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IV – Associação e representação como estruturas da aprendizagem

N. I.Prometheus, 2008; Karin Foerde, Barbara J Knowlton, Russel A Poldrack, Modulation of competing

V. Conhecimento social e as ambiguidades da telepresença

V. 2 Linguagem e informação

«legitimamente, não podemos em rigor falar no plural comunicativo»

Husserl331

V.2.1 Mercado de ideias: John Milton e Stuart Mill

A condição de igualdade e a exposição livre de ideias é uma das qualidades da infoesfera, que a situa como um novo centro de espaço público discursivo, assente num mercado de ideias, tal como proposto por John Milton e John Stuart Mill332, onde o confronto resultará no aperfeiçoamento do conhecimento333.

Para Milton, todas as ideias, mesmos as erradas334, contribuem para a construção de um homem sábio, que “sabe usá-los de múltiplas maneiras para descobrir, refutar, prevenir e ilustrar”335. Contudo, é num contexto prático e político que este pensamento tem lugar e é por isso que não se aplica a crianças ou a adultos infantilizados, que não têm “a arte de trabalhar e distinguir estes minerais activos”336. No mesmo sentido, para Stuart Mill o embate argumentativo premeia a verdade, levando a uma “ compreensão mais nítida produzida pela sua colisão com o erro”. Aparentemente, a discussão pode ultrapassar a experiência, pois há práticas erradas cujo melhoramento está dependente da argumentação, embora admite também que haja opiniões erradas que devem ceder aos factos. No entanto, é ao afirmar que “tem de haver discussão para mostrar como a experiência vai ser interpretada”337 que o autor parece colocar o discurso antes da experiência e a informação antes do corpo. As opiniões, mesmo falsas, justificam-se até porque o oposto, que é a intolerância (ou, neste contexto, ausência de fluxo

331 Conferências de Paris, pp. 14 332

John Palfrey e Urs Gasser, Digital Natives, Basic Books, 2008, C. 7, pp. 160; Evgeny Morozov, The net

delusion, Allen Lane 2001, C. VI

333

Herbert Simon, Op. Cit. Pp. 76

334 Aeropagítica, pp. 44 335

Ibidem, pp. 43-44

336

Ibidem, pp. 53

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informativo), leva a que não haja destruição destas opiniões, levando os homens a

“disfarçá-las ou a absterem-se de qualquer esforço para a sua difusão”338

- o

apaziguamento cultural torna-se o sacrifício da “coragem moral” do homem. As opiniões, falsas ou erradas, são contributivas para a elevação de ideias: “ as pessoas têm a certeza não tanto de que as suas opiniões são verdadeiras como pelo facto de não saberem o que fazer sem elas”339, ou seja, as opiniões ganham dimensão por terem contraditório, ao contrário do conhecimento matemático ou o “papaguear”. A arte da discussão consiste nesta perspectiva de que as coisas não são tão evidentes como na matemática, “onde não há lado errado da questão”340 (notamos mais um afastamento do juízo Cartesiano). Esta qualidade pode atingir as opiniões caso estas sejam de origem histórica e herdadas culturalmente, em que a arte se resume em falar como um papagaio341 de forma repetitiva, que acaba por atingir um grau de verdade absoluto por faltar o contraditório. Mas, para Mill, as verdadeiras opiniões são as discutíveis e o isolamento do conhecedor diminui o conhecimento sobre o assunto, pois “aquele que apenas conhece a sua parte do caso sabe pouco acerca dele”342, daí a importância de escutar com reflexão os argumentos dos adversários. As ideias surgem, mas raramente são discutidas, devido ao estatuto de herdadas, como é o caso do Cristianismo, onde as palavras “cessam de transmitir ideias ou sugerem apenas uma pequena parte das que foram originalmente usadas para comunicar”343 , exemplo das frases retidas de cor, apenas com “a concha e a casca” do significado verdadeiro. A partir de uma determinada altura, o seu conteúdo ir-se-á esvaziando, o que normalmente acontece quando é uma “opinião recebida” e os receptores caem numa “anuência” e “nem

escutam” os argumentos contra o seu credo. Uma aceitação pela confiança seria

justificação para aceitar as bases sólidas de uma doutrina, mas resulta numa apatia, como acontece nos “credos hereditários” caracterizados pela passividade da recepção. Para se superar o acto opinativo deve-se partir da controvérsia com um adversário. Mas, além das opiniões falsas, que necessitam do conflito com a opinião verdadeira, há também as opiniões que são diferentes e que poderão partilhar a verdade entre si, nas palavras de Mill: “são muitas vezes verdadeiras mas raramente ou nunca a verdade

338 Ibidem, 44 339 Ibidem, pp. 22 e 23 340 Ibidem, pp.52

341 O exemplo do papagaio é usado também por Wiener e Locke, para destacar que não são só as

palavras que evidenciam conhecimento e identidade, faltando-lhe um processamento interno.

342

Ibidem, Pp. 53

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inteira”344. Neste caso as diferentes opiniões encontrariam complemento entre si,

exemplo das opiniões populares que tratam de assuntos não-palpáveis. Mill refere-se a fragmentos de verdade, que podem ser unidos, pela complementaridade mas também pela substituição: “A verdade nos grandes assuntos práticos da vida, é tanto uma questão de reconciliação e combinação de oposições que muito poucos possuem mentalidades suficientemente capazes e imparciais para fazer o julgamento”, tendo este processo de ser efectuado pelo “grosseiro processo duma luta entre combatentes que pelejam sob bandeiras hostis”345. Mill contrapõe a este processo a forma de ditar a tradição ética proveniente das Sagradas Escrituras que considera como expressa em termos muito gerais e contendo uma moral preestabelecida, mais próximas da poesia e da eloquência do que da precisão da legislação. Existem elementos gregos e romanos na Moral Cristã que chegaram por acrescento. As máximas de Cristo, embora elevadas, compatibilizam-se com o facto de conterem apenas uma parte da verdade346, sendo o caso contrário a formação de espíritos submissos a verdades reveladas, como já referimos. Os quatro grandes fundamentos da liberdade de expressão de opinião assentam em: (1) uma opinião pode ser verdadeira mas compelida ao silêncio; (2) mesmo sendo a opinião sufocada pode conter uma parte de verdade em si; (3) no caso de a opinião ser uma verdade inteira, caso não seja discutida, será recebida como preconceito; e (4) o significado de uma verdade pode perder o seu efeito vital, o

“dogma torna-se uma mera profissão formal”347

. Mais grave que tudo, para o autor, é a superficialidade numa discussão, que ocorre com estratégias discursivas de eliminação de factos ou argumentos, deturpação de elementos, algo que ocorre caso não haja boa-fé por parte dos participantes.

A comunicação torna-se no caminho para atingir a verdade e o oposto é negativo, pois

“quando se reduz ao silêncio a discussão pressupõe-se imediatamente a ideia de

infalibilidade”348. O ciberespaço parece encontrar nas ideias de Mill um veículo

potenciador da liberdade de expressão, substituindo o isolamento por uma comunhão de opiniões, que, como o autor demonstra, é saudável para o conhecimento. Mesmo o anonimato, criticado por Kierkegaard/Dreyfus, é para Mill uma vantagem por atenuar o

344 Ibidem, pp. 72 345 Ibidem, pp. 76 346 Ibidem, pp. 82 347 Ibidem, pp. 86 e 87 348 Ibidem, pp. 13

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medo de praticar heresias, onde o “desenvolvimento mental [é] constrangido” e a “razão limitada”349

.

Encontramos em Mill e Milton convicções a favor da diversidade de ideias, circunstância que permite o avanço da cidadania e o melhoramento dos Estados políticos. Não é do interesse deste trabalho debater a liberdade de expressão mas sim, os limites do discurso na construção de conhecimento no mundo virtual. Se, para Stuart Mill, a teoria pode ser anterior à prática ou o pensamento anterior ao corpo, forçosamente é na discussão de ideias que se melhora a prática. Esta concepção parece aproximar-se do pensamento de Wiener, onde a troca de ideias fortalece o conhecimento; não devem existir estruturas hierárquicas do conhecimento e o isolamento do sujeito é supérfluo.