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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

Douglas Alves Fidalgo

“De Pai pra Filhos”: poder, prestígio e dominação da figura do

Pastor-presidente nas relações de sucessão dentro da

“Assembleia de Deus Ministério de Madureira”.

SÃO BERNARDO DO CAMPO

2017

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“De Pai pra Filhos”: poder, prestígio e dominação da figura do

Pastor-presidente nas relações de sucessão dentro da

“Assembleia de Deus Ministério de Madureira”.

Dissertação apresentada à Banca examinadora do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da UMESP, como exigência parcial para obtenção do grau de Mestre.

Orientador: Prof. Dr. Dario Paulo Barrera Rivera.

SÃO BERNARDO DO CAMPO

2017

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FICHA CATALOGRÁFICA

F448p

Fidalgo, Douglas Alves

“De Pai pra Filhos”. Poder, prestígio e dominação da figura do pastor-presidente nas relações de sucessão dentro da “Assembleia de Deu Ministério de Madureira” / Douglas Alves Fidalgo -- São Bernardo do Campo, 2017. 181fl.

Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Universidade Metodista de São Paulo - Escola de Comunicação, Educação e Humanidades Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião São Bernardo do Campo.

Bibliografia

Orientação de: Dario Paulo Barrera Rivera

1. Assembleia de Deus – Brasil 2. Dominação – Teologia 3. Processo sucessório 4. Patrimonialismo I. Título

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A dissertação de mestrado sob o título: “DE PAI PRA FILHOS”: poder, prestígio e dominação da figura do Pastor-presidente nas relações de sucessão dentro da “Assembleia de Deus Ministério de Madureira”, elaborada por DOUGLAS ALVES FIDALGO, foi apresentada e aprovada em 02 de março de 2017, presente a banca examinadora composta por Dr. Dario Paulo Barrera Rivera (Presidente/UMESP), Dra. Sandra Duarte de Souza (Titular/UMESP), Dr. Maxwell Fajardo (Titular/UniCEU).

__________________________________________ Prof. Dr. Dario Paulo Barrera Rivera

Orientador e Presidente da Banca Examinadora

__________________________________________ Prof. Dr. Helmut Renders

Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião

Programa: Pós-Graduação em Ciências da Religião

Área de Concentração: Religião, Sociedade e Cultura.

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Só agradece quem reconhece que na vida, nada se faz sem pessoas ao seu lado com as mãos estendidas e eu tenho muitas pessoas a quem preciso agradecer.

Agradeço a Deus, autor e razão primeira de minha existência.

A minha esposa e companheira Eliane, que tem estado ao meu lado a mais de quinze anos, suportando firmemente a todos os desafios que nos tem se apresentado. Nunca deixando de ter palavras de ânimo e confiança, mesmo em momentos que pareciam não ter mais uma saída. Obrigado por redobrar toda a paciência e compreensão para comigo nestes dois últimos anos. Amo muito você!

Ao meu filho Murillo, presente de Deus que veio coroar nossa família. E mesmo muito novo participou ativamente de todo o processo da pesquisa, mesmo sem entender nada do que estava acontecendo. Te amo! E agora vamos brincar, muito!

Agradeço aos meus pais José Augusto e dona Lidia, não apenas por todo o esforço em cuidar de mim, desde o meu primeiro dia de vida. Mas pelo amor transmitido, o caráter me dado e a fé me ensinada, pois sem isso certamente não chegaria tão longe.

A todos os meus familiares que sempre estiveram dispostos em saber “como anda” os meus estudos.

Ao Professor Dr. Dario Paulo Barrera Rivera, por ter acreditado no projeto inicial desta pesquisa e também em ter me dado o voto de confiança enquanto pesquisador. Também agradeço pelas cuidadosas orientações e observações, na construção dessa dissertação, pois elas foram sempre pontuais e precisas para que o foco fosse mantido.

Aos professores e professoras do curso de pós-graduação em Ciências da Religião da Universidade Metodistas São Paulo, em especial aos que tive o grande privilégio de passar algumas horas de estudo no cumprimento dos créditos necessário para o andamento do curso.

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pesquisa e de defesa pela leitura e exposições das ideais.

Aos queridos amigos Gedeon Alencar, Marina Correa, Maxwell Fajardo e Mario Sérgio, que sempre recorri quando me achava perdido e cujos conselhos e orientações sobre as Assembleias de Deus me deram o suporte e norte necessário para realizar a pesquisa. Obrigado amigos!

A professora Dra. Claudete Pagotto que não apenas me deu a oportunidade de mostrar o meu potencial como professor auxiliar do curso de Ciências Sociais da UMESP, como foi o “canal” para que o sonho do mestrado se realizasse.

Aos seis pastores da Assembleia de Deus Ministério de Madureira que “gastaram” comigo algumas horas de seu tempo em nossas conversas sobre o referido tema e cujas informações foram inestimáveis para a conclusão da pesquisa.

Aos professores do curso de Ciências Sociais pelo incentivo. Aos professores Silvia Perrone, Silvio Pereira e Wesley Dourado, pessoas únicas. A grande amiga “Fatiminha”, por tudo que fez por mim. “Em seus olhos brilham a luz”, obrigado!

Aos amigos que já conhecia e que conheci durante todas as disciplinas que cursamos durante o período do mestrado. Eles tornaram o desafio muito mais prazeroso de se enfrentar.

Aos amigos do grupo de pesquisa do REPAL (Religião e Periferia na América Latina) da UMESP, pois ouvir e compartilhar com vocês as experiências de suas pesquisas se materializou em grande ajuda no processo de execução minha pesquisa.

À Universidade Metodista São Paulo pela bolsa funcional.

Um agradecimento que não poderia deixar de fazer é para o IEPG (Instituto Ecumênico de Pós-Graduação), na pessoa do professor Dr. Jung Mo Sung, pois no momento em que mais precisei me estenderam as mãos. Que Deus recompense a todos!

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– SP: UMESP, 2016.

RESUMO

A presente pesquisa analisa as Assembleias de Deus no Brasil, com foco nas relações de poder, prestígio e dominação na sucessão e perpetuação familiar dos líderes desse movimento nos principais postos de “comando”. Analisamos a figura do Pastor-presidente e como ele se tornou um mecanismo de prestígio ao ponto de ser legitimado como uma figura inquestionável dentro dessa instituição. Temos como recorte para essa pesquisa as Assembleias de Deus do Ministério de Madureira. A partir da chegada do Bispo Manoel Ferreira ao principal posto de comando, pôde-se perceber ao longo de sua gestão a ascensão familiar. Filhos e neto ocupam os principais postos de comando da mesma, um fenômeno não comum na construção sociocultural dessa igreja. Até que ponto essa relação influencia concretamente na sucessão é a pergunta norteadora da pesquisa. Fizeram parte da pesquisa o levantamento bibliográfico de documentação primária como jornais e revistas da instituição; e secundária, com a utilização de “livros referências”, de teses, de dissertações e de artigos que tratam de forma direta ou correlacionada aos objetivos traçados. Para a realização da mesma, foi empregada uma pesquisa de campo baseada em entrevistas com pastores-presidentes, ex-pastores-presidentes e pastores de congregação, com o objetivo de ter uma maior abrangência das condições materiais produzidas por esse movimento. Esta pesquisa visa compreender a relação nos dias atuais de perpetuação e sucessão familiar em uma sociedade que tem na democracia e na alternância de poder as bases de uma sociedade que busca evitar os abusos de um grupo ou classe de privilegiados. Na pesquisa se identificou que a figura do Pastor-presidente não é uma forma de “herança cultural” do colonialismo, mas se aproxima de características patrimoniais, como resposta as necessidades de tradicionalização do movimento que abriu “margem” para o empoderamento de um grupo, ou família, que hoje formam a base estamental da instituição em questão. Utilizamos como referência teórica o tipo ideal weberiano tradicional em sua vertente patrimonial.

Palavras-chaves: Assembleia de Deus, Brasil, patrimonialismo, poder/dominação, sucessão.

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do Campo – SP: UMESP, 2016.

ABSTRACT

This research analyzes the Assemblies of God in Brazil, focusing on the relations of power, prestige and domination in the succession and family perpetuation of the leaders of this movement in the main positions of "command". We analyze the figure of the Pastor-president and how it became a mechanism of prestige to the point of being legitimized as an unquestionable figure within this institution. We have as a cut for this research the Assemblies of God of the Ministry of Madureira. From the arrival of Bishop Manoel Ferreira to the main command post, it was possible to perceive throughout his administration the family ascent. Children and grandchild occupy the main command posts of the same, a phenomenon not common in the sociocultural construction of this church. The extent to which this relationship concretely influences succession is the guiding question of the research. The bibliographic survey of primary documentation such as newspapers and magazines of the institution was part of the research; And secondary, with the use of "reference books", theses, dissertations and articles that deal directly or correlated with the objectives outlined. In order to accomplish this, a field research was conducted based on interviews with pastors-presidents, former pastors-presidents and pastors of congregation, in order to have a greater comprehension of the material conditions produced by this movement. This research aims to understand the relationship in the present day of perpetuation and family succession in a society that has in democracy and in alternating power the foundations of a society that seeks to avoid the abuses of a group or class of privileged. In the research it was identified that the Pastor-President figure is not a form of "cultural heritage" of colonialism, but rather comes close to patrimonial characteristics, as a response to the traditional needs of the movement that opened the "margin" for the empowerment of a group, Or family, which today forms the foundation of the institution in question. We use as theoretical reference the traditional Weberian ideal type in its patrimonial aspect.

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AD Assembleias de Deus

ADBRÁS Assembleia de Deus Ministério Brás

ADMB Assembleia de Deus Ministério do Belém/SP ADMI Assembleia de Deus Ministério Ipiranga ADMM Assembleia de Deus Ministério de Madureira ADMP Assembleia de Deus Ministério de Perus AGO Assembleia Geral Ordinária

AELB Academia Evangélica de Letras do Brasil ANE Associação Nacional dos Escritores

CADEVRE Catedral das Assembleias de Deus de Volta Redonda CCB Congregação Cristã no Brasil

CEMP Centro de Estudos do Movimento Pentecostal

CGADB Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil

CNMEADMIF Convenção Nacional dos Ministros Evangélicos da Assembleia de Deus em Madureira e Igrejas Filiadas

CNPB Conselho Nacional de Pastores do Brasil

CONAMAD Convenção Nacional das Assembleias de Deus Ministério de Madureira

CONEMAD Convenção Estadual dos Ministros Evangélicos das Assembleias de Deus Ministério de Madureira

CPAD Casa Publicadora das Assembleias de Deus EBD Escola Bíblica Dominical

IBAD Instituto Bíblico das Assembleias de Deus

HC Harpa Cristã

ISER Instituto de Estudos de Religião

MP Jornal Mensageiro da Paz

Pr. Pastor

Pr. P. Pastor-presidente Pr. P(ex) Ex Pastor-presidente Pr. C. Pastor de congregação

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Tabela 1: Número de fiéis das principais igrejas pentecostais, 20 Tabela 2: Quadro Administrativo da CONAMAD, 49

Tabela 3: Carreira ministerial do Bp. Manoel Ferreira de 1960 até 2000, 112/113 Tabela 4: Principais postos e funções ocupados por parentes do Bp. Manoel Ferreira na ADMM, 143

LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Existem limites/ou alguém que fiscalize um pastor-presidente?, 66

Quadro 2: As diferentes visões sobre a importância entre o Pr. Paulo Leivas Macalão e o Bispo Manoel Ferreira, 109

Quadro 3: Quadro comparativo sobre a questão da sucessão familiar na ADMM, 140/141

LISTA DE DIAGRAMAS

Diagrama 1: Percurso a ser trilhado e o tempo necessários para alcançar o cargo de Pastor-presidente na ADMM, 59

Diagrama 2: Árvore Genealógica dos Principais Campos Ligados a ADMM a partir das Primeiras Igrejas fundadas até início da década de 1960, 92

Diagrama 3: Forma de organização da ADMM, 124

Diagrama 4: Forma como se organiza um Campo ligado a ADMM, 130

Diagrama 5: Pirâmide da composição social de poder e dominação da ADMM, 134

LISTA DE MAPAS

Mapa 1: Localização do Bairro de Madureira no Estado do Rio de Janeiro, 73 Mapa 2: Localização dos Bairros onde foram abertas as duas primeiras ADMM, 74

LISTA DE IMAGEM

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INTRODUÇÃO, 13

Cap. 1 – O “PATRIARCALISMO/PATRIMONIALISMO” NA FORMAÇÃO SOCIOCULTURAL DAS ASSEMBLEIAS DE DEUS NO BRASIL: a figura do Pastor-presidente, 27

1.1. O PATRIARCALISMO/PATRIMONIALISMO NO PENSAMENTO SOCIAL BRASILEIROS, 30

1.1.1. O Patriarcalismo/Patrimonialismo em Max Weber: os conceitos de poder e dominação, 38

1.2. OS PASTORES-PRESIDENTES: O GOLPE INSTITUCIONAL CONTRA A DEMOCRACIA DO ESPÍRITO, 50

1.2.1. A carreira de um Pastor-Presidente, 54 1.2.2. O prestígio presidencial, 61

1.3. LIMITES DO PODER DO PASTOR-PRESIDENTE?, 65 1.3.1 O Caso da ADMM de Volta Redonda, 69

Cap. 2 – A PRIMEIRA ASSEMBLEIA DE DEUS “AUTENTICAMENTE” BRASILEIRA: de Paulo Leivas Macalão ao Bispo Manoel Ferreira, 72

2.1. PR. PAULO LEIVAS MACALÃO: O PRESTÍGIO DO “GENERAL RELIGIOSO”, 75

2.1.1. As Desavenças com os Missionários Suecos, 83

2.1.2. O Crescimento do Ministério De Madureira: o “invasor de campo”, 89

2.1.3. A Criação de uma Convenção Própria: a consolidação do poder patrimonial, 95

2.2. A ERA MANOEL FERREIRA – “O SUCESSOR MAIS INDICADO”?, 101 2.2.1. O Bispo Manuel Ferreira: breve biografia, 106

2.2.1.1. Sua trajetória e ascensão ministerial dentro da ADMM, 107 2.2.1.2. Presidente de duas Convenções: da CGADB à CONAMAD, 113 2.2.2. O político Manoel Ferreira,117

Cap. 3 – O MINISTÉRIO DE MADUREIRA: Características, Sucessão e Perpetuação do poder. 120

3.1. CARACTERÍSTICAS DO MINISTÉRIO DE MADUREIRA, 121

3.2. SUCESSÃO: PATRIMONIALISMO OU UMA QUESTÃO DE HERANÇA?, 137 3.2.1. Os Filhos do Bispo como Pastores-Presidentes: “Os Mais Ungidos?”, 143 3.2.1.1. O Pr. Abner Ferreira: pastor da “igreja-mãe” Madureira, 147

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3.3. OS CONFLITOS INTERNOS, 157

CONSIDERAÇÕES FINAIS, 161

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS, 165

(13)

INTRODUÇÃO

A presente pesquisa busca analisar as relações de poder, prestígio e dominação da figura do Pastor-presidente, que ajudam a explicar a lógica recente de perpetuação familiar no comando dos principais postos diretivos das Igrejas Assembleias de Deus Ministério Madureira. Nesse sentido precisamos pontuar que o pentecostalismo brasileiro, como em boa parte dos outros países da América Latina tem suas origens no pentecostalismo estadunidense (LÉONARD, 1988; FRESTON, 1994; HOLLENWEGER 1997; CAMPOS, 2005)1, sendo este de vertente negra e

promovido por um pregador filho de pais escravos. Segundo Hollenweger (1997) existiam duas correntes pentecostais no EUA nesta época, uma de vertente branca que funda as Assemblies of God, que preferiram atribuir o surgimento do pentecostalismo a Charles F. Parhan e outra de vertente negra associada a Willian Seymor, que fica conhecida como a Missão da Fé Apostólica (SOUZA, 2008). O pentecostalismo surge nos Estados Unidos em um período em que as questões raciais determinavam um sistema de segregação racial.

Devemos aqui lembrar que, apesar da abolição da escravatura ocorrer através da chamada “Emancipation Proclamation”, promulgada em 1° de janeiro de 1863 pelo presidente Abraham Lincoln, o negro estadunidense teve de enfrentar anos (e ainda tem enfrentado isso hoje) de uma sociedade abertamente racista e segregacionista (FERNADES; MORAES, 2007), inclusive no espaço religioso pentecostal original2. E apesar desse movimento não combater de forma organizada

o racismo existente naquela sociedade, pois é o Movimento por Direitos Civis na metade do século XX, que faz isso de forma mais sistemática e incisiva (PURDY,

1 Existe um estudo recente sobre uma terceira entrada do pentecostalismo no Brasil. As duas

primeiras entradas são as igrejas Congregação Cristã no Brasil (1910) e as Assembleias de Deus (1911); já a terceira entrada pentecostal se caracteriza pela imigração sueca em nosso território, a qual fundou a Igreja Batista Sueca (1912), que se fixou na região do Guarani no Estado do Rio Grande do Sul. Para maiores informações ver, VALÉRIO, 2013.

2 Segundo Hollenweger (1997, p.20), Charles F. Parhan teria sido o sistematizador daquilo que mais

tarde ficou conhecido como movimento pentecostal, porém sua conduta segregacionista “macularia” esse título. Uma vez que além dos indícios de que havia participado na Ku Klux Klan, somado a sua postura em não permitir Willian Seymor de participar diretamente das aulas em sua escola reforçam essa tese de racismo. Somado ainda as acusações de práticas “homossexuais” relacionadas a ele (CAMPOS, 2005), aos quais fizeram com que o mesmo não fosse considerado como “pai” do “pentecostalismo moderno”. Parhan também foi um grande crítico do movimento pentecostal liderado por William Seymor, denunciando ele muitas vezes como um movimento de “promiscuidade racial” (HOLLENWEGER, 1997, p. 19).

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2007), não impediu o mesmo de assumir uma postura crítica frente a essa situação vivida pelos negros estadunidenses. Segundo Souza (2008):

Os pentecostais negros assumiram cada vez mais a atitude de militância. Entendendo-se como filho de Deus, o negro não admitia a condição de escravo e reivindicava na instância mais sagrada. Sua igreja era seu fórum, sua arena política, seu clube social. Essa marca político-social do pentecostalismo negro fez presente no decorrer das décadas – Martin Luther King não foi um caso isolado de militância. O evangelho puramente “espiritual” do branco Billy Grahan era condenado pelo evangelista pentecostal negro George M. Perry – “Acreditamos no conteúdo da mensagem de Grahan, mas não podemos marchar juntos com sua orientação branca, suburbana, de classe média que não tem nada a dizer aos pobres nem aos negros”. Semelhantemente, o evangelista negro Artur Brazier acusava a opressão e a desigualdade dos direitos civis na década de 1960. (SOUZA, 2008, p. 54-55.)

Nesse sentido podemos dizer que este pentecostalismo, de alguma forma, foi se tornando um espaço de encontro daqueles que o frequentavam3, uma vez que, os

mesmos eram negros, brancos, imigrantes de diferentes etnias (SOUZA, 2008). Além disso, o culto desse grupo não se desenvolvia com a ordem tão preciosa para uma sociedade fundamentada nas concepções de um calvinismo “racionalizado” (WEBER, 2004, p.87)4. Eram liderados por Willian Seymour, homem negro, filho de

escravos do sul dos Estados Unidos, autodidata e sem um conhecimento teológico de nível acadêmico, entretanto desenvolve uma vida de extremo compromisso com a religião que professava (ARAÚJO, 2007). Seymour teve contato com a doutrina do “Batismo no Espírito Santo” e os fenômenos de glossolalia e xenoglossia5 em 1906,

na escola de Charles F. Parham em Houston (ARAUJO, 2007).

Por ser negro e devido o racismo de seu professor, o mesmo não pôde assistir às aulas com os outros alunos brancos, assim, foi obrigado a estudar do lado de fora do local onde eram ministradas as aulas (HOLLENWEGER 1997). Neste mesmo ano (1906) Seymour inicia algumas reuniões de oração e ensino da doutrina

3 Faço um paralelo ao conceito utilizado por Beatriz Muniz de Souza, em sua obra “A Experiência da

Salvação” (1969), no qual a autora afirma que o pentecostalismo no Brasil produziu um processo de

integração social entre os conversos ao movimento.

4 Max Weber em sua obra “A Ética protestante e o espírito do capitalismo” (2004), dispensa uma

parte para explicar a lógica proveniente do calvinismo e como este organizava não apenas o ritualismo do crente, mas também sua postura em relação ao intramundano.

5 Expressões utilizadas na tentativa de explicar o fenômeno descrito no livro de Atos dos apóstolos,

no capítulo 2, quando quase cento e vinte pessoas que estavam reunidos em um lugar na cidade de Jerusalém foram batizadas com Espírito Santo. Segundo o dicionário Aurélio glossolalia é um dom sobrenatural, concedido aos apóstolos no dia de Pentecostes, pelo qual se tornaram capazes de falar várias línguas, já xenolalia é o dom de falar uma língua estrangeira que o indivíduo desconhece e nunca estudou.

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do “Batismo no Espírito Santo” em um galpão na Rua Azusa Street, que começa a ser frequentada por diversas pessoas que aderem a esta “doutrina” recebendo o “Batismo no Espírito Santo” (SYNAN, 2009). Gritos, lágrimas, risos descontrolados, mais a participação dos frequentadores no momento da pregação, faziam parte da “nova” liturgia, tendo ainda toda a oralidade de Seymour em suas ministrações (SOUZA, 2008, p. 53).

Ao chegar ao Brasil esse movimento começou seus trabalhos em dois lugares diferentes, o primeiro foi em São Paulo, no ano 1910, sendo fundado por um imigrante italiano chamando Luigi Francescon (FRESTON, 1994; LÉONARD, 1988; ROLIM, 1985; SOUZA, 1969) e o segundo começou na cidade de Belém no Estado do Pará em 1911, sendo fundada por dois suecos Gunnar Vingren (1879-1933) e Daniel Berg (1884-1963) vindos dos Estados Unidos (ALMEIDA, 1982; FRESTON, 1994). Este último foi fundado em um local que desfrutava de grande desenvolvimento devido à extração da borracha (1879-1912) e que em seus “áureos” dias representava cerca de 20% da economia nacional (FURTADO, 2005).

Como afirma Freston (1994, p.82) “a expansão inicial das AD foi moderada” em seus primeiros anos, devido a grande oposição católica e a dependência social em encontrar meios para a sua sobrevivência. Neste período não era comum às pessoas mudarem de região facilmente, porém, devido o fim do ciclo da borracha na região amazônica, muitos dos trabalhadores foram obrigados (incluindo uma grande leva de povos nordestinos) ou a voltar para sua região, ou procurar uma nova região para sobreviverem (ALENCAR, 2013). Foi esse fenômeno de migração interna, que contribuiu para a difusão da mensagem pentecostal assembleiana, que por ação não apenas planejada dos líderes, mas também pela dedicação vigorosa de seus membros (FRESTON, 1994) se espalhou para grande parte do território nacional6.

Jacob (2013) aponta em uma análise mais recente desse movimento que,

A Assembleia de Deus se constitui na principal igreja pentecostal do país, reunindo 48,5% dos adeptos desse grupo religioso. Depois de um período de acentuado crescimento, ao passar de 2,4 milhões em 1991 para 8,4 milhões em 2000, a Assembleia de Deus registrou um aumento mais modesto na última década, quando atingiu a marca de 12,3 milhões de fiéis.

Observa-se que ela se encontra implantada em todo o território nacional, acompanhando o padrão da distribuição da população brasileira. É, no entanto, nas grandes cidades que o seu número de

6 Alencar (2010) menciona que o senso de pertença à instituição e a militância foram fundamentais

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fiéis é mais expressivo, a exemplo do Rio de Janeiro, com quase 1 milhão de adeptos, e de São Paulo, com mais de 600 mil seguidores. Além dessas capitais, destacam-se ainda Recife, Fortaleza, Belém e Manaus. (JACOB, 2013, p.15)

O pentecostalismo assembleiano encontra nessa massa de “mão-de-obra” desprovida de educação formal e de possibilidade de uma vida melhor, um terreno fértil para a sua consolidação (MENDONÇA, 2008). O conteúdo da mensagem pentecostal assembleiana, a qual afirmava que Deus “salva, cura e Batiza com o Espírito Santo” (BERG, 1982) vinha de encontro às necessidades sociais presentes em um país que a base de sua economia estava ligada ao latifúndio e a segregação social, uma vez que, o Brasil naquele momento excluía o pobre de direitos básicos a vida, como educação, saúde, moradia e alimentação7. Assim esses “despossuídos”

encontravam nela as condições de integração social (SOUZA, 1969) e, ao mesmo tempo essa camada pobre e desprovida, ao aceitar essa mensagem se tornava um difusor da mesma, assim “levava consigo a sua igreja nas costas” (ROLIM, 1985, p. 131).

Porém enquanto o pentecostalismo estadunidense (principalmente o de vertente fundamentalista negro) vai se envolver em causas sociais, econômicas e políticas (SOUZA, 2008), o movimento pentecostal brasileiro se tornará tão místico quanto às outras expressões religiosas brasileiras (indígena, negra e católica popular), enfatizando a cura de enfermos, o Batismo no Espírito Santo e a salvação do “pecador” em seus aspectos teológicos. Em relação aos seus aspectos sociais formará uma classe sacerdotal estamental (BOURDIEU, 2013; WEBER, 2012) própria e investida de toda uma sacralidade prestigiosa, atribuindo a essa liderança o papel social de maior prestígio da instituição. Referimo-nos a figura assembleiana do Pastor-presidente, que é associado muitas vezes a do Senhor do Engenho, a do Coronel, ou a dos Caudilhos,produzidas pelo pensamento social brasileiro e latino-americano, como se fosse uma mera herança do tipo de colonização que ocorreu no país (D’EPINAY, 1970; NELSON, 1989; FRESTON, 1993, 1994; CAMPOS, 19968).

O certo é que os líderes pentecostais desenvolveram, ao passo dos anos, um grande poder patrimonial, que lhes possibilita usufruir da prática da “vitaliciedade” no

7 Apesar do grande desenvolvimento econômico que o Brasil passou ao longo desses anos, ainda

encontramos em nossa sociedade, problemas nas áreas de saúde, alimentação, moradia e educação, que fornecem um campo ainda vasto a este tipo de pregação pentecostal.

8 Este último apesar de não usar uma essa nomenclatura tende em seu texto a usar as expressões

"vocação autoritária"; "incorporação de características rurais, autoritárias e patriarcais”; "personalista e centralizador nas mãos do pastor" (CAMPOS, 1996, p. 86-87).

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cargo, quanto da sucessão familiar neste que é principal posto de comando da instituição pentecostal assembleiana.

A lógica pentecostal que veio ao Brasil correspondia aos anseios presentes de setores sociais carentes e marginalizados pelo desprezo das classes dominantes (ROLIM, 1985) e, passo a passo foi se “abrasileirando”, se acomodando as novas demandas socioeconômicas do país. Após este período de acomodação que corresponde ao espaço de tempo entre 1911 até 1940 (ALENCAR, 2010; 2013; FAJARDO, 2015) o pentecostalismo brasileiro, em especial o assembleiano, passou a se moldar dentro das novas dinâmicas criadas pelos processos de industrialização e urbanização ocorridos na nação entre os diferentes governos populistas do período de 1946 a 1964, em especial do presidente Juscelino Kubitschek (1956-1960). Milton Santos (1993, p. 20-24) aponta que o processo de urbanização brasileiro durante o século XX, se comparado com os séculos anteriores, tem um empuxo muito mais considerável, pois se observamos os dados constataremos que a população urbana brasileira no ano de 1920 era de 10,7%, já em 1940 era de 31,24%, o triplo da anterior. Em 1980 chegou à marca de 65,10% da população morando em cidades, assim pela primeira vez na história do Brasil existiam mais pessoas morando nas cidades do que no campo. Essas transformações trouxeram novas situações e problemas que não eram comuns ao país.

É neste momento de desenvolvimento urbano/industrial do Brasil (1946-1988)9 que o pentecostalismo assembleiano buscou criar sua tradição, a fim de

combater esses novos desafios, que não eram mais, só o “desprezo do mundo”, mas sim, os “novos concorrentes” pentecostais (ALENCAR, 2013), que geravam situações de fragmentação do mesmo. Assim, esta pesquisa busca compreender as relações de poder, prestígio e dominação expressos dentro do cotidiano religioso pentecostal brasileiro, em especial o relacionado à figura do Pastor-presidente e a atual questão da sucessão familiar em seus principais postos de comando. Sendo o posto de Pastor-presidente a maior instância de poder dentro das ADs no Brasil. E tendo como universo de análise as Igrejas Assembleias de Deus Ministério de Madureira (que usarei a sigla ADMM), fundada pelo Pr. Paulo Leivas Macalão no

9 Utilizo da periodização feita por Alencar (2013), o qual afirma ser este o momento em que o Brasil

passa pelo processo de industrialização e o pentecostalismo assembleiano busca afirmar sua história criando sua tradição, firmando o papel do pastor-presidente. Este período registra muitos conflitos entre os “pastores invasores”, que abriam igrejas em locais onde já existia um ministério da AD (ALENCAR, 2013, p.196-197).

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ano de 1929 (ALMEIDA, 1982; CONDE, 2008) e, que a partir do ano de 1987 tem o Bp. Manoel Ferreira10 como presidente do Ministério (PRATES; FERNANDES,

2012). Sendo ele atualmente o presidente vitalício da CONAMAD (Convenção Nacional das Assembleias de Deus Madureira), órgão máximo do Ministério, no qual são tomadas as principais decisões desse segmento das ADs no Brasil.

A pesquisa em questão busca compreender as relações produzidas dentro do espaço religioso pentecostal brasileiro, em foco o da ADMM, a partir da pergunta até que ponto as relações de poder, prestígio e dominação da figura do Pastor-presidente influenciam na sucessão do comando dessa igreja? Até que ponto essa prática da sucessão familiar dentro das ADMM, expressa uma forma de patrimonialismo, que tende a criar neste espaço um tipo de monopólio familiar, o qual pode promover abusos de poder? Ao pensarmos as relações produzidas pelos conceitos de poder, prestígio e dominação aqui se podem verificar a existência dentro do campo do pentecostalismo assembleiano de estruturas com grandes complexidades sociais. Principalmente no que se justifica a sucessão familiar dentro desses espaços, uma vez que não era comum nos “primórdios” desse movimento esse tipo de prática. Assim, quais são as lógicas que ajudam a explicar os desdobramentos atuais deste fenômeno social dentro do pentecostalismo assembleiano, em especial o do Ministério Madureira?

Ao analisarmos a história das ADs no Brasil percebemos que o conceito de sucessão familiar é um fenômeno recente, o qual não era visto entre os fundadores das ADs no Brasil e nem pelos primeiros pastores brasileiros da mesma. Era muito comum entre os primeiros pastores ADs no Brasil a perpetuação e longevidade a frente da presidência de um determinado Ministério, mas seu sucessor não provinha de sua família, ou mesmo com qualquer grau de parentesco. Temos como exemplo, o próprio Macalão que ficou 52 anos a frente do Ministério de Madureira (ALENCAR, 2013) e quando de sua morte no ano de 1982, ele não foi substituído pelo seu filho, mas sim, pelo segundo vice-presidente o Pr. Orosman Dagolberto dos Santos na igreja-mãe em Madureira e pelo Pr. Lupércio Vergniano na direção da CONAMAD (Mensageiro da Paz, dez. de 1982, p.10).

10 Manoel Ferreira até o ano de 2017 era o único líder do Ministério de Madureira a assumir esse

título de bispo, que trazia como justificativa o reconhecimento da igreja evangélica Russa, pelos seus “serviços” prestados durante os anos de 1994-1998, caso que trataremos no último capítulo de nossa pesquisa (PRATES; FERNANDES, 2012, p. 132).

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Segundo Correa (2013) entre “o período de 1940 até a década de 1980”, a escolha de um novo Pastor-presidente se dava por uma votação entre os pastores, chegando a alguns casos incluir os próprios membros na votação. Entretanto o mais interessante era que o pastor deveria ser também “substituídos por pastores que não tinham vínculos familiares” (CORREA, 2013, p. 143). Sobre esse assunto Alencar (2013) levantas algumas perguntas pertinentes sobre esse assunto:

Por que os descendentes desta geração de pastores-presidentes não se tornaram também pastores? Por que, dos filhos desta geração, a absoluta maioria deles não entrou para o ministério pastoral e muitos saíram da igreja? Eles não quiserem seguir a carreira dos pais ou os pais não incentivaram? Em que mundo ou estilo de vida esses homens viviam que seus “modelos” não foram interessantes aos seus filhos? Esses pastores rejeitaram o nepotismo ou os filhos rejeitaram o pastorado? Que pontos em comum existem entre os “interesses” pastorais da geração passada e da nova geração de pastores-presidentes? Há alguma coincidência entre as “demandas de legitimação” dos antigos com os atuais? (ALENCAR, 2013, p. 182)11

Infelizmente Alencar não responde essas indagações em sua obra, já Correa (2013) tenta responder associando com a questão do “fator econômico” (CORREA, 2013, p. 143), uma vez que essas igrejas não desfrutavam das grandes receitas financeiras que hoje dispõem. Assim, será que este fenômeno é meramente uma questão financeira, ou existe alguma relação com a composição histórica de formação sociopolítica brasileira? Na formação sociocultural brasileira poderíamos encontrar elementos comuns das classes dominantes de outrora, que podem ser encontrados nas atuais relações processadas dentro desse espaço religioso, uma vez que os espaços religiosos não estão livres das influências recorrentes da dinâmica social? (BERGER, 1985) Quais são os mecanismos utilizados pelos líderes desse movimento que justifiquem essa prática em um contexto de democracia tão cara a recente história do país? Ainda mais, quais são as condições que levam tanto o “clero” mais abaixo da pirâmide e os “leigos” a aceitarem (mesmo que muitas vezes discordem dessa prática) de forma a naturalizar essa prática de sucessão e perpetuação “dinástica” nos principais postos de comando da ADMM?

É nesse sentido que podemos perceber a relevância que este tema incorpora para a atualidade de nossa sociedade, uma vez que, apesar de seus mais de 105 anos de existência, esse movimento ainda encontra fôlego para manter uma taxa constante de crescimento, mesmo que em menor proporção se comparado aos

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registros anteriores da mesma, em meio às novas configurações expressas na sociedade atual12 e que claramente foram comprovadas a partir dos dados

apresentados pelo IBGE, entre as décadas de 1980 até 2010.

Tabela 1: Número de fiéis das principais igrejas pentecostais13

Igrejas Pentecostais 1991 % 2000 % 2010 %

Assembleia de Deus – AD 2 439 770 29,8 8 418 154 47,5 12 314 410 48,5

Congregação Cristã do Brasil –

CCB 1 635 985 20,0 2 489 079 14,0 2 289 634 9,0

Universal do Reino de Deus –

IURD 268 955 3,3 2 101 884 11,9 1 873 243 7,4 Evangelho Quadrangular 303 267 3,7 1 318 812 7,4 1 808 389 7,1 Deus é Amor 169 343 2,1 774 827 4,4 845 383 3,3 Maranata 64 578 0,8 277 352 1,6 356 021 1,4 Outras 3 297 768 40,3 2 353 369 13,3 5 883 404 23,2 Total de Pentecostais 8 179 666 100,0 17 733 477 100,0 25 370 484 100,0 Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010.

Ao analisarmos o quadro acima podemos fazer alguns apontamentos importantes sobre os números indicados da religiosidade pentecostal brasileira, o primeiro ponto é que as igrejas ADs14 foram as únicas que mantiveram um

crescimento real (mesmo que 1% entre 2000 e 2010) em comparação a todas as outras igrejas ao longo desses quase 20 anos indicados na pesquisa do IBGE. Segundo, ainda se tratando na AD, notamos que o último período (2000 a 2010) da pesquisa mostra que o crescimento se comparado com o primeiro (1991 a 2000) praticamente foi nulo (somente 1% em comparação aos 17% dos números totais de pentecostais). Em terceiro ponto, percebemos que a primeira igreja pentecostal brasileira, a CCB, vem sofrendo um decréscimo considerável no número de adeptos em relação às outras instituições, pois caiu de 20% (do total de pentecostais em 1991), para 9% (em 2010) e sendo a única a só registrar queda ao longo das

12 Vale mencionar que as Assembleias de Deus no Brasil sofrem com um fenômeno que só vem

crescendo nestes últimos anos, que é a abertura de várias igrejas autônomas e que mantêm apenas a “logomarca” da instituição, não fazendo parte de nenhuma das grandes convenções de pastores como a CGADB ou a CONAMAD, mas pelo contrário criando suas próprias ou apenas se mantendo independente da influência destas.

13 JACOB, 2013, p. 85.

14 Podemos considerar os resultados do censo em relação às ADs como genéricos, pois ele engloba

todas as ADs no Brasil como uma só igreja, não levando em relação à múltipla e até polissêmica divisão dentro desta denominação.

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pesquisas. Quarto, as igrejas IURD, Quadrangular, Deus é Amor e a Maranata registraram um crescimento da primeira pesquisa (1991) para a segunda (2000), mas em relação à terceira (2010) todas registraram uma queda. Sendo a IURD, a que registra o maior número de queda de adeptos, em torno de 228.641 pessoas.

Em último ponto, podemos notar um contraponto desta pesquisa, o qual sem dúvida é o campo que registra outras, as quais não compõe o ciclo das igrejas pentecostais mais formais, ou seja, são geralmente pequenos Ministérios ou mesmo igrejas independentes das mais tradicionais, que mostram números consideráveis em comparação com as mais tradicionais e conhecidas igrejas desse meio. Do total de pentecostais em 1991, eles registram 40% (sendo em números reais 3.297.768 de adeptos) superando todas as outras (inclusive as ADs) e, apesar de registrar uma queda considerável em percentuais do total de adeptos pentecostais ano de 2000 (13,3%), em 2010 tem um crescimento real/percentual de 9,9%. O qual tende a indicar uma despolarização real do eixo das igrejas pentecostais mais conhecidas e tradicionais no momento de adesão de uma pessoa. Algumas perguntas podem ser levantadas, a partir dessa análise dos dados ao referido campo, quem são essas pessoas? Serão novos adeptos (no sentido de ser um católico, ou um de outros espaços religiosos, ou ainda um ateu), ou um adepto de algumas dessas igrejas que não estava mais contente com sua antiga instituição e resolveu mudar? Quantas dessas instituições saíram de um das “igrejas tradicionais” desse movimento por algum tipo de discordância com a gestão das mesmas? Infelizmente os dados não oferecem caminho para essa resposta, entretanto fica como possíveis indícios para pesquisas posteriores, a fim de um maior conhecimento dos aspectos referentes ao múltiplo e polissêmico campo pentecostal brasileiro.

Retornando o nosso foco as ADs no Brasil, além do fato do crescimento desse movimento ainda se manter, mesmo que menor em relação aos censos anteriores se pode pensar o porquê uma igreja tão expressiva no cenário religioso nacional e de importante crescimento parece aceitar/legitimar o modelo de sucessão familiar em pleno contexto de necessária modernização das instituições religiosas em geral. Nisso destoa com as propostas de democracia e alternância de poder reforçadas com a superação da ditadura militar nos anos oitenta, criando um “séquito sacerdotal” prestigioso, vitalício e familiar, que parece remontar os “tempos bíblicos”. Até o momento esse fenômeno pouco foi pesquisado. Os autores que poderíamos nomear como clássicos dos estudos do pentecostalismo brasileiro

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(SOUZA, 1969; NOVAIS, 1985; ROLIM, 1985; LÉONARD, 1988; FRESTON, 1994) pouco, ou quase nada falam sobre a questão central dessa pesquisa. É claro que não podemos desprezar a sua contribuição na busca de estudar, compreender e explicar o fenômeno pentecostal, mas eles buscaram mais se aproximar dos efeitos desse movimento em relação à sociedade em questão.

Salvo essa explicação, queremos mencionar o trabalho de Lavive d’Epinay “O Refúgio das Massa”, que no Brasil é publicado no ano de 1970. Esta obra busca realizar uma série de estudos sobre o protestantismo presente na América Latina, tendo um olhar também para o fenômeno do pentecostalismo existente no Chile durante a década de 1960. Sua percepção do pentecostalismo está baseada na noção de que este movimento é uma “expressão nacional que transcende as fronteiras de qualquer país e que soube conquistar um lugar entre os elementos populares” (D’EPINAY, 1970, p.9). Considera ainda que o pentecostalismo se tornou uma espécie de sociedade sem classes, que rompe com o tradicionalismo católico do clero, pois oferece a todo fiel acesso às forças sobrenaturais abrindo a possibilidade de todos a chegarem a ocupar uma posição hierárquica dentro do movimento (espécie de sacerdócio universal do crente). A obra reserva ainda uma seção para o estudo do poder no pentecostalismo chileno, afirmando que o “pastor pentecostal é investido de um autoritarismo monopolista” (1970, p. 128), mas que diferente do pastor brasileiro que exercia uma profissão paralela ao seu trabalho, o pastor chileno era mantido pelo dízimo de sua comunidade (1970, p. 136). O autor afirma que o pastor pentecostal representaria uma espécie de caudilhismo. Devemos aqui pontuar, que ele não expressa isso como uma coisa ruim, mas ele tenta demostrar que o pastor pentecostal chileno na cidade assume o papel de um “protetor” e “promotor” do bem social ao grupo que a ele está junto, essa prática se assemelharia as práticas dos caudilhos chilenos do interior (1970, p. 140-141).

Dito isso, em nossa busca e consulta de autores que tratem da temática de nossa pesquisa, encontramos em um trabalho bem recente uma autora que se interessou por essa questão do carisma e do exercício do poder nas ADs. Faço referência a Correa (2013), que em sua tese de doutoramento buscou trabalhar (mesmo que brevemente) a relação de poder dentro desse espaço religioso específico. Encontramos ainda um artigo da mesma autora publicado em 2014, com o título “Igrejas Assembleias de Deus no Brasil: pastores-presidentes e a linhagem

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religião, profissão e vocação, tendo uma visão mais jurídica do assunto dentro de um questionamento se a atual conjectura em relação ao pastorado e sua sucessão seja um estado de profissionalização, ou uma questão de vocação do indivíduo (ou família). A presente pesquisa avança no passo de entender não apenas como a figura do Pastor-presidente surge na história do movimento, mas como ele vai adquirindo todo esse prestígio para se tornar a principal e quase “divinizada” figura do meio assembleiano. E quais foram e são os desdobramentos da mesma na atual composição socioeconômica da instituição religiosa pesquisada. Neste sentido, entender como funciona as relações de poder, prestígio e dominação relacionados ao fenômeno de perpetuação/e sucessão no espaço pentecostal das ADs, em foco o Ministério de Madureira, pode contribuir para uma melhor compreensão das novas dinâmicas que o pentecostalismo está tomando dentro do espaço religioso brasileiro. A presente pesquisa foi realizada a partir do levantamento bibliográfico de documentação primária, as quais foram os livros da história oficial e biografias de alguns líderes das ADs no Brasil. Analisamos também conteúdos de dois jornais oficiais das ADs, sendo um o “Mensageiros da Paz” e, o outro “O Semeador” de períodos específicos da história do movimento, como a fundação do Ministério de Madureira e sua consolidação na história das ADs no Brasil (período entre 1930-1950), a morte do Pr. Paulo Macalão, sua sucessão e a perpetuação da Família “dos Ferreiras” (período entre 1980-2000). Buscamos fatos correlacionados ao nosso objeto em revistas como “Seara” e “Obreiros”. Em seguida nos utilizamos de bibliografias secundárias, com a utilização de “livros referências”, teses, dissertações e artigos que tratam de forma direta ou correlacionada aos objetivos traçados para a pesquisa. Ainda consultamos diversos sites oficiais e não oficiais do movimento, ao longo da construção da mesma, a fim de nos remeter aos conteúdos mais relevantes e importantes para a realização desta dissertação.

Optou-se pela pesquisa qualitativa utilizando prioritariamente como método de investigação a pesquisa bibliográfica-documental, que nos deu o embasamento teórico para a produção desta dissertação. Para que pudéssemos chegar aos resultados ora apresentados neste texto, foi realizada uma pesquisa de campo, que consistiu em entrevistas a partir de questionários abertos. Entrevistamos seis pessoas que fizeram e fazem parte ainda da instituição. Buscamos realizar as mesmas em lugares neutros, ou seja, fora do espaço religioso da ADMM. Os entrevistados foram divididos em três grupos de duas pessoas cada, sendo eles

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homens, que se encaixam no seguinte perfil: - Grupo 1: Pastores-presidentes, com idade igual ou superior a 55 anos e que tem no mínimo 5 anos de experiência no cargo citado. Partimos do pressuposto que a carreira do pastor-presidente é construída ao longo de alguns anos, no qual o indivíduo deve passar por fases até atingir este posto. E os dois não só se encaixavam nos requisitos, como até os superaram. Fizemos a opção por essa idade, pois ela atendeu a um outro objetivo de nossa pesquisa, o qual era de falarmos sobre o Pr. Paulo Leivas Macalão que já é falecido a mais de trinta e quatro anos, dessa forma um pastor-presidente com idade inferior a essa não poderia contribuir neste foco.

Grupo 2: Foi de pastores de congregação. Neste caso os mesmos tem idade superior a 35 anos, sendo membros da instituição a mais de 10 anos. Diferente da questão anterior à escolha dessa idade também foi intencional, pois desejamos entrevistar pessoas que estivesse no extremo das idades, a fim de percebemos qual seria a visão de um obreiro que tenha vivido durante a gestão do Pr. Macalão e a atual e a visão de um obreiro que só conheceu a gestão atual. Fato que conseguimos, pois um dos entrevistados conheceu a Macalão e o outro quando chegou à instituição, o referido pastor já era falecido.

Grupo 3: Composto de ex-pastores-presidentes da ADMM e que por motivos de não concordância com as práticas atuais do Ministério, deixaram o mesmo. Estes tem idade entre 55 a 70 anos e fizeram parte do ministério em um período superior a 30 anos. Sua escolha se deu porque abaixo dessa idade teríamos problemas com uma relação próxima ao período de Macalão, mais ainda as transformações que levaram eles a abandonar o ministério. Essa opção nos ajudou a perceber os conflitos e tensões atuais dentro da instituição.

Sobre as entrevistas a princípio ficamos receosos de como seriamos recebidos, principalmente pelos que ocupam o posto de Pastores-presidentes da instituição, uma vez que eles poderiam pensar que a pesquisa tinha como função “desmerecer”, ou “desprestigiar” suas pessoas. Levantando a questão de até quanto suas falas seriam verdadeiras em relação às perguntas realizadas? O que podemos perceber é que um deles respondeu as questões de forma bem polida, evitando qualquer tipo de polêmica, mesmo sendo algumas vezes provocado durante a entrevista. O outro de forma mais descontraída e aberta, respondendo todas as perguntas de forma franca e bem direta, não evitou falar sobre assuntos polêmicos e criticou muito, certas posturas de alguns líderes da ADMM, segundo ele,

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descaracteriza a real “vocação” do chamado pastor-presidente. Entre os pastores de congregação e os ex-pastores-presidentes, as entrevistas foram menos tensas, em comparação as do grupo dos pastores-presidentes. Nosso único receio era com os ex-pastores responderiam, pois devido o seu rompimento com o movimento, suas respostas poderiam tender para um desabafo. Porém o que se viu foi uma postura de sobriedade e muito respeito com a instituição, uma vez que, para os mesmos foi nela que eles puderam desenvolver sua vocação.

O resultado final dessa pesquisa está organizado em três capítulos, que a seguir apresentamos,

O primeiro capítulo trata sobre “‘Patriarcalismo/patrimonialismo’ na formação sociocultural das Assembleias de Deus no Brasil”, tendo como ponto central a figura do Pastor-presidente. Fazemos um balanço parcial da forma como o pensamento social brasileiro trata certas figuras sociais da história nacional como “meros estoques culturais”, nos quais os mesmos não passariam de uma herança cultural, retirando deles sua condição de produtores e reprodutores de padrões sociais. Buscamos então desconstruir essa noção demonstrando que os mesmo se processam por diferentes e complexas práticas sociais. Utilizamos para isso os conceitos weberianos de poder e dominação e como eles atuam nas diferentes composições que as ADMM foram adquirindo no decorrer de sua história. Falamos também sobre a trajetória de um indivíduo pentecostal para se tornar pastor-presidente e como vai se dando o seu prestígio frente ao grupo. Utilizamos aqui os conceitos de capital simbólico e social de Bourdieu. Ainda neste capítulo tratamos sobre os limites de um Pastor-presidente e quais seriam os instrumentos que possibilitariam fiscalizar suas ações na condução da mesma. Por fim, abordamos um caso sobre a retirada de um Pastor-presidente de sua função em um Campo das ADMM, devido algumas de suas ações e atitudes que geraram um conflito com os membros e a diretoria desta determinada igreja “madurense”.

No segundo capítulo falamos sobre “A primeira Assembleia de Deus ‘autenticamente’ brasileira”, no qual focamos sobre a vida e trajetória dos dois principais líderes da ADMM. Na primeira parte do capítulo reservamos ao fundador do ministério o Pr. Paulo Leivas Macalão, descrevendo como o mesmo deu início a ADMM e sobre a sua postura autônoma e “interregionalista”, que lhe atribuiu o título de “invasor de campo”. Esta parte tem a função de nos ajudar na compreensão de como o poder e prestígio do mesmo se desenvolveu ao longo dos anos, indo do

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carisma para o poder patrimonial e que se utilizou de mecanismos racionais burocráticos para manter o poder e a ordem, todas as vezes que viu ameaçada a “unidade” de sua igreja. A segunda parte desse capítulo aborda a suposta condição do Bp. Manoel Ferreira como o sucessor mais indicado de Macalão. Para isso abordamos questões sobre a rotinização do poder e como se processa uma sucessão dos poderes. Também buscamos descrever a trajetória do mesmo dentro do ministério e como ele aos poucos foi se consolidando como a escolha “mais justa” para suceder o fundador. Ao final do capítulo dispomos de uma seção que trata de sua tentativa em ingressar a vida política, relacionando a sua condição prestigiosa, mas que no final não lhe garantiu muito sucesso, apesar de ter sido eleito a deputado federal no ano de 2006.

Por fim, no terceiro capítulo – “O Ministério de Madureira na Atualidade”, discorremos na primeira parte do capítulo sobre as características atuais do Ministério de Madureira, dividindo ele em três partes para uma melhor compreensão, dessa forma tratamos sobre a CONAMAD, o Campo e o “Governo da Igreja”, que se trata da formatação hierárquica da organização. Na segunda parte do capítulo falamos sobre a questão da sucessão atual dentro da ADMM, se a mesma é uma prática patrimonialista ou uma questão de herança aos filhos de determinados líderes. Ainda nesta parte dedicamo-nos a falar sobre os dois filhos do Bp. Manoel Ferreira (Abner e Samuel Ferreira) e como ambos se firmaram como os “sucessores legítimos” ao comando da CONAMAD. Na seção final desse capítulo analisamos algumas questões referentes aos conflitos internos e como eles foram resolvidos, os quais levaram alguns Campos ao rompimento com o Ministério e a se tornarem em Ministérios independentes atualmente.

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CAPÍTULO 1

O

“PATRIARCALISMO/PATRIMONIALISMO”

NA

FORMAÇÃO

SOCIOCULTURAL DAS ASSEMBLEIAS DE DEUS NO BRASIL: a

figura do Pastor-presidente.

Ao estudarmos como foi sendo construído e ao mesmo tempo desenvolvido o pensamento social brasileiro ao longo do século XX, é possível perceber a ausência (não sei se proposital, ou não) de alguns dos movimentos sociais que ajudaram a construir direta, ou indiretamente a sociedade brasileira. Entre eles podemos fazer referência ao fenômeno do protestantismo, em especial, ao de vertente pentecostal. Movimento esse com mais de 100 anos de história dentro do território nacional e, que hoje se não em todas as cidades e municípios do mesmo, se pode constatar a presença de pelo menos uma igreja desse movimento em todos os estados nacionais de norte a sul, leste ao oeste de nosso país. Porém, ele só foi percebido pela Academia brasileira no final da década de 196015, como um movimento social

relevante e carente de uma compreensão mais minuciosa com os estudos de Beatriz Muniz de Souza (1969) e de Candido Procópio Ferreira de Camargo (1973).

Não é nossa intenção aqui afirmar que depois desses primeiros trabalhos de pesquisa, a Academia se interessou de vez em entender e explicar esse fenômeno de forma mais contundente, ao contrário se passaram quase duas décadas para que o fenômeno do pentecostalismo pudesse despertar os interesses mais efetivo dos pesquisadores de diferentes áreas das Ciências Humanas e da Religião e até mesmo da área de Teologia. O próprio censo demográfico brasileiro demorou em se adequar a essa realidade, uma vez que até o ano de 1960 se optava por manter o “quesito religião em aberto” (SANTOS, 2014, p. 21), dessa forma protestantismo e pentecostalismo eram analisados de forma conjunta, assim como os espíritas, umbandistas e candomblecista eram entendidos como uma única forma de expressão religiosa, pelo menos nos dados.

Podemos considerar que as “novas religiões” tendem a atender a situações sociais emergentes, dessa forma os censos seguintes passaram a ampliar a forma de coletar e tabular dados, requisitando o trabalho de profissionais das Ciências

15 As pesquisas de Willems (1967) e D’Epinay (1970) sobre o pentecostalismo no Chile e Brasil são

pioneiras na América Latina, ou quais ajudaram a fazer uma primeira delimitação a abordagem sobre esse movimento na região citada.

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Humanas para auxiliar no processamento e interpretação dos dados coletados (2014, p. 21-22), a fim de atender as novas demandas exigidas por essa sociedade em transformação. Assim,

Os censos a partir de 1980 ampliam a riqueza de investigação dos censos anteriores e contam agora com o processo de informatização das informações necessárias para suprir as demandas dos estudiosos em busca de tabulações, cruzamentos de variáveis, além dos resultados oficiais publicados no censo. (SANTOS, 2014, p. 22)

Outro dado importante é que o primeiro estudo acadêmico brasileiro sobre o protestantismo foi produzido pelo historiador e protestante francês Émile G. Léonard, em sua obra “O Protestantismo Brasileiro” de 1963. Mas, que nessa obra traz um “esquecimento” do fenômeno pentecostal brasileiro, pois, o mesmo, reserva no máximo cinco páginas para falar do movimento. É durante a década de 1980, que Léonard (1988) publica uma pesquisa que fora realizada ainda na década de 1930, sobre movimentos que denominou de “iluminista”16 e o movimento pentecostal que

se implanta no Brasil no início do século XX. A partir de uma pesquisa historiográfica o autor elucida uma faceta da composição social brasileira que é o seu misticismo, apresentado de forma sucinta algumas de suas características. Apesar de apresentar o pentecostalismo como um movimento uniforme e sem particularidades, a obra sem dúvida ajudou na busca de uma maior compreensão desse segmento no referido período.

A pergunta que se pode fazer é o que explica esse “esquecimento” inicial? Ser ele um movimento recente e sem expressão numérica? Acreditamos que não, uma vez que o pentecostalismo no momento da publicação dessa obra, já contava com pouco mais de meio século de existência em nosso país, e ainda mais, segundo Rolim (1985, p. 104-105), no ano de 1960 esse movimento conta em números com 705.031 membros comungantes, o que representava pouco mais de 1% do total da população brasileira17; enquanto os tradicionais contam com 663.968

membros comungantes (menos de 1% do total da população brasileira). Assim em termos numéricos não se explica esse “esquecimento”, ainda mais porque, nesses mesmos dados expostos por Rolim à distribuição percentual dos membros pentecostais e de não pentecostais nas diferentes regiões do Brasil, em especial, na

16 Por iluminismo Leonard entende como um movimento que traz em seu bojo expressos místicos de

uma forma de iluminação interna, no qual indivíduos ou grupos expressão sua fé a partir de sensações místicas de encontro com o sobrenatural – Deus.

17 Segundo o Censo demográfico do IBGE de 1940/2010 o total da população brasileira em 1960 era

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região sudeste do país é muito semelhante, aliás, com uma ligeira diferença para os pentecostais, os quais detinham 21,6% dos totais de protestantes, enquanto os não pentecostais somavam 21,1%.

Entendendo ser o fenômeno pentecostal brasileiro um movimento com características próprias e peculiares diferente do tipo de pentecostalismo que se desenvolveu nos Estados Unidos (SOUZA, 2008), podemos perceber que o seu desenvolvimento ocorre paralelamente a já instituída produção da cultural brasileira, ou seja, a partir de seu contato com as diferentes áreas da vida social, econômica, política do Brasil podemos pensar em uma “brasilianidade” pentecostal, na forma de um movimento religioso com características semelhantes à de qualquer outro movimento social que se desenvolveu durante a formação cultural do país. Para entendermos esse movimento e as suas práticas atuais precisamos entendê-lo a partir das características que adquire como parte da formação do próprio Brasil. Uma vez que nenhum fenômeno social pode se desenvolver autonomamente das dinâmicas sociais de onde ele está inserido. Berger já afirmava que,

A sociedade é, portanto, não só resultado da cultura, mas uma condição necessária dela. A sociedade estrutura, distribui e coordena as atividades de construção do mundo desenvolvidas pelos homens. E só na sociedade os produtos dessa atividade podem durar (BERGER, 1985, p. 21.).

Para ele o processo dialético de exteriorização, objetivação e interiorização são o que nos definem enquanto seres humanos, uma vez que o mesmo “não pode ser concebido como algo isolado em si mesmo”. Esse ponto revela que só é possível ser um produto da sociedade (interiorização), quando esse ser humano (ou seres humanos em uma comunidade) se efundem (exterioridade) ao mundo, objetivando suas ações e tendo reconhecido a sua sui generis, como válidas ao meio em que estão inseridas (BERGER, 1985, p. 16-17). Entendemos então que para compreender de forma mais séria e próxima os fenômenos produzidos atualmente pelo pentecostalismo brasileiro, em especial, o assembleiano precisamos entendê-lo a partir das relações com a formação da sociedade brasileira ao longo de sua história.

Para uma melhor compreensão desse fenômeno recorreremos à área de conhecimento da sociologia que busca explicar como se constituiu o chamado pensamento social brasileiro. Uma vez que “a realidade social não é visível a olho nu, o que significa que o mundo social não é transparente aos nossos olhos”

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(SOUZA, 2015, p. 9), precisamos nos apropriar de “lentes” que nos forneçam a condição necessária para romper com o senso comum e com possíveis “achismos” sobre o objeto em questão. Dessa forma nesse capítulo abordaremos o conceito de patriarcalismo/patrimonialismo dentro da construção das diferentes instituições que deram e dão corpo ao Brasil. Tema este recorrente a diversos autores que buscaram explicar como se originou os contornos atuais da economia, política e sociedade brasileira.

1.1. O PATRIARCALISMO/PATRIMONIALISMO NO PENSAMENTO SOCIAL BRASILEIRO.

Para compreendermos as dinâmicas do pentecostalismo brasileiro atual e podermos fazer uma análise mais próxima da realidade é imprescindível voltarmos um pouco na história de formação do Brasil, dentro do seu contexto econômico, político e social, lembrando que a formação da nação está completamente imbricada com o projeto em sua gênese de um empreendimento mercantilista (PRADO Jr., 2011; FURTADO, 2005), ou seja, não havia por parte de Portugal um projeto de formação de uma “nação”, mas sim, uma forma de garantir que o seu “ganso dos ovos de ouro”, não fosse tomado pela outras nações europeias18.

O início da ocupação econômica do território brasileiro é em boa medida uma consequência da pressão política exercida sobre Portugal e Espanha pelas demais nações europeias. Nestas últimas prevalecia o princípio de que espanhóis e portugueses não tinham direito senão àquelas terras que houvessem efetivamente ocupado. Dessa forma, quando, por motivos religiosos, mas com apoio governamental, os franceses organizam sua primeira expedição para criar uma colônia de povoamento nas novas terras - aliás, a primeira colônia de povoamento do continente -, é para a costa setentrional do Brasil que voltam as vistas. Os portugueses acompanhavam de perto esses movimentos e até pelo suborno atuaram na corte francesa para desviar as atenções do Brasil. Contudo tornava-se cada dia mais claro que se perderiam as terras americanas a menos que fosse realizado um esforço de monta para ocupá-las permanentemente. Esse esforço significava desviar recursos de empresas muito mais produtivas no Oriente. A miragem do ouro que existia no interior das terras do Brasil - à qual não era estranha a pressão crescente dos franceses – pesou seguramente na decisão tomada de realizar um esforço relativamente grande para conservar as terras americanas. (FURTADO, 2005, p. 16.).

1818 A historiografia brasileira apresenta pelo menos dois casos de tentativas de invasão à colônia

portuguesa aqui na América (Brasil), uma por parte dos franceses e outra pelos holandeses, este último com um período maior de permanência. (FAUSTO, 1995; SKIDMORE, 1998).

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Por este motivo, esse empreendimento carrega características muito particulares e peculiares em sua formação econômica, política, social e também religiosa, uma vez que a religião que se formara no território brasileiro tende a atender as necessidades do projeto colonialista nas Américas. Assim, para conseguirmos melhor compreender o como se dá o nascimento e a evolução do pentecostalismo brasileiro, primeiro precisamos entender o “sentido” dado ao Brasil, ou seja, “perceber não nos pormenores de sua história, mas no conjunto dos fatos e acontecimentos essenciais que a constituem num largo período de tempo” (PRADO Jr, 2011, p. 15.).

Autores conceituados no campo das Ciências Sociais e Humanas se debruçaram não só para entender, mas em explicar como se deu a “múltipla” formação étnica de nossa sociedade (IANNI, 2004, p.159) e como essa “múltipla” formação ajuda a explicar os contornos daquilo que estamos denominando de patriarcalismo/patrimonialismo brasileiro. Podemos citar aqueles que são considerados como “clássicos” do desenvolvimento do pensamento social brasileiro; Gilberto Freyre em “Casa Grande & Senzala” (1932), Sergio Buarque de Holanda em “Raízes do Brasil” (1936) e Caio Prado Júnior em “Formação do Brasil Contemporâneo” (1942), Raymundo Faoro em “Os Donos do Poder” (1958) entre outros, que buscaram explicar a formação do chamado Brasil Moderno. Em primeiro lugar, alguns desses teóricos se utilizaram do conceito que é comumente denominado de miscigenação (ou encontro étnico de matrizes diferentes19, ou ainda

multietnicidade20), o qual inaugura a corrente do chamado culturalismo brasileiro,

que buscou romper com as teorias de um cientificismo racista na intenção de encontrar e formular uma “identidade nacional” ainda em meados da década de 1930, mas que não consegue romper com concepções eurocêntricas de modernidade. Porém, muitos desses intelectuais, ao buscarem construir uma explicação coerente de nossa formação se depararam com o problema dos “estoques culturais herdados” (SOUZA, 2015), ou seja, o que somos hoje está relacionado diretamente ao legado deixado pela colonização portuguesa.

Esta visão impõe a sociedade brasileira rótulos como corrupção, preguiça, passividade, “clientelismo”, atraso, pobreza, dependência como as marcas de uma sociedade ainda pré-moderna e que está completamente presa nessas “condições

19 RIBEIRO, 1995. 20 IANNI, 2004.

Referências

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