• Nenhum resultado encontrado

A arquitetura da linguagem

LINGUAGEM: SOM E SIGNIFICADO

A característica fundamental da linguagem humana é a sua capa-cidade de fazer associação sistemática entre um determinado som e um dado signifi cado. Essa propriedade já havia sido identifi cada por Aristó-teles, mais de dois mil anos atrás. Para o fi lósofo, a linguagem defi nia-se como a arte de unir “som” e “signifi cado”. Muitos séculos depois, a díade “som e signifi cado” seria a pedra fundamental da teoria do signo linguístico, de Ferdinand de Saussure (1857-1913). Você deve se lembrar de que, para o famoso linguista de Genebra, a linguagem constituía-se como um sistema de signos, no qual cada signo seria caracterizado pela união indissociável entre um dado signifi cante (som) e certo signifi cado.

“Signifi cado com som”

Em seu texto de 2011 (“Linguagem e outros sistemas cognitivos”), Chomsky alerta, de uma maneira muito interessante, que as análises de Aristóteles e de Saussure devem ser invertidas. Na verdade, a linguagem produz “signifi cado com som”. Para Chomsky, a principal função linguís-tica é carrear signifi cação – e o uso de sons para esse propósito é somente uma das diversas formas de veiculação do signifi cado.

Figura 6.1: Noam Chomsky no Brasil, em 2003.

Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Noam_

Chomsky_WSF_-_2003.jpg

Afi rmar que a linguagem humana se caracteriza pela relação entre som e signifi cado signifi ca dizer que as línguas naturais são um sistema capaz de produzir associações entre determinada forma e certo conteúdo.

AULA

6

Dizemos que a linguagem humana é um sistema porque seu fun-cionamento não ocorre por acaso, de maneira improvisada ou aleatória.

Muito pelo contrário, a linguagem é um sistema organizado segundo princípios e regras que geram expressões linguísticas de maneira ordena-da e previsível. Tais expressões dão-se através ordena-da associação entre uma dada forma e certo conteúdo. A forma de uma expressão linguística é tipicamente uma cadeia sonora, um “som”. Porém, devemos ter em conta que essa forma pode ser também gestos visuais, como acontece com as línguas de sinais usadas por pessoas surdas. Por seu turno, o conteúdo das expressões linguísticas é sempre o seu valor informativo, o juízo de verdade ou o “signifi cado” do que dizemos. Se esquecermos por um momento que as línguas podem assumir também a forma de sinais, será correto afi rmar que uma língua natural é um sistema que produz o par som e signifi cado presente em cada expressão linguística.

Vamos introduzir agora um pouco de terminologia em nossa análise sobre a arquitetura da linguagem. Já sabemos que as represen-tações construídas pela linguagem humana são de dois tipos: forma e conteúdo. Por forma (som), devemos entender uma representação foné-tica, que resumiremos com o símbolo (pronuncia-se pi). Por conteúdo (signifi cado), devemos entender uma representação lógica, sumarizada por (pronuncia-se lambda). O par (, ) corresponde à díade som e signifi cado, conforme ilustrado na fi gura a seguir.

Figura 6.2: Linguagem e o par (, ).

Quando pensamos pela primeira vez nas representações do par (, ), é comum imaginarmos que elas digam respeito ao som e ao signifi -cado específi cos que cada uma das palavras de uma língua natural possui.

De fato, quando analisamos uma palavra qualquer do português como, por exemplo, casa, percebemos que ela possui uma substância fonética

[kaza] e um valor lógico [tipo de moradia], tal como descrevemos ante-riormente. No entanto, as representações (, ) não se limitam à expres-são de itens lexicais (palavras). Elas podem veicular também unidades inferiores à palavra, como os morfemas, ou unidades superiores, como os sintagmas e as frases. Assim, quando ouvimos um item como meni-nas, reconhecemos nele três morfemas, isto é, três relações entre som e signifi cado que se estabelecem dentro da palavra: 1º [menin] = [criança], 2º [a] = [gênero feminino] e 3º [s] = [número plural]. Já quando lidamos com uma frase completa, atribuímos-lhe um signifi cado global, ou seja, fazemos uma representação fi nal. Tal signifi cado é veiculado pelos sons que, em conjunto, constituem a representação da frase. Por exemplo, em Maria ama João, corresponde, grosso modo, à sequencia fonética [maria ama joaum], ao mesmo tempo em que veicula a interpretação lógica evocada por esse específi co, algo como [há um indivíduo X, tal que X é Maria, e X ama um indivíduo Y, tal que Y é João].

Dizendo de outra forma, devemos entender que a linguagem é um sistema capaz de gerar o par (, ), em que  é uma forma fonética de qualquer extensão (desde o fonema até a frase) associada a um dado que é um valor signifi cativo de qualquer grandeza (morfemas, palavras, sintagmas, frases). Essa é a caracterização mais básica da arquitetura da linguagem humana.

Quando entendemos a natureza das representações do par (, ), podemos rapidamente fazer as seguintes indagações. Como essas representações são construídas? De que maneira conseguimos codifi car e decodifi car as informações inscritas nesse par? Qual é a estrutura e como é o funcionamento do sistema que gera a forma associada ao conteúdo? Como o resto da cognição humana pode acessar e usar o par (, )? Essas são questões muito importantes, cujas respostas ainda estão sendo descobertas pelas ciências cognitivas contemporâneas.

Vejamos nas seções seguintes como a linguística gerativa vem procurando respondê-las. Comecemos pela última pergunta. Que sistemas cognitivos acessam o par (, )?

AULA

6

Atendem aos Objetivos 1 e 2 1. O que você entende por “arquitetura da linguagem”?

___________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

2. Por que a linguagem humana, como fenômeno cognitivo, deve ser considerada um “sistema”?

___________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

3. O que signifi ca dizer que a linguagem humana relaciona sistemati-camente uma forma a um conteúdo ? 1. Você já deve ter aprendido que a “arquitetura da linguagem”

é a maneira pela qual as línguas naturais estão organizadas no conjunto das faculdades cognitivas humanas. Na arquitetura da linguagem, reconhecemos sua estrutura, isto é, seus componentes fundamentais e seu funcionamento, ou seja, a interação dinâmica entre suas partes constitutivas.

2. Dizemos que a linguagem humana é um “sistema” porque seu funcionamento é regulado por regras e princípios. Ela é um todo organizado. A função da linguística é justamente descobrir quais são as regras que estão por de trás da arquitetura da linguagem.

O contrário de um “sistema” seria a “improvisação” ou o “caos”, algo que é muito diferente do que a linguagem humana parece ser.

3. Conforme você acabou de estudar, a relação entre “som” e

“signifi cado” é a propriedade mais básica da linguagem humana.

ATIVIDADES

Pense bem: o que é “saber falar uma língua”? Não seria saber pro-duzir os sons corretos que produzem os signifi cados específi cos que desejamos nas palavras, frases e discursos? Pois bem, saber falar uma língua é, portanto, ser capaz de relacionar sistematicamente certas cadeias sonoras e seus respectivos signifi cados. Na linguística gerativa, o “som” (as cadeias sonoras) da linguagem é representado pela letra grega enquanto que os signifi cados vinculados a cada uma de nossas cadeias sonoras representam-se por 

4. Como você acabou de aprender, o par (, ) associa uma cadeia sonora de qualquer tamanho a um conceito de qualquer grandeza.

Assim, qualquer morfema que você apresente é uma resposta acei-tável (por exemplo, a forma fonética “s” com o signifi cado “plural”

num nome como mesas). Também qualquer palavra de nosso léxico é um exemplo do par (, ) como é o caso de “livro”, em que  é o som [livru] e  é o signifi cado [conjunto de folhas presas em que uma obra é impressa]. Uma frase qualquer também é uma boa resposta. Por exemplo, em “Paulo saiu”, a forma fonética é a cadeia sonora [paulo saiu], e o signifi cado respectivo é algo como [há um ser X, tal que X é Paulo e X saiu].