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CAPÍTULO 2 LINGUÍSTICA APLICADA, LINGUÍSTICA DE CORPUS,

2.1. Linguística Aplicada: introdução

2.1.1. Linguística Aplicada: breve retrospectiva

Faremos aqui um sucinto relato dos principais fatos da história da LA na medida necessária para nosso entendimento de três pontos: a) como ela surgiu, b) estudo do ensino de línguas como única preocupação inicial e, c) expansão dos estudos linguísticos com a aplicação do conhecimento para outras situações reais além do ensino de línguas. Para tanto, nos orientamos, principalmente, pelas palavras de Celani (1992) e Damianovic (2005).

Segundo Celani (1992, p. 16) e Damianovic (2005, p. 182-183), a LA percorreu caminhos longos e tortuosos até que pudéssemos defini-la como uma área de pesquisa independente. A partir dessa conquista, sua expansão internacional se deu pela criação de Programas de Estudos Pós-Graduados. No Brasil, tivemos o primeiro Programa de Estudos Pós-Graduados em Linguística Aplicada ao Ensino de Línguas (LAEL) implantado em 1970, cuja sede ainda é na (PUC-SP). Como podemos perceber pelo próprio nome do programa a motivação dos estudos, nesse momento, era exclusiva para o ensino de línguas, em especial o idioma Inglês. Para Moita Lopes (1996a), esse olhar pedagógico ocorreu, provavelmente, ―devido à importância da linguagem na educação formal‖. A maioria das pesquisas mundiais, daquele momento, envolvia ―questões relativas ao uso da linguagem em sala de aula, englobando, portanto, aspectos de ensino / aprendizagem de línguas‖ (MOITA LOPES, 1996a, p. 11). Segundo Simpson (2011), essa ainda é uma preocupação relevante (p. 1). Conforme Damianovic (2005), em um determinado período a LA esteve dependente da Linguística, pois, os linguistas utilizavam seus saberes, suas descobertas, somente, em práticas pedagógicas (p. 184).

Contudo, até chegarmos à criação desses programas tivemos uma crucial trajetória pautada por marcos mundiais na busca de ampliação dos estudos, tais como: o primeiro curso de Linguística Aplicada na Universidade de Michigan em 1946, entendido como uma abordagem científica que era voltada apenas ao ensino de línguas estrangeiras. Na verdade, um dos gatilhos para essa preocupação global com o ensino e aprendizagem de línguas parece ter emergido na década de quarenta com a Segunda Guerra Mundial que revelou dificuldades de comunicação, até mesmo com os aliados, tendo em vista a variação de idiomas. Segundo Damianovic (2005), a fundação desse curso aconteceu logo após o surgimento do termo LA, em 1940; Em 1964, tivemos a criação da Association Internationel de Linguistique Apliquée (AILA); Instalação da British Association of Applies Linguistics (BAAL), em 1966; Publicação da American Association of Applied Linguisticsnomesmo, mesmo ano da reunião

anual do Teachers of English to Speakers of other Languages (TESOL), em 1977, (CELANI, 1992, p. 15-16 e DAMIANOVIC, 2005, p. 183). Nesse período, o enfoque pedagógico da LA esteve ligado, principalmente, a três países: França, Inglaterra e Estados Unidos da América, preocupados em ofertar soluções científicas para essas demandas pedagógicas.

Para Celani (1992), as concepções epistemológicas do termo, naquele momento, eram:  Linguística Aplicada Entendida como Ensino/Aprendizagem de Línguas

– Talvez ―a mais antiga das interpretações‖, particularmente, encontrada na ―tradição Britânica‖ (CELANI, 1992, p. 17), refletia a noção de Linguística Aplicada ―como sinônimo de estudo científico dos princípios e da prática do ensino/aprendizagem de língua estrangeira‖. Segundo Celani (1992), as subsequentes reuniões internacionais da (AILA) revelaram uma gama de tópicos ―além de ensino/aprendizagem da língua materna, multilingüismo, testes, planejamento linguístico, sociolingüística, psicolingüística, lexicografia, tradução, lingüística contrastiva, lingüística computacional, estilística, letramento, dentre outros.‖ (p. 17);

Lingüística Aplicada Entendida como Consumo, e não como Produção

de Teorias

– Nessa ―visão, a LA seria um mediador entre descrições teóricas e atividades práticas diversas‖, ela apenas consumia e aplicava os estudos voltados aos interesses pedagógicos de ensino de línguas em total subserviência das teorias já existentes (p. 18);

Linguística Aplicada Entendida com Área Interdisciplinar

– Nessa concepção a autora fez uma observação a respeito da colocação de ―Kaplan (1980: 10)‖ sobre uma analogia da Linguística Aplicada em relação ao teatro como sendo um ponto convergente de todas as artes, por exemplo, música, cenografia e interpretação. Nessa analogia, a LA seria o ponto convergente dos estudos da linguagem com outras disciplinas (CELANI, 1992, p. 19). Observamos uma nova visão da LA rumo à expansão ao estabelecer diálogo com outras áreas e ao pesquisar outras problemáticas do mundo real além das pedagógicas.

Enfim, naquele momento, a Linguística Aplicada era entendida ―como ponto de convergência de disciplinas múltiplas, de caráter essencialmente humanístico‖ (CELANI e ZANOTTO-PASCHOAL, 1992, p. 8).

Segundo Damianovic (2005), fundamentada por ―Grabe (2002)‖, no início da década de sessenta o linguista aplicado poderia ser chamado de ―aplicador de saberes‖, já que ele estudava questões da linguagem que poderiam ser aplicadas ao ensino de Língua Materna e Estrangeira (p. 183). Para a autora, o desenvolvimento da LA, em parte século XX, se deu por meio das distinções sobre o modo de pensar a linguagem e a aquisição de língua a respeito de questões históricas, sociais, culturais e outras. Ancorada, ainda em Grabe (2002), Damianovic (2005), apontou que a ―dicotomização entre o indivíduo com o que o cerca deixou de reconhecer que as relações de poder eram advindas tanto da cultura, quanto da forma de ensino-aprendizagem‖ (p. 183). A LA passou a considerar o homem em sua plenitude social.

A expansão da LA iniciou na década de oitenta, por meio dos trabalhos publicados no Journal of Applied Linguistics e do Annual Review of Applied Linguistics (ARAL) cujo foco central da LA era os problemas de linguagem que tinham origem no mundo real (DAMIANOVIC, 2005, p. 184). Mestres e Doutores em Linguística Aplicada diversificaram suas pesquisas ampliando-as para além das fronteiras do ensino e aprendizagem de línguas englobando ―questões de política e planejamento educacional; uso da linguagem em contextos profissionais; tradução; lexicografia; multilingualismo; linguagem e tecnologia; e corpus lingüístico.‖ (DAMIANOVIC, 2005, p. 184). A partir desse contexto o linguista aplicado não é mais subserviente às teorias da ―ciência-mãe‖ a Linguística. Ele estabelece relações com ―outras áreas das Ciências Humanas. A LA passou a querer ser interdisciplinar. A Psicologia (em geral Cognitiva) e a Psicolinguística (do Processamento; da Aquisição) passaram a fornecer as bases antes buscadas exclusivamente na Linguística‖. A LA iniciou assim sua articulação dialógica com ―múltiplos domínios do saber‖ que, semelhante a ela, se preocupavam com a linguagem e, assim, deu um salto epistemológico significativo para esse campo científico (DAMIANOVIC, 2005, p. 186).

Na década de noventa, os reflexos das mudanças que aconteceram nos anos anteriores foram sentidos por meio das novas problemáticas e metodologias de pesquisa, mas, principalmente, pela postura do linguista aplicado ao estabelecer diálogo com outras áreas. Fato esse, que contribuiu para os debates ―sobre a identidade ou o caráter inter e/ou transdisciplinar‖ da LA (DAMIANOVIC, 2005, p. 187). Conforme Damianovic (2005), essa nova postura acarretou transformações que culminaram em estudos críticos da linguagem que podem ―revelar os processos pelos quais a linguagem funciona para manter e/ou mudar as relações de poder na sociedade. [...] O linguista aplicado pode auxiliar o ser humano a conscientizar-se sobre o modo como a linguagem contribui para o domínio de algumas pessoas sobre as outras‖ (p. 188). Em consonância com a autora e, citado na Introdução deste

trabalho, Coulthard afirmou que a linguagem é um grande ―instrumento de poder e controle‖, para esse autor, o linguista deve revelar ―como o poder e valores discriminatórios estão inscritos e mediados através do sistema linguístico‖ (CALDAS-COULTHARD e COULTHARD, 1996, Prefácio em COULTHARD, 2004). Assim, os dois autores, concordam que a linguagem é um dos instrumentos presentes nessa relação de poder, o linguista aplicado precisa se ater, também, a problemáticas reais da sociedade que estão além das questões pedagógicas.

Nas palavras de Damianovic (2005), fundamentada por ―Phillipsone e Skutnbb- Kangas (1986)‖, em um mundo marcado pela ―prosperidade compartilhada de forma desigual, pelo desperdício, pela injustiça, pela fome e pela doença, o papel dos linguistas aplicados precisou ser o de investigar as vias pelas quais seus trabalhos favoreciam as formas cada vez mais sofisticadas de coerção física, social e, acima de tudo, ideológica.‖ (p. 188). Para tanto, o linguista aplicado necessitou incluir em seus estudos ―as bases culturais e ideológicas do trabalho do ser humano e de sua vida, numa tentativa de compreender como essas bases podiam perpetuar ou transformar as grandes diferenças‖ (p. 189).

Dessa época para a nossa, não podemos dizer que observamos grandes modificações sociais na qualidade de vida dos indivíduos. Nossa introdução, neste trabalho, enumerou muitos levantamentos estatísticos que desnudaram o cenário social em apenas um problema, violência doméstica homicida. Como estão os demais itens citados acima? Perguntas como essas estimularam alguns linguistas aplicados a uma nova postura científica. Assim, a LA assumiu um novo papel e incluiu, também, em suas pesquisas problemas do mundo real em diversas esferas de atividade e não, somente, aqueles do ensino e a aprendizagem de línguas.

Diante disso, a LA não é mais vista só como uma disciplina e sim como um campo de atuação que considera outras áreas de conhecimento, não necessariamente conhecimentos linguísticos, a fim de encontrar respostas a seus questionamentos. A LA inicia uma trajetória pelos caminhos da interdisciplinaridade e da transdisciplinaridade.

Na próxima seção, discorreremos sobre esse momento de desenvolvimento da LA.

2.1.2. Linguística Aplicada: Multidisciplinar; Interdisciplinar ou Transdisciplinar