o esclarecimento da decisão, mas não alteram o seu conteúdo (CAMPOS, 1988, p. 26). Propugna Humberto Theodoro Júnior (2005, p. 537):

Os motivos, ainda que relevantes para fixação do dispositivo da sentença, limitam-se ao plano lógico da elaboração do julgado. Influenciam em sua interpretação mas não se recobrem de manto de intangibilidade que é próprio da res iudicata. O julgamento, que se torna imutável e indiscutível, é a resposta dada ao pedido do autor, não o “porquê” dessa resposta.

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Os motivos, portanto, auxiliam a elucidar o pronunciamento, podem mesmo determinar o entendimento do dispositivo, porém, não farão coisa julgada.

A verdade dos fatos se torna temerária na medida em que um fato tido como verdadeiro em um processo poderá ser a inverdade comprovada em outro, sem que isso obste a coisa julgada firmada na primeira relação. Ademais, a verdade fática resulta da apreciação das provas, sendo inserida entre os motivos da decisão, e, por isso, não é abrangida pela coisa julgada (THEODORO JÚNIOR, 2009, p. 539).

Por último, as questões prejudiciais também não farão coisa julgada:

A decisão de tais questões não faz coisa julgada, quando feita incidentalmente no processo, ou seja, quando proferida como motivação da sentença. Por outras palavras, se a resolução da questão prejudicial se dá apenas como preparação lógica da sentença, não fará coisa julgada, tomando a natureza jurídica e a eficácia de motivo da sentença. (AMARAL, 2008, p. 69).

Porém, se tais quesitos forem provocados e decididos em ação declaratória incidental, farão coisa julgada, por força do art. 470 do Código de Processo Civil.

De toda forma, somente se submeterá à coisa julgada material a norma jurídica concreta situada na parte dispositiva da sentença decorrente da atuação da jurisdição que julga, de forma profunda e exauriente, a questão principal posta na demanda. Daí deduzir Giuseppe Chiovenda (1998, p. 495):

Em conclusão: objeto do julgado é a conclusão última do raciocínio do juiz, e não as premissas; o último e imediato resultado da decisão, e não a série dos fatos, das relações ou dos estados jurídicos que, no espírito do juiz, constituíram os pressupostos de tal resultado.

Tem-se, pois, delineados os limites objetivos da coisa julgada. Passa-se à análise de seus limites subjetivos.

Na temática do alcance subjetivo cumpre examinar se seus efeitos atingem somente as partes da relação processual ou é extensível a terceiros. Por força de imperativos de ordem técnica e natureza política, os sujeitos que suportarão a coisa julgada serão apenas as partes, com fulcro no art. 472 do Código de Processo Civil.

Comentando o mencionado artigo, Moacyr dos Santos Amaral (2008, p. 72) explica que o motivo de somente sobre as partes incidirem os efeitos da coisa julgada reside no fato que os terceiros não participaram da relação processual. Comentando também o tema José Rogério Cruz e Tucci (2006, p. 39):

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