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Do lirismo amoroso à contenção racional

No documento Poesia romântica brasileira revisitada (páginas 182-194)

Capítulo IV – O titanismo como fonte de modernidade

1. Do lirismo amoroso à contenção racional

O caráter irônico não implica a alienação do sujeito diante da realidade que o circunda, tão somente condiciona a reorganização do que Lima (2000) denomina fundo “sentimental embalante” atribuído ao lirismo amoroso no romantismo. Para Carpeaux (1994), o sentimentalismo romântico não corresponde, pelo menos em parte, ao sentido alienante do qual é investido. Para o crítico (1994), o influxo sentimental no romantismo

derrama muitas lágrimas, mas não se limita a isso. Não é só choroso, mas também concebe um lugar ao sorriso entre lágrimas (grifo do autor), ao humor: basta lembrar Sterne e Jean Paul. Há mais. Descobre-se a força dos sentimentos atrás de certos temas literários, como o amor, de que a tradição do Ocidente abusou platonicamente. (CARPEAUX, 1994, p. 159)

O desvelar da chamada “força do sentimento” ocasiona a exposição do princípio reflexivo na poesia romântica brasileira, menos pela alienação face ao real e mais pela exposição da fragilidade desta postura. O “humor”, concretizado pelo que Carpeaux (1994) denomina “sorrriso entre lágrimas”, denota o distanciamento crítico do eu-poético em relação à sentimentalidade do discurso romântico. Tal fato aponta para a presença, mesmo

em textos altamente emotivos e sentimentais, de nuances reflexivas que evidenciam a fragilidade contida na tendência ao ideal, própria do romantismo. É nesse ponto que os argumentos levantados no tocante à poética romântica brasileira correspondem ao conceito de reflexão proposto pelo Grupo Romântico de Iena. Para os alemães, a arte não se desvincula do processo introspectivo de, para citarmos Schelegel (1944), auto-limitação. Benjamin (2002) comenta que os românticos de Iena viam na arte reflexiva ou irônica uma fonte para a compreensão do mundo fomentado pelo pensamento crítico. Essa consciência crítica, presente, sobretudo em poetas como Sousândrade, Guimarães e Azevedo, desvela a complexidade de nossa vertente romântica tradicionalmente vista como impulsiva e sentimental.

A representação ambígua da figura humana poderia ser citada como argumento em favor da imanência reflexiva no romantismo brasileiro. Em alguns momentos a mulher é elevada a um patamar quase divino, em outros é vista como representação do demoníaco e, por correlação, da decadência moral da sociedade burguesa. Nos momentos de euforia idealista os paradigmas formativos apontam para a aproximação da mulher à pureza da mãe, da irmã ou da virgem pura e intocada, chegando, por isso, a uma visão ideal da figura feminina. O herói romântico, por sua vez, à mercê da tradição medieval, é descrito como um ser valente, casto e honrado. Tal postura, em muito influenciada pela lírica trovadoresca, sobretudo das cantigas lírico-amorosas, transmite uma visão idealizada da figura humana . Em outros momentos, entretanto, a imagem de pureza cede lugar a uma representação degradada que correlaciona o humano à heterogeneidade que lhe é peculiar. Esta nuance face à caracterização do humano na vertente epigonal apresenta pontos de representação estanques ou projeta a tensão Eu/Mundo como ponto de equilíbrio para o eu- lírico, caso de poemas como “Se se morre de amor”, de Gonçalves Dias, ou aponta para a

presença do demoníaco e da degradação moral na sociedade burguesa ao final do século XIX.

A primeira possibilidade influenciada pela tendência ao ideal denota uma imagem utópica, uma vez que as representações estão associadas, por um lado, ao caráter medievalesco e, por outro, à tendência catártica contida na dualidade religiosidade versus demoníaco, refletindo, por isso, a busca individual pela purificação no sujeito romântico. A presença do viés titânico, entretanto, funde esses paradigmas, apontando para a consciência da fragilidade da utopia romântica. Vista por esse prisma, a representação de “Virjânura”, musa inspiradora de O Guesa, pode ser entendida como exemplo do titanismo em nossas manifestações poéticas. A musa sousandradina, ao mesmo tempo que representa a pureza contida na natureza humana, surge como metáfora da pátria expoliada pelo colonizador, sendo inclusive, estilisticamente, uma representação híbrida dentro do poema. O híbrido, nesse sentido, aponta para a corrupção do ideal de pureza associado à personagem, o que reafirma a explicitação da ingenuidade inerente à utopia romântica.

O tratamento ambíguo faz com que Virjânura – neologismo formado pelos signos virgem e pura – figure, por um lado, como referência metalingüísitca ao representar a latente degradação dos ideais clássicos que ainda perduravam na poesia romântica e, por outro, como índice da expoliação etíco-moral imposta pela fusão de culturas antagônicas no seio da sociedade brasileira. Porém, é o contato com a figura central do poema que determina a degradação do ideal de pureza contido em “Virjânura”:

“...Nas mãos tinha-a, mirava-a, possuia” (...). Quão taciturno agora! Qual se os beijos Esse altar profanassem dos desejos

O ato de possuir a amada, exposto no Canto IV de O Guesa, pode ser interpretado como a dessacralização da visão idílica tradicionamente apregoada pela vertende epigonal. A musa, antes vista como algo inatingível e, portanto, como elemento a ser adorado ou, no segundo paradigma, como símbolo para a purgação individual do sujeito poético, é humanizada pela posse carnal imposta pelo Guesa. A tristeza após a consumação da posse indica a consciência da mudança de paradigmas imposta pelo contato com o Guesa. A “aza negra que esvoa na alegria” denota, nesse sentido, o percurso dessacralizador da figura feminina que, sob uma ótica realista, aparece destituída de sua aura e pureza virginais.

“Virjânura” sintetiza, assim, a sátira à utopia romântica podendo, inclusive, ser associada

à inquietação apresentada por Gonçalves Dias na composição de “Marabá”. A diferença reside no fato de que “Virjânura” projeta-se para além da idealização romântica, uma vez que o eu-poético não a renega como o fez Gonçalves Dias e, sim, toma-a como musa, dessacralizando-a.

Em “Amor e Medo”, de Casimiro de Abreu percebe-se de forma mais tênue a presença do híbrido dentro da poética romântica nacional. O eu-lírico luta contra impulsos eróticos que contaminam e degradam a pureza contida na contemplação idílica da figura feminina materializada à luz do amor ideal. O poema estabelece um paralelo entre a pureza e o devaneio, a luxúria e o angélico e, por meio desses valores antitéticos, vislumbra-se a imanência reflexiva inerente ao texto.

Amor e Medo

Quando eu te vejo e me desvio cauto Da luz de fogo que te cerca, ó bela, Contigo dizes, suspirando amores:

— "Meu Deus! que gelo, que frieza aquela!" Como te enganas! Meu amor, é chama Que se alimenta no voraz segredo, E se te fujo é que te adoro louco...

És bela — eu moço; tens amor, eu — medo...

A labareda que se enrosca ao tronco Torrara a planta qual queimara o galho E a pobre nunca reviver pudera. Chovesse embora paternal orvalho! Diz: — que seria da pureza de anjo, Das vestes alvas, do candor das asas? Tu te queimaras, a pisar descalça,

Tenho medo de mim, de ti, de tudo, Da luz, da sombra, do silêncio ou vozes. Das folhas secas, do chorar das fontes, Das horas longas a correr velozes. O véu da noite me atormenta em dores A luz da aurora me enternece os seios, E ao vento fresco do cair das tardes, Eu me estremeço de cruéis receios.

É que esse vento que na várzea — ao longe, Do colmo o fumo caprichoso ondeia, Soprando um dia tornaria incêndio A chama viva que teu riso ateia! Ai! se abrasado crepitasse o cedro, Cedendo ao raio que a tormenta envia: Diz: — que seria da plantinha humilde, Que à sombra dela tão feliz crescia?

No fogo vivo eu me abrasara inteiro! Ébrio e sedento na fugaz vertigem, Vil, machucara com meu dedo impuro As pobres flores da grinalda virgem! Vampiro infame, eu sorveria em beijos Toda a inocência que teu lábio encerra, E tu serias no lascivo abraço,

Anjo enlodado nos pauis da terra. Depois... desperta no febril delírio

— Olhos pisados — como um vão lamento, Tu perguntaras: que é da minha coroa?... Eu te diria: desfolhou-a o vento!... Oh! não me chames coração de gelo! Bem vês: traí-me no fatal segredo. Se de ti fujo é que te adoro e muito!

És bela — eu moço; tens amor, eu — medo!...

Casimiro de Abreu, nesse poema, enfatiza o embate entre um “amor ideal” e o “desejo carnal” despertado pela proximidade de uma musa ambígua que desperta desejos pecaminosos em um eu-lírico tomado pela contenção plâtonica que remete à preservação da musa, mas deseja a posse da mulher. No diálogo que percorre o poema “Tu perguntas: que é da minha coroa?... / Eu te diria desfolhou-a o vento!”, podemos observar o caráter fálico inerente ao texto. O eu-lírico oscila entre preservar a pureza da musa, mas é tomado pelo desejo de dessacralizá-la. O jogo de eufemismos associados ao termo “chama”, nesse sentido, contribui para a representação de um desejo contido diante da amada que subterraneamente consome o eu-lírico. O desejo não se realiza no plano das ações descritas no texto, mas implica na redefinição da pureza humana uma vez que revela a fragilidade de sua perfeição.

Versos como “Diz: - que seria da pureza do anjo, / Das vestes alvas, do candor das asas? / Tu queimaras, a pisar descalça, / Criança louca – sobre um chão de brasas!” apontam para o percurso racional que, de certa forma, visa preservar a pureza da musa que

se apresenta sensual e indefesa aos olhos de um eu-lírico sedento de desejo. O uso do mais que perfeito “queimaras” indica que a contenção ética e moral se faz como aparência uma vez que as ações, lembradas como virtualidades, indicam a imanente degradação da musa que, por isso, é descrita como uma “criança louca” a pisar em um “chão de brasas”.

No verso “Tenho medo de mim, de ti, de tudo” podemos vislumbrar o dilema interior vivido pelo eu-lírico, algoz de si mesmo. Suas ações são representações da busca pela posse e, paradoxalmente, apontam para a necessidade de conter o desejo como forma de preservar a pureza da amada. A melancolia observada no texto advém dessa dualidade.

Diz: — que seria da pureza de anjo, Das vestes alvas, do candor das asas? Tu te queimaras, a pisar descalça,

Criança louca — sobre um chão de brasas! No fogo vivo eu me abrasara inteiro! Ébrio e sedento na fugaz vertigem, Vil, machucara com meu dedo impuro As pobres flores da grinalda virgem!

Nesses versos podemos observar o conflito entre desejo de pureza e de profanação como norteador da tensão presente no poema. Se os traços de pureza podem ser depreciados pelo contato com o carnal, a alusão fálica contida no termos “fogo” e “Ébrio sedento” funciona como índice da contaminação imposta pelo eu-lírico à pureza da musa. Esta, por sua vez, destoa da passividade da musa romântica, sempre pálida e casta. É ela que tenta o eu-lírico e, por isso, se alinha ao universo híbrido contido na representação da figura humana no romantismo. A nuance entre um ser inocente e casto, própria ao romântico, cede lugar à exposição da imperfeição e artificialidade dessa pureza natural. Tal observação, colhida na tensão entre o puro e o impuro, caminha para a fusão entre estes pólos, fato que situa o poema na vertente reflexiva de fundo irônico, uma vez que os

planos antes estanques são representações da precariedade da pureza associada à figura humana no romantismo brasileiro.

O olhar conturbado do eu-lírico tomado pelo desejo carnal, nesse sentido, inviabiliza a abordagem puramente ideal associada à figura humana no poema. Estaríamos, portanto – guardadas as devidas proporções –, diante da proposta antitética de Victor Hugo (1995), para quem o sulime no romantismo é marcado pelo duplo, tendendo ao híbrido e ao grotesco. Antônio Cândido (1969, p. 182) comenta que o sujeito romântico “possui a dificuldade inicial de conciliar a idéia de amor com a de posse física.”. Quando aplicada a poemas como “Se se morre de amor” ou “Ainda uma vez – adeus”, de Gonçalves Dias, essa dualidade revela que subjaz ao lirismo amoroso romântico uma afetação crítica que, quase sempre, remete ao duplo próprio da contemplação idílica do tema amoroso. Nessa linha analítica, “Amor e medo” mostra quão ingênua se apresenta a representação ideal da figura humana em nosso romantismo18. Se Sousândrade, Azevedo e Guimarães optam pela fusão entre a pureza e a imperfeição humana, chegando, por isso, à explicitação da complexidade inerente à figura humana, fazem-no por meio da exposição da precariedade da utopia romântica. O que ocorre no titanismo é que o traço ideal vem amalgamado às imperfeições humanas, sobretudo na exposição da degradação moral e ética presente no seio da sociedade burguesa à época romântica. Se por um lado, poetas como Casimiro de Abreu, Gonçalves Dias, Gonçalves de Magalhães apontam por conceber a figura humana como projeção do “bom selvagem” rousseauniano, por outro, a reflexão irônica aponta para a ingenuidade dessa postura.

18

Pensamos aqui na delimitação de paradigmas estanques como o do herói romântico e do vilão. Ambos são símbolos ideais, posto que não ocorre a representação do hibridismo, ressalvados os casos em que a ironia romântica se faz notar como, por exemplo, a figura ambígua de Mácario em Álvares de Azevedo.

Em “Ainda uma vez – adeus”, Gonçalves Dias funde na figura ambígua da musa traços angélicos e demoníacos. A alternância entre a entrega ao desejo de plenitude junto à amada e o sofrimento pela constatação racional da imperfeição humana expõe a presença do híbrido em nosso romantismo. O silêncio da musa, que não responde ao eu-lírico pode ser lido metaforicamente como a constatação irônica da impossibilidade concreta da pureza almejada pelo poeta romântico. Esse silêncio acarreta a constatação da ingenuidade da entrega unilateral ao sentimento amoroso, denunciando a afetação sentimental inerente ao texto. As lágrimas do eu-lírico denunciam a ingenuidade da visão lírico-amorosa em nosso movimento. Casimiro de Abreu, no que se refere a “Amor e Medo”, estabelece uma perspectiva platônica, associada à figura feminina, mas indica no desejo pela posse carnal o caráter hibrido contido na figura humana. Para Cândido (2000), essa postura pode ser resumida em termos sociais, pois a:

mulher da classe servil, a respeito da qual não cabem, para o mocinho burguês, os escrúpulos e negação relativos à virgem idealizada. Por isso mesmo, porque ela está à sua mercê, cobre-a de ridículo a fim de justificar a repulsa. A timidez sexual leva-o a maneiras desenvoltas apenas com mulheres de condição inferior, que incorpora à poesia segundo o mesmo espírito de troca com que são tratados os servos da comédia Clássica; que poderia, mas não quer possuir (...) (CANDIDO, 2000, p.180)

Em “Amor e medo” o traço impuro se aplica a uma virgem que, imbuída pelo desejo, coloca-se à mercê da degradação. Na compreensão da “musa” romântica como expressão do ideal do vate, qual seja, a construção, por meio da obra de arte, de uma verdade individualizada próxima ao universal, podemos vislumbrar uma forma de expressar a busca por novos padrões expressivos inerentes ao romantismo. A inversão dos paradigmas epigonais, expressa na binomia azevediana, na sátira à tradição em Bernardo de Guimarães ou na ironia sarcástica de Sousândrade, denota um questionamento à utopia ideal proposta pelo romantismo, atestando a presença da reflexão no seio romântico brasileiro.

No poema “O Adeus de Teresa”, Castro Alves se vale dos paradigmas constitutivos da figura feminina no período romântico: a virgem, a amada e a prostituta. Ocorre, porém, a fusão desses paradigmas e a musa rebaixada à condição de prostituta pelo contato com o eu-lírico explicita a decadência dos valores morais predominantes na vida burguesa. Nesse sentido, a degradação da musa se dá menos pelo contato físico de teor fálico expresso no texto, do que pela imersão da musa romântica no conturbado mundo burguês em decadência. Da mesma sorte, em Noite na Taverna e Macário, a circulação de personagens imbuidos do dandi burguês metaforiza o deterioramento dos valores éticos presentes em uma sociedade embriagada e decadente. O rebaixamento da musa romântica, por isso, é um índice da fragilidade da perpetuação da perfeição humana ingenuamente proposta pelo romantismo epigonal. Em “O adeus de Teresa” a alusão ao “palácio em festa” e a conseqüente imersão das personagens nesse mundo inebriante de lúxuria e pecado apontam, nessa linha de leitura, para a necessidade de reorganização da abordagem romântica quanto à figura humana. Não cabe mais o herói perfeito nos moldes do cavaleiro medieval ou a musa virgem e pura, as personagens de “O adeus de Teresa” são representações dessa limitação.

O "Adeus" de Teresa

A vez primeira que eu fitei Teresa, Como as plantas que arrasta a correnteza, A valsa nos levou nos giros seus

E amamos juntos E depois na sala "Adeus" eu disse-lhe a tremer co'a fala E ela, corando, murmurou-me: "adeus." Uma noite entreabriu-se um reposteiro. . . E da alcova saía um cavaleiro

Inda beijando uma mulher sem véus Era eu Era a pálida Teresa!

"Adeus" lhe disse conservando-a presa E ela entre beijos murmurou-me: "adeus!"

Passaram tempos sec'los de delírio Prazeres divinais gozos do Empíreo . .. Mas um dia volvi aos lares meus.

Partindo eu disse - "Voltarei! Descansa !. . . " Ela, chorando mais que uma criança,

Ela em soluços murmurou-me: "adeus!" Quando voltei era o palácio em festa! E a voz d'Ela e de um homem lá na orquestra Preenchiam de amor o azul dos céus. Entrei! Ela me olhou branca surpresa! Foi a última vez que eu vi Teresa! E ela arquejando murmurou-me: "adeus!"

No poema de Castro Alves pode-se falar em um rebaixamento da figura feminina na medida em que esta desce da condição de amada à condição de prostituta ao final do poema. Ao perder sua condição pura para passar à de amante (segunda estrofe) e prostituta (última estrofe), a personagem é humanizada e, com isso, desce à condição degradada de mulher perdendo sua aura de pureza (musa medieval). As mudanças de comportamento expostas ao longo do texto “suspirando”, “entre soluços” e “arquejando” concretizam o desejo de posse da musa e aludem à materialização do envolvimento carnal, levando a humanização da musa e, conseqüentemente, conduzem ao rebaixamento da condição de virgem para a condição de prostituta, em outros termos, do ideal ao humano.

Pensando em um paralelo entre “Amor e medo” e “O adeus de Teresa”, podemos concluir que Casimiro apresenta a possibilidade de degradação, enquanto Castro Alves concretiza essa degradação. De um lado, a virgem pura e intocada determina a melancolia de um sujeito poético tomado pelo desejo contido. De outro, o resultado das ações impuras atribuídas ao sujeito poético lançam a musa à condição de impura. Estes posicionamentos possibilitam rastrear o percurso racional na medida em que a musa, nos dois poemas, apresenta traços sensuais quando aproximados à tendência ideal que caracteriza o delineamento da musa romântica. Esta, vista alegoricamente, se confunde com o objeto

poético enquanto elemento de realização ou contemplação estética. Se por um lado a musa ocupa uma esfera onírica, uma vez que pode ser correlacionada à busca pela catarse individual do eu romântico, por outro, remete, lembrando as colocações de Nunes (1994), ao objeto de contemplação estético de fundo metalingüístico. Caso o desejo assuma a idéia de posse ou expresse a predominância da imperfeição (humanização) da musa, o eu-lírico perde a pureza natural e, conseqüentemente, a musa é rebaixada à condição de prostituta ou, nos casos mais extremos, a ícone da decadência moral da sociedade burguesa. No dois casos, em nível alegórico, a musa representa, por um lado, a adequação às convenções estéticas próprias do movimento romântico e, por outro, a necessidade de reformulação desse objeto, agora impregnado pelo grotesco.

A consciência face à utopia ideal determina, portanto, a complexidade das representações românticas no Brasil. No caso de nosso romantismo os caminhos são díspares, mas não contraditórios. Bosi(1993) comenta que ao conceber a limitação da utopia o sujeito expressa duas atitudes face ao Mundo:

Um modo elegíaco de tratar a vida breve oposta à natureza perene. O sujeito reponta, mas para negar-se e desenhar os seus confins no espaço e no tempo. Em Leopardi e em Vigny, a Natureza já é madrasta, não é mãe: ao seu ritmo eterno e sempre o mesmo pouco importa a fugacidade da vida humana. (....) Mas há o outro caminho. A evocação de certas paisagens em horas de sombra (poente, noite) o que engendra o contraste entre o mundo que some e que morre e o espírito que sobrevive. Este pode ser um espectro, Deus (“Como da noite o bafo sobre as águas/ Que o reflexo da tarde incendiava, / Só a idéia de Deus e do

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