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LIMITES DO PODER DO PASTOR-PRESIDENTE.

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SOCIOCULTURAL DAS ASSEMBLEIAS DE DEUS NO BRASIL: a figura do Pastor-presidente.

Diagrama 1: Percurso a ser trilhado e o tempo necessários para alcançar o cargo de Pastor-presidente na ADMM.

1.3. LIMITES DO PODER DO PASTOR-PRESIDENTE.

Trata-se de uma questão bem relevante da pesquisa, pois nela reside um ponto crítico e que gera muitas tensões dentro do movimento. Uma vez que não podemos considerar na atual constituição da sociedade que aprecia a igualdade de direitos, que alguém na esfera da política, da economia, da sociedade, ou mesmo, da religião detenha um poder de tipo “absoluto”, “tirânico” ou “ditatorial”, indo contrariamente a todos os pressupostos da modernidade democrática e liberal. Certo que segundo as concepções bourdieunianas, o capital religioso tende a criar dois tipos de estruturas de distribuição, as quais seriam de “tipos opostos de relação social”, que estariam permutadas pelo que denominou de “domínio prático” e “domínio erudito” da composição e distribuição do “capital religioso”; e de “tipos distintos de sistema simbólico”, nos quais teríamos os mitos e as ideologias religiosas como as ferramentas de estruturação do sistema interno da religião, que organizariam e disponibilizariam sua importância de existência frente ao mundo exterior (BOURDIEU, 2013, p. 40). Esse olhar para como se solidifica o sistema simbólico das ADMM, em relação ao Pastor-presidente é de suma importância para entendermos o funcionamento e legitimação de suas ações.

Por este motivo, perguntamos a todos os entrevistados, se dentro das ADMM existiriam limites para as ações de um Pastor-presidente e quem teria o poder, ou mesmo, a obrigação de fiscalizar suas ações. Para auxiliar a melhor a compreensão, fizemos um quadro comparativo de todos os entrevistados e suas respostas, a fim de termos um panorama geral da situação proposta na pergunta.

Quadro 1: Existem limites/ou alguém que fiscalize um pastor-presidente? Papel do Pr. Presidente. Existem limites de suas ações? Quais são

esses limites? Quem fiscaliza? Pr. P-A48 Administrar, Pastorear Sim Ético, morais, espirituais e a má administração. Junta Conciliadora Jurídico (Ass. Geral da Igreja) Pr. P-B Administrar, Construir, Ensinar, Pastorear.

Sim Conduta moral e administração Conselho Fiscal; Junta Conciliadora. Pr. P(ex)-A Administrar,

Organizar, Dirigir Sim/Não

Problemas graves morais ou financeiros Conselho Fiscal; Junta Conciliadora. Pr. P(ex)-B Administrar Gestor Sim Não menciona quais seriam esses limites Conselho Fiscal; Junta Conciliadora.

Pr. C-A Organizar Não # Não há quem

fiscalize

Pr. C-B Administrar Não #

Diretoria poderia fiscalizar, mas não

faz!

Ao analisarmos os dados expostos no quadro acima podemos perceber que todos os entrevistados tem a mesma percepção sobre o papel do Pastor-presidente. A imagem transmitida dele é eficazmente percebida e aceita por todos. Assim o Pastor-presidente, não é apenas o líder espiritual da organização, mas aquele que deve gerir todas as ações da igreja e suas finanças, desde preparar e consagrar novos obreiros, abrir e construir novos templos, como representar juridicamente a igreja frente às questões legais, talvez isso explique porque muitos deles têm feito o curso de bacharel em Direito. Como já afirmamos anteriormente, entre o Bp. Manoel Ferreira e os seus três filhos que são pastores-presidentes Abner, Magner e Samuel Ferreira todos têm em sua biografia o título de bacharéis em Direito. Ao serem perguntados se existem limites para as ações de um Pastor-presidente, temos uma variação das respostas. As respostas ficaram assim. Para os pastores-presidentes em exercício sim, há limites! Para os ex-pastores um disse sim, o outro a princípio disse não, mas depois sim. Já os dois pastores de congregação disseram não. É aqui, que reside o ponto importante, pois para aqueles que estão sobre a condição

48 Segundo este Pastor-presidente na pergunta - Quem fiscaliza? Ele menciona a intenção do Pr.

Samuel Ferreira em criar um “Tribunal Eclesiástico” no Ministério de Madureira, o qual seria uma forma não apenas de fiscalizar, mas com a estrutura necessária e a competência devia, para apreciar questões referentes às ações indevidas de pastores-presidentes e membros da CONAMAD.

de dominado a percepção é de que o Pastor-presidente é absoluto em seu posto e de que não há limites para sua ação.

Apenas um dos pastores de congregação faz uma menção que a diretoria poderia vir a ser esse agente de fiscalização (o outro foi enfático em sua resposta, que não há quem fiscaliza e ele é soberano em suas decisões), mas para ele, a mesma não o faz, seja porque pouco poder tem, ou porque os membros da mesma tem medo de alguma represália que possam sofrer se questionarem o seu superior. Como não estendemos essas perguntas aos membros não podemos aqui afirmar categoricamente que eles também têm essa mesma impressão, mas se os pastores de congregação tem essa impressão, poderíamos supor sem cair em erros de percepção, que os mesmos tendem a serem reprodutores dessas concepções aos seus membros.

Mas voltemos agora nosso olhar para as respostas dadas pelos presidentes em exercícios e pelos ex-presidentes. Retirando apenas um que não respondeu a pergunta, todos os outros mencionam que sim, existe um limite para as ações dos Pastores-presidentes. E esse limite se pauta em dois pontos bem específicos, 1- faltas morais graves, que neste caso geralmente está relacionado a uma traição conjugal (fato mais ou menos corriqueiro)49; 2- seriam problemas relacionado com a

má gestão dos recursos financeiros da igreja, gastos indevidos, enriquecimento ilícito, dívidas da igreja e situações afins. Ou seja, sua “gestão” não é tão absoluta quanto à imagem transmitida e reproduzida por aqueles que estão nas esferas mais distantes do corpo diretivo.

Mas quem então fiscalizaria suas ações? Na resposta dada por estes dois grupos de entrevistados, dos órgãos que apareceram com poder fiscalizatório, são eles, a Junta Conciliadora Estadual e o Conselho Fiscal de cada Campo. A Junta Conciliadora órgão estabelecido pela CONAMAD, obrigatoriamente se estrutura da seguinte forma “Presidente, o Relator e o Secretário, indicados pela Mesa Diretora da CONAMAD e dirigida pelo presidente da CONEMAD50” (Estatuto da CONAMAD,

Art. 41, seção I – DAS JUNTAS CONCILIADORAS ESTADUAIS) do estado

49 Segundo os entrevistados não é muito difícil se ouvir nas Convenções que o presidente do campo

A, B ou C está sendo excluído, ou destituído de suas funções porque abandonou a esposa, por outra mulher, que quase sempre é mais nova que sua esposa.

50 A CONEMAD (Convenção Estadual de Ministros Evangélicos das Assembleias de Deus de

Madureira) é uma entidade inferior a CONAMAD, mas que tem como objetivo resolver situações em níveis regionais. Sua estrutura é semelhante a da CONAMAD, reproduzindo assim o mesmo nível de distinção entre dominadores e dominados.

pertencente da mesma. Em seu Art. 42. São atribuições das Juntas Conciliadoras Estaduais:

I. Promover a paz, a conciliação cristã e a harmonia entre as Igrejas Filiadas e os Ministros (Pastores e Evangelistas), Missionários e Missionárias, no Estado; II. Reunir-se sempre que necessário para apreciar os casos enviados pela Mesa Diretora da CONAMAD, emitindo parecer; III. Encaminhar à Mesa Diretora da CONAMAD, relatório anual das atividades no Estado; IV. Acionar a Comissão Jurídica, através da Mesa Diretora da CONAMAD, nos processos litigiosos; V. Encaminhar à Mesa Diretora da CONAMAD, depois de concluída a fase ordinatória e instrutória, parecer sobre assuntos de seu peculiar interesse, dentro de sua jurisdição eclesiástica, conforme as normas estatutárias e regimentais da CONAMAD, cumpridas as formalidades; (ESTATUTO CONAMAD, 2013)

Não fica claro dentro do estatuto das ADMM, que a Junta teria essa função fiscalizatória, porém todos os presidentes e ex-presidentes entrevistados na pesquisa expõem que ela tem esse poder. Em uma das entrevistas foi colocada segundo a fala do Pr. P-A “[...] Ela só se junta para conciliar, para aconselhar, dirigir, mas ela não tem caráter deliberativo, decisório” (Entrevista em áudio, gravada no dia 08/07/2016). Ou seja, na hora de confrontar as ações de um determinado Pastor- presidente qual é o real papel da junta conciliador? Essa pergunta ficou no ar. Se não fica explicito estatutariamente, fica implícito pelas falas dos entrevistos que essa “Junta” tem um determinado poder, de em uma dessas situações, retirar das funções o determinado Pastor-presidente faltoso.

O segundo instrumento seriam os Conselhos Ficais, órgãos obrigatórios em todas as esferas das ADMM, desde a CONAMAD para baixo, até os campos de trabalhos, todos devem ter um Conselho Fiscal. Este órgão tem por função analisar as contas e apresentar pareceres dos mesmos para a Assembleia Geral no final de cada ano. Segundo o Pr. P-B, “todo membro tem o direito de ver os livros da igreja, mas ninguém se interessa” (Entrevista em áudio, gravada no dia 09/08/2016), ainda em sua fala o Conselho Fiscal fica com esta função. Vale aqui colocar a percepção de Alencar, mesmo ele acreditando que o Pastor-presidente é quase intocável na ADs no Brasil, o mesmo expõe um ponto interessante, pois “um pastor-presidente, mais que ser um déspota, precisa ser um articulador habilidoso. Um ser político” (2013, p. 179). Assim suas ações e condutas precisam ser negociadas com o quadro administrativo, pois como cita o Pr. P(ex)-B, que é o próprio Pastor- presidente que escolhe o seu Conselho Fiscal, deixando implícito, a existência de

algumas formas de manobra do mesmo para poder se manter no poder sem muita resistência.

Conquanto, se é o próprio Pastor-presidente que escolhe seu Conselho Fiscal, a possibilidade de controlar/manipular o papel fiscalizador está estruturalmente garantida e escondida sob uma aparência de modelo democrático. Uma vez que, a existência desse órgão exporia certa ideia de transparência, entretanto quem garantiria autonomia ao mesmo? Ao se encontrar uma irregularidade esse órgão agiria com imparcialidade, ou recairia a uma questão de “coleguismo”. Ainda mais, quem poderia garantir que ao ser confrontado em suas contas esse pastor-presidente não usaria de um autoritarismo contra os membros desse órgão? Assim, podemos perceber que não é necessário apenas habilidade articuladora, pois nessa relação deixa implícita a existência de uma forma de poder despótico, que é claramente “antimoderno”, nos quais podem produzir muitas brechas de favorecimento aos envolvidos.

Mas haveria algum caso concreto em que o Conselho Fiscal, de alguma igreja vinculada as ADMM, tenha rejeitado as contas e condutas de um Pastor-presidente? Sim, encontramos em nossa pesquisa um caso que veio a tona. Refiro-me ao caso da ADMM de Volta Redonda - Rio de Janeiro, que a época era presidida pelo Pr. Davi Cabral. Figura icônica do Ministério de Madureira, mas que teve suas contas rejeitadas por um Conselho Fiscal escolhido pelos membros da igreja, pois devido a denúncias referentes à suspeitas de improbidade administrativa na gestão desse pastor, o Conselho Fiscal escolhido pelo mesmo foi dissolvido.

1.3.1. O caso da ADMM de Volta Redonda-RJ

Este caso apareceu em uma das entrevistas realizadas durante o processo de pesquisa, que nos levou a buscar mais informações sobre o fato em questão. No site “O Fuxico Gospel”51 encontramos disponibilizado o relatório realizado por um

Conselho Fiscal eleito pelos membros da igreja em 27 de outubro de 2015, que suspeitaram de irregularidades cometidas pelo líder maior e em reposição ao antigo

51 Site que se propõem em tratar dos acontecimentos do “mundo gospel”, ou seja, um site

especializado em assuntos (ou fofocas) de pastores, cantores e personalidades evangélicas em geral. A matéria sobre o assunto em questão, mais o relatório produzido pelo Conselho Fiscal da ADMM de Volta redonda, também conhecida pela sigla CADEVRE, estão disponíveis no endereço: http://www.ofuxicogospel.org/2016/01/mp-podera-investigar-contas-da-cadevre.html. Acesso: 21/09/2016.

Conselho Fiscal que em meio as pressões sobre as possíveis irregularidades do Pr. Davi Cabral (Pastor-presidente) renunciaram aos respectivos cargos. Este “novo” Conselho Fiscal produziu um relatório de 40 páginas (ver Anexo I), que apontou vários indícios de irregularidades cometidas pelo pastor.

Entre as irregularidades que foram apontadas pelo relatório está à contratação de dois empréstimos um de 105 mil e o outro de 150 mil reais e que em seu montante somariam mais de 900 mil reais não declarados nas contas da igreja. No quesito despesas pessoais o pastor teria adquirido um plano previdenciário com valor mensal de 4.500 reais, além de um plano de saúde tanto para ele como para todos os seus familiares que incluía filhos e netos, o montante final daria mais de 90 mil reais só em despesas pessoas pagas pela igreja, sem contar o pagamento de cartões de crédito pessoais, viagens e hospedagens sem identificação. O relatório menciona também repasses feitos a uma instituição social conhecida como ADAFEVRE - Associação de Assistência as Famílias Evangélicas de Volta Redonda, que contava com mais de 80 benificiários e um custo anual de mais 600 mil reais para os cofre da igreja, que piora a situação do pastor, pois o presidente desta instituição é o seu filho Davi Cabral Jr (que é também pastor-presidente de uma das ADMM, em Resende-RJ52).

Ainda nem mencionamos que o pastor Davi Cabral tinha um salário que girava em torno de 40 salários mínimos, que daria mais de 30 mil reais ao mês, pagos pela igreja. O referido pastor não conseguiu justificar suas contas e ainda mais, o mesmo estava em processo de separação de sua esposa, que mais tarde viria a público. Assim, mesmos com uma tentativa de usar de seu poder e prestígio para descaracterizar o relatório produzido pelo Conselho Fiscal (que não foi escolhido por ele) em fevereiro de 2016, a igreja se mobilizou e, em votação unânime rejeitou sua contas, obrigando que a CONEMAD do Rio de Janeiro (presidida pelo Pr. Abner Ferreira) convocasse um AGO (Assembleia Geral Ordinária) no mês de Março do ano de 2016 e dessem encaminhamentos para a saída do pastor da liderança da igreja de Volta Redonda. Essas informações confirmaram a fala de um dos nossos entrevistados, que citou esse caso, como um fato quase que inédito dentro das ADMM e das ADs no Brasil e que fazia muitos

52 Essa igreja fazia parte do conjunto de igrejas filiadas a ADMM, conhecida como CADEVRE

Catedral das Assembleias de Deus de Volta Redonda e em dezembro de 2014 foi emancipa pelo pastor Davi Cabral, sendo empossado seu filho. Informações disponíveis em http://www.catedralcader.com/cader. Acesso: 21/09/2016.

anos que não tinha notícias de um fato como esse. Ainda na fala deste pastor, ele afirma que “o povo não sabe do poder que tem em suas mãos” (Pr. P-B, entrevista em áudio, gravado em 08/09/2016).

Ficando claro que o Pastor-presidente mesmo que queira, não tem o poder absoluto, pois quando os membros perceberem que podem requerer transparência, esse mesmo “ser absoluto” tem que se submeter às regras instituídas pela a organização racional-burocrática. Quebrando de vez com a concepção produzida pelos liberais-conservadores que em nosso país existe uma “herança maldita” (SOUZA, 2015) de nossa colonização, que nos torna corruptos por natureza. Este fato mostra claramente que não é, bem assim, que devemos pensar nossa atual condição de sociabilidade brasileira.

É nesse sentido que no próximo capítulo abordaremos o caminho percorrido pela a ADMM, desde seu fundador o Pr. Paulo Leivas Macalão até a gestão do Bp. Manoel Ferreira sendo ele atualmente o presidente vitalício da CONAMAD, porém não mais exercendo a presidência, uma vez, que seu filho Pr. Samuel Ferreira53

aparece como presidente executivo54, e nas falas de dois entrevistos, ele hoje é

quem toma todas as decisões. Na tentativa de melhor compreender como a mesma foi se organizando e estruturando o seu quadro administrativo ao longo dos anos e como o mesmo acaba legitimando suas ações e posturas frente ao corpo de dominados, mesmo em meio a críticas e tensões que se camuflam em um ar de unidade e homogeneidade entre os grupos “oligárquicos” do Ministério. Nossa intenção é demostrar que a figura do Pastor-presidente e a questão da sucessão estão ligadas a toda uma organização racional-burocrática, que junto à lógica do patrimonialismo apresentado anteriormente leva a constituição de um quadro administrativo especializado que não só monopolizam o poder, mais distribui o mesmo de forma a manter concentrado em alguns poucos55.

53 Até o período da defesa dessa dissertação, Samuel de Cássio Ferreira ocupava a posição

eclesiástica de pastor, porém no mês de março do ano de 2017 na 39º AGO realizada em São Paulo, tanto ele como seu irmão Abner e mais três pastores foram consagrados ao posto de bispo do Ministério de Madureira. Hoje sendo essa a maior posição eclesiástica do Ministério de Madureira.

54 Informação disponível em: http://www.adbras.com.br/2016/pastor-samuel-ferreira/; e

http://www.conemadsp.com.br/site/?page_id=10. Acesso em 03/10/2016.

55 Devemos mencionar que isso não é uma prática exclusiva das ADMM, mas tanto das ADs no Brasil

(com casos como o domínio da família Bezerra na AD ministério do Belém - SP, como na AD ministério do Amazonas e Pará dominados pela família Câmara, como em um caso atual de sucessão que ocorreu na AD ministério de Camboriú-SC, com a morte do Pr. Cesino Bernardino no dia 30 de julho de 2016, seu filho o Pr. Reuel Bernardino assume em seu lugar) como das demais igrejas pentecostais brasileiras.

CAPÍTULO 2

A PRIMEIRA ASSEMBLEIA DE DEUS

“AUTENTICAMENTE”

BRASILEIRA: do Pr. Paulo Leivas Macalão ao Bispo Manoel

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