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LINGUA-E  LÍNGUA-I OU LÍNGUA-I  LÍNGUA-E

conceitos fundamentais

LINGUA-E  LÍNGUA-I OU LÍNGUA-I  LÍNGUA-E

Voltemos ao exemplo da introdução desta aula. Você está num encontro internacional com estudantes de todas as partes do mundo.

Os estudantes se comunicam inicialmente em inglês, que funciona como língua de comunicação universal. Ao ser perguntado sobre sua língua nativa, você responde que é falante do português. Então explica que essa foi a língua de seu ambiente na infância, no Brasil, quando você estava nos anos de aquisição da linguagem. Por fi m, você declara que o português existe na sua mente, bem como na mente de todos os demais falantes dessa língua. Além disso, você afi rma que o português existe também no código linguístico compartilhado por todas as comunidades de língua portuguesa ao redor do globo terrestre.

Inglês − língua internacional

A busca de uma língua que sirva de comunicação universal tem sido preocupação de fi lósofos, intelectuais e linguistas ao longo de muitos anos. No século XIX, acreditava-se que, por questões políticas, essa língua deveria ser culturalmente neutra, isto é, não deveria ser o idioma de nenhuma nação em particular. Foi por essa razão que uma língua artifi cial, o “esperanto”, passou a ser adotada por muitos eruditos como meio de comunicação entre falantes de diferentes línguas. O esperanto foi criado pelo polonês Ludwik Lejzer Zamenhof, que em 1887 publicou o primeiro manual sobre a língua. Ainda hoje, o esperanto é a língua artifi cial mais usada no mundo, muito embora sua expressão em número de falantes seja muito pequena. Ocorre que, no curso do século XX, foi o inglês que acabou consagrando-se como a língua de comunicação universal. Natural-mente, a opção do inglês decorre, por um lado, da longa infl uência cultu-ral e econômica que o império britânico exerceu sobre a história moderna

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O inglês como língua universal, algumas características do inglês como língua mundial e ilustra certos fatos que levaram o idioma a essa posição privilegiada.

Figura 2.2: David Crystal.

Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/File:David_crystal.jpg).

Nessa pequena história, quando formulamos a dupla resposta à pergunta “onde se encontra a língua que você sabe falar”, estávamos na verdade apresentando a você um problema crucial no estudo da linguagem: o conceito de língua. Como vimos, o termo língua pode assumir pelo menos dois signifi cados. Primeiramente, pode signifi car o conhecimento linguístico de um indivíduo acerca de uma dada língua, ou seja, língua é a faculdade cognitiva que habilita esse indivíduo a produzir e compreender enunciados na língua de seu ambiente. Nessa acepção, o termo língua refere-se a uma habilidade presente na mente humana.

Em segundo lugar, língua pode signifi car o código linguístico existente numa comunidade humana, isto é, língua é o léxico e tudo o que nele está contido ou dele é derivado. Nessa acepção, língua diz respeito a algo que assume existência fora da mente das pessoas. É com base no primeiro signifi cado de língua que você pode responder à pergunta da história dizendo que “o português existe na sua mente e na mente de todos os que sabem falar essa língua”. E é a partir do segundo signifi cado que faz sentido você responder à pergunta dizendo que “o português existe no código linguístico vigente nas comunidades lusófonas do mundo, tais como Brasil, Portugal, Moçambique etc.”.

Você já deve ter percebido que língua como faculdade cognitiva e língua como código linguístico são realidades muito diferentes. Para exemplifi car essa dessemelhança, pensemos, por um momento, na quan-tidade de línguas existentes no mundo. Quantas línguas você imagina que são faladas hoje ao redor do globo?

Se assumirmos que língua é uma capacidade presente em cada mente humana, diremos que há no mundo seis bilhões de línguas, na medida em que existem nele cerca de seis bilhões de cérebros/mentes humanos. Já se interpretarmos língua como código linguístico socialmente compartilha-do, então diremos que existem seis mil línguas no muncompartilha-do, cada qual com centenas de subdivisões dialetais correspondentes às diversas organizações sociais humanas. São números bastante diferentes, não são?

Dada a grande diferença entre os dois conceitos, você deve estar se perguntando como é possível evitar confusões ao empregar o termo língua ao longo de seus estudos sobre a linguagem humana. Afi nal, como poderemos deixar claro quando estivermos falando de língua como faculdade cognitiva e quando estivermos falando de língua como código linguístico socialmente compartilhado?

Em seu livro clássico, lançado em 1986, intitulado “O conhecimen-to da língua. Sua natureza, origem e uso”, Chomsky procurou resolver o problema. Ele propôs o uso do termo “língua-I” para fazermos referência à língua em sua acepção cognitiva. Para nos referirmos à língua como fenômeno sociocultural, Chomsky propôs o termo “língua-E”.

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Ao usarmos os conceitos propostos por Chomsky, poderemos dis-tinguir, com clareza, a dimensão subjetiva das línguas e a sua dimensão objetiva, evitando, assim, as confusões que o termo genérico língua pode provocar. A dimensão mental/subjetiva do fenômeno da linguagem, que também chamamos de cognitiva ou psicológica, é sintetizada no conceito de língua-I, em que “I” signifi ca interna, individual e INTENSIONAL (escrito com “s” mesmo!). Por sua vez, a dimensão sociocultural/objetiva das lín-guas é denominada língua-E, em que “E” quer dizer externa e EXTENSIONAL.

Se você já compreendeu corretamente que todo e qualquer fenô-meno linguístico compreende sempre duas dimensões, a extensional (coletiva, exterior) e intensional (individual, interior), poderemos então passar às seções seguintes de nossa aula. Veremos em detalhes o que faz com que uma língua deva ser interpretada como língua-E e, por contraste, o que faz com que uma língua deva ser interpretada como língua-I. Você verá que, se especifi carmos a noção de língua nos conceitos de língua-E e de língua-I, muitas confusões comuns nos estudos da linguagem poderão ser evitadas.

A distinção

INTENSIONAL vs. EXTEN

-SIONAL tem origem na fi losofi a. “Inten-sional” diz respeito a

tudo o que é interior e próprio a um dado signifi cado, ao passo que “extensional”

refere-se à extensão de um dado signifi cado, isto é, diz respeito à classe de objetos a que o signifi cado se refere. Por exemplo, as propriedades físicas que, por si mesmas, defi nem o espectro de luz que denominamos portanto, o signifi cado

“vermelho” faz

Atende aos Objetivos 1 e 2

1. Imagine que você esteja num encontro internacional de estudantes e seja apresentado a Juan, um jovem paraguaio que fala espanhol e guarani.

Como você descreveria a dimensão objetiva e a dimensão subjetiva das línguas que o Juan domina?

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ATIVIDADE

RESPOSTA COMENTADA De acordo com o que você acabou de estudar, é possível afi rmar que a dimensão objetiva das línguas que o Juan domina diz respeito ao código linguístico coletivamente compartilhado pelos membros das comunidades paraguaias. Nesse caso, por se tratar de um país bilíngue, há dois códigos coexistentes: o espanhol e o guarani. Esses códigos existem independentemente do Juan, ou de qualquer outro falante. São os produtos culturais que os paraguaios contingente-mente herdam ao nascer naquela comunidade. Já a dimensão subjetiva dessas línguas está no fato de que, uma vez adquiridas por uma pessoa, elas passam a fazer parte da mente de um indivíduo particular, como o Juan, constituindo a sua competência linguística.

Por exemplo, há uma confi guração específi ca na mente de Juan que o torna capaz de usar o espanhol e o guarani – e é essa confi guração a que nos referimos com a expressão dimensão subjetiva. Torna-se fácil, portanto, entender que espanhol e guarani são as línguas-E da sociedade paraguaia e são também as línguas-I presentes na mente de Juan. Note que se o Juan tivesse tido outra origem sociocultural, sua língua-I seria outra, independente do espanhol e do guarani. Se ele tivesse nascido no Rio de Janeiro, por exemplo, provavelmente sua língua-I seria o português, já que essa é a única língua-E desse ambiente sociocultural.