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O PRINCÍPIO DA INTERPRETAÇÃO PLENA

A arquitetura da linguagem

O PRINCÍPIO DA INTERPRETAÇÃO PLENA

Conforme acabamos de aprender, a linguagem é um sistema cognitivo específi co. Os sistemas cognitivos que acessam e usam as informações produzidas pela linguagem são outros, também específi -cos na mente humana: o sistema de pensamento e o sistema sensório-motor. Ora, será que ao afi rmamos que a linguagem é um sistema cognitivo separado dos sistemas de interface, tal como representamos na Figura 6.3, poderíamos concluir que linguagem e interfaces são sis-temas absolutamente independentes na arquitetura da mente humana?

A resposta a essa pergunta é um defi nitivo NÃO! As expressões que a linguagem constrói só são úteis na medida em que possam ser usadas pelos sistemas de interface. A única razão de ser da linguagem humana é poder servir às suas interfaces. Sua missão exclusiva é construir represen-tações que possam ser manipuladas por nossos sistemas de pensamento e sensório-motor. Dessa forma, podemos dizer que, no interior da mente humana, as interfaces exercem grande controle sobre a linguagem. Os produtos que a linguagem deve entregar às suas interfaces são, por assim dizer, feitos sob encomenda, na justa medida. Tecnicamente, os gerati-vistas afi rmam que a linguagem produz as representações do par (, ) sob as imposições do Princípio da Interpretação Plena (em inglês, Full Interpretation – às vezes chamado apenas de FI – pronuncia-se “efe-i”).

O Princípio da Interpretação Plena deve ser entendido como o conjunto das restrições cognitivas que os sistemas de interfaces impõem ao funcionamento da linguagem humana. Basicamente, ele determina que as representações produzidas pela linguagem devem ser totalmente interpretáveis em suas respectivas interfaces. Isto quer dizer que, para satisfazer FI, a linguagem humana deve construir representações de uma maneira tal que (1º) o sistema sensório-motor possa reconhecer e pôr em uso todas as informações inscritas em  e (2º) o sistema de pensamento possa acessar e usar todas as informações presentes em . O Princípio da Interpretação Plena estabelece, portanto, que uma representação linguística qualquer deve sempre ser concomitantemente legível nas interfaces fonética e lógica.

Bem, o que signifi ca dizer que uma representação linguística tem

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de qualquer maneira, através, por exemplo, de uma combinação aleatória de palavras. Pelo contrário, a criação do par (, ) sempre é regida por regras. Mas de onde advêm essas regras? A resposta é: das interfaces!

As regras que orientam a formação de representações linguísticas são impostas pelos sistemas conceitual-intencional e articulatório-perceptual.

Seria como se, ao entregar uma representação para as interfaces, a lin-guagem recebesse dois vereditos, um do sistema de pensamento e outro do sistema sensório motor. Ambos os vereditos têm de ser favoráveis, isto é, os sistemas de interface devem sempre considerar as representações de (, ) “interpretáveis”, “legíveis”, “processáveis”.

Quando o sistema de pensamento consegue acessar e usar as informações de  e, ao mesmo tempo, o sistema sensório motor consegue acessar e usar as informações de , dizemos que as representações do par (, ) são interpretáveis nas interfaces, isto é, dizemos que as represen-tações são legíveis ou CONVERGENTES. Se uma representação é convergente, então ela foi gerada de acordo com o Princípio da Interpretação Plena.

Vamos usar um exemplo bem simples para ilustrar o que acabamos de dizer. Tomemos a frase “Você conhece alguém que já escreveu um livro?”. Você certamente é capaz de produzir e decodifi car sem difi cul-dade as informações de  e de  presentes nessa frase. As informações fonéticas de são plenamente processáveis pelo sistema sensório-motor (e assim você consegue pronunciar normalmente a frase), bem como as informações lógicas de são facilmente processadas pelo sistema de pensamento (e assim você consegue interpretar normalmente a frase).

A frase preserva o Princípio da Interpretação Plena e, assim, corresponde a uma representação convergente.

Agora imagine que a frase seja “Que livro você conhece alguém que já escreveu?”. Desta vez, você deve ter achado a frase estranha. Talvez tenha de relê-la algumas vezes para tentar adivinhar o que ela quer dizer.

Note que a estranheza da frase não reside em sua representação fonética, afi nal você consegue ler as informações de tanto para produzir quanto para decodifi car a cadeia fonética que compõe o conjunto de sons da frase. A estranheza encontra-se na representação de . Explicando de uma maneira muito simples e informal, podemos dizer que, na construção, a expressão interrogativa “que livro” encontra-se numa posição linear muito distante do verbo “escreveu”, do qual é complemento. Essa distân-cia excessiva impede que nosso sistema de pensamento consiga encontrar

Uma representação

facilmente a relação entre “que livro” e “escreveu”. O resultado é que as informações lógicas da frase não conseguem ser interpretadas por sua respectiva interface. Como consequência, temos uma representação não convergente, isto é, temos uma violação do Princípio da Interpretação Plena. (Uma maneira de tornar a frase convergente seria modifi car a ordenação da pergunta e usar outro tipo de pronome, construindo algo como: “Você conhece alguém que já escreveu algum livro?”.)

E se nosso exemplo fosse a frase “Que livro você leu livro?”. Essa também é muito estranha, não? No caso, é a repetição fonética do nome

“livro” ao fi nal da frase que torna a representação ilegível na interface sensório-motora. Muito embora possamos acessar o signifi cado  da frase, sua representação encontra-se prejudicada. Nosso aparato sensório-motor estranha a pronúncia do mesmo item “livro” em duas posições diferentes da frase. Para o sistema articulatório-perceptual, os itens lexicais de uma representação linguística qualquer devem normal-mente ocupar apenas uma posição na linearidade da frase, algo que não acontece no exemplo e provoca a violação do Princípio da Interpretação Plena. (A solução fonética no caso é bem simples, basta não pronunciar a última ocorrência de livro, deixando a frase assim: “Que livro você leu?”.)

O Princípio da Interpretação Plena é um conceito muito importante para a linguística gerativa e para a psicolinguística. Com ele, abrem-se as pos-sibilidades de estudos sobre a competência linguística serem integrados a estudos sobre desempenho linguístico – e vice-versa. Tradicionalmente, os estudos de competência têm sido conduzidos de maneira independente dos estudos sobre o uso da linguagem. Entretanto, ao considerarmos a arquitetura da linguagem que aqui estamos apresentando, podemos rapidamente entender que, para descrevermos adequadamente a natu-reza cognitiva da linguagem, teremos de compreender profundamente as demandas que os sistemas de interface lhe impõem. Só descobrire-mos como é a linguagem na mente humana se descobrirdescobrire-mos como as interfaces fazem a linguagem ser do jeito que é. Isso signifi ca que, no empreendimento das ciências cognitivas, gerativistas e piscolinguistas precisam ser parceiros de trabalho.

Se você compreendeu corretamente a essência do Princípio FI,

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Atendem ao Objetivo 3

8. O que você entende pelo Princípio da Interpretação Plena?

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9. Qual é a importância desse Princípio no estudo da linguagem humana?

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RESPOSTAS COMENTADAS 1. Você deve ter compreendido que o Princípio da Interpretação Pela (ou FI, na sigla em inglês) é o conjunto das restrições cognitivas que os sistemas de interface impõem ao funcionamento da linguagem.

Podemos dizer que FI são as “regras” dos sistemas de pensamento e sensório-motor que a linguagem deve respeitar ao criar represen-tações. De acordo com esse Princípio, as representações linguísticas devem ser “interpretáveis” (legíveis) nas duas interfaces.

2. O Princípio indica a relevância de aprendermos sobre as interfaces ao mesmo tempo em que aprendemos sobre a linguagem, isto é, ele indica a importância de estudarmos o desempenho linguístico para chegarmos a caracterizar corretamente a competência linguística.

ATIVIDADES