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2.1. Comunicação, interação e linguagem

2.1.1. Linguagem e ideologia

Essa visão de linguagem enquanto ação, cujas características estão centradas na interação social, revela relações intrínsecas entre o lingüístico e o social na constituição dos significados, já que o percurso que o indivíduo faz da elaboração mental do conteúdo é orientado socialmente. Isso explica a busca pela adaptação ao contexto imediato do ato de fala e dos interlocutores concretos. Dessa forma, ao articular-se o lingüístico e o social, vincula-se linguagem à ideologia, pois, como diz ORLANDI (1996), “não existe sujeito sem ideologia”. Sendo a linguagem um sistema de significação da realidade, o ideológico está no interstício entre o objeto e a representação sígnica desse objeto. É nesse sentido que BAKHTIN (1995) assume que a palavra é signo ideológico por excelência e toda utilização da língua está ligada à evolução ideológica, de modo que não se

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pode isolar forma lingüística do seu conteúdo ideológico, já que esse último, por sua vez, não pode ser deduzido das condições do psiquismo individual:

Cada signo ideológico não é apenas um reflexo, uma sombra da realidade, mas também um fragmento material dessa realidade. Todo fenômeno que funciona como signo ideológico tem uma encarnação material, seja como som, como massa física, como cor, como movimento do corpo ou como outra coisa qualquer. Nesse sentido, a realidade do signo é totalmente objetiva e, portanto, passível de um estudo metodologicamente unitário e objetivo. Um signo é um fenômeno do mundo exterior. O próprio signo e todos os seus efeitos (todas as ações, reações e novos signos que ele gera no meio circundante) aparecem na experiência exterior (BAKHTIN, 1995:33).

O reconhecimento da dualidade constitutiva da linguagem, ou seja, seu caráter formal, objetivo e, ao mesmo tempo, atravessado por entradas subjetivas e intersubjetivas, provoca um deslocamento dos estudos lingüísticos para o discurso, saindo da dicotomia Saussureana de langue e parole (BRANDÃO, 1996). Nessa perspectiva dicotômica, o estudo da linguagem é considerado sob dois aspectos distintos: o sistema lingüístico (língua) e o seu desempenho (fala).

A linguagem enquanto discurso, além de instrumento de comunicação, é também uma forma de interação social que se faz através de um modo de produção, fazendo uma analogia com a terminologia marxista. Desse modo, a linguagem não é neutra e sim lugar privilegiado de manifestações de ideologia e poder, pois o processo que a constitui é histórico-social (BRANDÃO, 1996).

O conceito de ideologia é definido e interpretado de diferentes maneiras em diversas perspectivas teóricas, provocando certa dificuldade de definição e fazendo com que alguns analistas de discurso o evitem. Optou-se, portanto, pela tentativa de dar uma visão de algumas linhas teóricas a fim de se chegar a uma mais viável ao presente estudo.

O termo ideologia, criado pelo filósofo Destutt de Tracy em 1810 na obra Elements de Idéologie, nasceu como sinônimo da atividade científica que procurava analisar a faculdade de pensar, tratando as idéias “como fenômenos naturais que exprimem a relação do corpo humano enquanto organismo vivo com o meio ambiente”. No entanto, esse termo sofreu sérias modificações desde a sua origem. Para CHAUÍ (1984:113), por exemplo, a ideologia organiza-se “como um sistema lógico e coerente de representações (idéias e valores) e de normas ou

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regras (de conduta) que indicam e prescrevem aos membros da sociedade o que devem pensar, o que devem valorizar, o que devem sentir, o que devem fazer e como devem fazer”.

O sentido definitivo do termo ideologia deriva dos pensadores Marx e Engels. Eles identificam ideologia com a separação que se faz entre a produção de idéias e as condições sociais e históricas nas quais são produzidas. Assim, a ideologia seria uma forma de dominação, uma visão distorcida da realidade, uma consciência ilusória, que se produz através de mecanismos pelos quais se objetivam as representações da classe dominante como sendo a verdadeira realidade (MARCONDES, 1992). Dentro dessa mesma concepção, Althusser, citado por MCLENNAN et al. (1983), vê ideologia como terreno de reprodução, sendo “os aparelhos ideológicos de Estado destinados a reproduzir as relações de produção”. As superestruturas seriam, então, destinadas a “ajustar” a sociedade às necessidades do capital, a longo prazo.

Já para Gramsci, citado por HALL et al. (1983), a ideologia possui uma identidade complexa e contraditória com a formação social da qual faz parte, de forma que elas não são nem verdadeiras nem falsas, podendo ser coerentes em maior ou menor grau. Ela é vista como “cimento” que aglutina a estrutura (na qual a luta de classe econômica tem lugar) e o domínio das superestruturas complexas.

Como podemos verificar o conceito de ideologia é marcado pelo marxismo, entretanto, é criticado por RICOEUR (1976) que alerta para uma tendência que se faz sentir sob essa influência, partindo de uma análise em termos de classes sociais.

Neste sentido, ZIZEK (1994) com sua definição ampliada de ideologia como antagonismo, numa análise dialética, afina-se com as idéias de Durham quando aproxima o conceito de ideologia ao de cultura. Dessa forma, entende-se como DURHAM (1977:11) que não há separação entre prática social e universo simbólico, entre infra-estrutura e superestrutura, e que seria uma estratégia epistemológica viável o conceito de ideologia como sistemas simbólicos em sua relação com a reprodução ou transformação das estruturas de dominação. Um

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sistema ideológico não se caracterizaria por um conteúdo especificamente político dos símbolos que o integram, mas pela organização, num novo sistema de fragmentos de significados retirados dos sistemas culturais os mais diversos. Esta organização formula uma visão específica da natureza e das relações de poder social e, simultaneamente, organiza as práticas sociais na direção da submissão ou da contestação. Assim, pode-se concluir que ideologia é uma visão de mundo.

2.2. Etnometodologia e análise da conversação: a linguagem como fator de