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Poesia romântica brasileira revisitada

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Academic year: 2021

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Danglei de Castro Pereira

Poesia romântica brasileira revisitada

São José do Rio Preto/SP

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Pereira, Danglei de Castro.

Poesia romântica brasileira revisitada / Danglei de Castro Pereira. – São José do Rio Preto : [s.n.], 2006

235 f. ; 30 cm.

Orientador: Susanna Busato

Tese (doutorado) – Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas

1. Literatura brasileira. 2. Poesia brasileira. 3. Ironia na literatura. 4. Poesia romântica. 5. Ironia romântica. I. Busato, Susanna. II.

Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas. III. Título.

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Danglei de Castro Pereira

Poesia romântica brasileira revisitada

Tese apresentada para obtenção do título de Doutor em Letras, área de concentração Literaturas em Língua Portuguesa do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de São José do Rio Preto.

BANCA EXAMINADORA

Profª. Drª. Profa. Dra. Susanna Busato. Professor Assistente Doutor

UNESP – São José do Rio Preto

Profª. Drª. Maria Heloísa M. Dias Professor Assistente Doutor UNESP – São José do Rio Preto

Profª. Drª. Lúcia Granja Professor Assistente Doutor UNESP – São José do Rio Preto

Profª. Drª. Cilaine Alves USP – São Paulo

Prof. Dr. Jaime Guinzburg USP – São Paulo

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À minha esposa Janeci À minha filha Mariana

Aos meus pais Lídia e Carlos Alaor

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AGRADECIMENTOS

A Deus;

A Susanna Busato, pela orientação cuidadosa. Sua amizade e atenção tornaram a jornada menos íngreme e muito mais agradável;

A Maria Heloísa Martins Dias e Lúcia Granja, pelas sugestões feitas no exame geral de qualificação, das quais resultaram reflexões importantes para o amadurecimento do presente trabalho;

A minha amada esposa, Janeci Raquel, pelas boas idéias que partilhou comigo e, sobretudo, pela compreensão e apoio nos momentos difíceis;

A minha amada filha, Mariana, luz que ilumina meu caminho;

A meus pais, irmãos e familiares, pelo carinho e incentivo;

Aos amigos Ana Paula, César, Euds, José Antonio e Márcia Helena, pelas palavras de apoio;

A Márcia Helena Chaves, pela elaboração do abstrat;

Aos funcionários do IBILCE, pela presteza e simpatia com que sempre me atenderam;

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“Tupan! Vampiro em volta da candeia!

Dissolução do inferno em movimento!”

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PEREIRA, Danglei de Castro. Poesia romântica brasileira revisitada. 2006. 230 p. Tese (Doutorado em Letras). Área de concentração em Literaturas de Língua Portuguesa – Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de São José do Rio Preto, São José do Rio Preto.

RESUMO

Concordando com Luiza Lobo em que o "estudo minucioso do emprego de fontes e temas predominantes no Romantismo Brasileiro talvez nos leve posteriormente a encontrar uma Gestalt de uma contra-ideologia no seio de escritores românticos marginalizados e esquecidos pela história da literatura romântica oficial"(1986, p.24), pretende-se, nessa pesquisa, fornecer evidências de que essa contra-ideologia pode ser encontrada não só em autores marginais, como também nos chamados "medalhões" do romantismo brasileiro. Para tanto, partiremos do pressuposto de que no Brasil, assim como na Europa, o Romantismo, sendo tão heterogêneo, operou a mobilização da tradição que o precedeu, levando tradição e modernidade a coexistirem no movimento romântico. Selecionamos como universo de pesquisa a obra do poeta maranhense Joaquim de Sousândrade, além de poemas de autores como Álvares de Azevedo, Gonçalves Dias, Tobias Barreto, Fagundes Varela, Castro Alves, entre outros. Nosso intuito é discutir a organização racional do ímpeto emotivo presente no cerne das manifestações poéticas do romantismo no Brasil, apontando para a presença de traços titânicos no romantismo brasileiro. Para dar conta desses objetivos, relacionamos o corpus selecionado ao conceito de ironia romântica defendido pelo Grupo Romântico de Iena, principalmente pelas idéias de Friedrich Schlegel (1994) e Novalis (1988), bem como alguns apontamentos críticos dispersos ao longo das produções românticas nacionais, sobretudo o conceito de binomia defendido por Álvares de Azevedo. O corpus selecionado será discutido à luz das teorias de apoio para se compreender a heterogeneidade do movimento romântico brasileiro, apontando, nesse percurso, para a modernidade do movimento.

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PEREIRA, Danglei de Castro. Brazilian romantic poetry revisited. 2006. 230 p. Tese (Doutorado em Letras). Área de concentração em Literaturas de Língua Portuguesa – Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de São José do Rio Preto, São José do Rio Preto.

ABSTRACT

Agreeing with Luiza Lobo when she says that the" detailed study of the use of predominant wellsprings and subjects in Brazilian Romantism maybe take us to find subsequently a Gestalt of an against-ideology in the midst of romantic marginalized writers who were forgotten by the history of the official romantic literature "(1986, p.24), we intend to supply in this research the evidences that this against-ideology can be found not only in marginal but even among the “toff” authors of Brazilian Romanism. Therefore we will start with the presupposition that in Brazil, as well as in Europe, Romantism - since it’s so heterogeneous - accomplished the mobilization of the tradition that preceded it, making tradition and modernity coexist in the Romantic Movement. We selected as corpus of this research the work of Joaquim de Sousândrade, a poetry from Maranhão. Add to that, we chose poems from Álvares de Azevedo, Gonçalves Dias, Tobias Barreto, Fagundes Varela, Castro Alves, among others. Our purpose is to discuss the rational organization of the emotional impulse that appears in the heartwood of the poetic manifestations of the romantics in Brazil, showing the presence of titanesque lines in Brazilian Romanism. In order to account for those objectives, we related the selected corpus to the concept of romantic irony defended by the Romantic Group of Iena, mainly for Friedrich Schlegel's (1994) and Novalis’s ideas (1988), as well as some critical notes that are dispersed in national romantic productions, mainly the concept of binomia stood up by Álvares de Azevedo. The selected corpus will be discussed by the notion of some support theories in order to understand the heterogeneity of the Brazilian Romantic Movement, pointing, in that course, to the modernity of the movement.

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SUMÁRIO

Introdução... 10

Capítulo I – Romantismo: universal e individual... 21

1. Romantismo alemão: origens ... 32

2. O Sturm und Drang: olhar nacionalista ... 34

3. O heterogêneo no romantismo alemão ... 35

4. O Grupo Romântico de Iena... 37

5. Reflexão: um princípio irônico... 43

Capítulo II – Romantismo brasileiro ... 49

1. Nacionalismo: ironia e ingenuidade... 62

2. O cânone romântico: fragilidade e aparência... 73

3. Princípio reflexivo: titanismo romântico no Brasil... 84

4. O Guesa: império da razão... 95

Capítulo III – O dilema romântico no Brasil ... 109

1. A ironia romântica no Brasil ... 129

2. Emotividade: caminhos... 165

Capítulo IV – O titanismo como fonte de modernidade ... 177

1. Do lirismo amoroso à contenção racional... 182

2. Romantismo e Modernismo: laços... 194

3. A reformulação estética: caminhos e descaminhos... 204

Considerações finais ... 216

Referências bibliográficas... 222

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Introdução

Ao longo da história da literatura, observa-se uma postura elitista de grande parte da crítica literária, muitas vezes preocupada em classificar a obra de arte através do enquadramento a regras preestabelecidas. Para Manuel Bandeira (1963), “a poesia romântica enche o século XIX, de 36 até os primeiros anos da década de 80, renovando-se através das gerações, não na forma – vocabulário, sintaxe, métrica – a que se manteve sensivelmente fiel, mas nos temas, no sentimento e no tom.”. Para Bandeira (1963)

Pondo-se de parte as pequenas diferenciações individuais, pode-se distribuir a evolução romântica em três momentos capitais: o inicial, em que à inspiração religiosa, base da poesia de Magalhães e Porto Alegre, reflexo da de Lamartine, acrescentou Gonçalves Dias a que buscava assunto na vida dos selvagens americanos; o segundo, representado pela escola paulista de Álvares de Azevedo e seus companheiros, onde predominou o sentimento pessimista, o tom desesperado ou cínico de Byron ou Musset; e finalmente o terceiro, o da chamada escola condoeira, de inspiração social, a exemplo de Hugo e Quinet. (BANDEIRA, 1963. p. 66)

Como é possível observar, cada um desses momentos representou um posicionamento subjetivo em relação à realidade. O nacionalismo religioso, o pessimismo egocêntrico, o lirismo amoroso e os problemas sociais, na perspectiva de Bandeira, forneceram o cabedal temático para a poesia em nosso romantismo que, permeado pelas interferências externas, formaria o cânone consagrado em nossa arte romântica. Tal postura, presente em grande parte da historiografia literária brasileira, acaba por caracterizar a delimitação do cânone literário nacional a partir de um ponto de vista conservador que, não raro, avalia as obras por meio da adequação às regras estabelecidas como modelo em detrimento às características intrínsecas inerentes a cada obra. De uma maneira geral, nesse procedimento, ao se eleger o conjunto de regras “modelo”, delimitam-se as produções dignas de análidelimitam-se e reconhecimento, formando um conceito cristalizado no

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que se refere à qualidade literária e, consequentemente, construíndo a tradição canônica de uma determinada vertente literária.

Em nosso ponto de vista, essa linha de valores estéticos/temáticos, no que se refere ao romantismo brasileiro, pode ser rastreada desde a publicação, em 1836, por Gonçalves de Magalhães dos Suspiros poéticos e saudades. Esse texto introdutório, embora não apresente, como salienta Holanda (1999), o valor estético das produções de Gonçalves Dias, Álvares de Azevedo, entre outros, é importante como momento de reflexão crítica e renovação teórica dos padrões expressivos até então em voga na colônia. Se infelizmente os textos poéticos de Magalhães não atingiram a grandiosidade dos autores vindouros, fixou temas e comportamentos que determinariam a maturação da tradição romântica no Brasil.

Não obstante a necessidade de buscar uma convergência de assuntos e temas particulares ao espírito romântico, a historiografia literária brasileira, de uma forma geral, engendra uma rigidez face aos valores canônicos, determinando, nesse processo, uma postura crítica cristalizada. Entretanto, como observa Sariava (1995), o Romantismo1 está intimamente relacionado a um posicionamento ideológico do autor face à realidade circundante, o que acaba por implicar uma profundidade racional norteada por uma postura amplamente emotiva e subjetiva do artista diante do mundo.

Esta noção aponta para dois fatores importantes que devem ser levados em conta no momento de perscrutar a formação do cânone romântico brasileiro. O primeiro deles é a influência dos fatores histórico-sociais nas manifestações literárias; o segundo a

1

O termo Romantismo (em maiúscula) será utilizado para designar o movimento romântico em termos gerais, englobando a universalidade do movimento. Quando utilizarmos o termo em inicias minúsculas estaremos fazendo referência às manifestações românticas de caráter individual que variam de nação para nação.

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singularidade dos processos expressivos do artista romântico que procura filtrar a realidade através de um processo interior de julgamento. Esses processos acabam por proporcionar o surgimento do heterogêneo como um dos traços formativos do espírito romântico, explicando, por um lado, o tom nacionalista e, por outro, o alto grau de emotividade inerente às manifestações românticas nacionais. Para Carpeaux (1985), o Romantismo

é um movimento poético universal, ampliando imensamente os horizontes literários da Europa. Até os últimos decênios do século XVIII o ‘Universo’ da literatura limitava-se à Antiguidade greco-romana e à França; não se ignorava a existência da literatura renascentista e barroca na Itália e na Espanha; mas o Classicismo condicionava toda a poesia anterior a Malherbe e Boileau como obsoleta ( CARPEAUX, p. 161 a)

Nas palavras de Carpeaux (1985), atesta-se a importância da literatura romântica para o surgimento de um novo paradigma estético-temático face ao esgotamento da tradição clássica. Esse aspecto renovador subjacente em autores como Cervantes, Ossian, Shakespeare, entre outros, aponta para uma reorganização dos padrões clássicos, fato que imprime o tom rebelde e libertário aos primeiros escritos românticos. Esse princípio reformulador determinou um romantismo mais lúcido e crítico. Compartilhando com Luiza Lobo (1986) a idéia de que o

estudo minucioso do emprego de fontes e temas predominantes no Romantismo talvez nos leve posteriormente a encontrar uma Gestalt de uma contra-ideologia existente no seio de escritores românticos marginais e esquecidos pela história da literatura romântica oficial (LOBO, 1986, p.24)

pretende-se, neste estudo, fornecer evidências de que a contra-ideologia subjacente ao movimento romântico no Brasil pode ser encontrada não só em autores marginais, mas também nos chamados “medalhões” do romantismo brasileiro, o que proporciona uma revisão do ponto de vista conservador predominante na delimitação do cânone romântico brasileiro. Tal reorganização proporciona a percepção de um olhar irônico no interior de nosso romantismo. A ironia romântica, definida por autores como F. Schlegel (1994), Novalis (1988), entre outros, pode ser compreendida como um posicionamento crítico do

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Eu diante da realidade. No olhar irônico ocorreria uma ascendência reflexiva que figuraria como ponto de partida para a reorganização da visão impulsiva, quase sempre associada ao romantismo brasileiro. Para Schelegel (1994) a ironia romântica, centrada na visão individual e intransferível do sujeito imerso no mundo, acarreta o filtro reflexivo que compreende a multiplicidade de relações não só sociais, como também político-econômicas como elemento construtivo da diversidade de manifestações poéticas no romantismo. A obra de arte, nesse sentido, através da ironia, constrói-se à mercê de uma postura lúcida do poeta diante do real, refletindo a realidade como um universo amplamente complexo e heterogêneo.

Dessa forma, postulamos identificar através da ironia romântica a existência no interior de nosso romantismo de uma tendência racional, fato que ampliaria os limites epigonais de nossa tradição romântica rumo a reminiscências titânicas presentes na diversidade de nosso movimento. Ao afirmar que seria necessário ter perdido todo o espírito de rigor para definir o Romantismo, Valéry (1999) já alerta para a dificuldade de uma delimitação exata da visão romântica. Segundo o crítico (1999), é a totalidade complexa do movimento, imposta pelo olhar subjetivo/individual sobre o mundo, que dá a ele sua importância renovadora e o marca como ponto de influência sobre a arte moderna. Segundo Octavio Paz (1984), o heterogêneo é a maior marca do espírito romântico. O romantismo representou, na perspectiva desse crítico, uma reformulação da linguagem, pois, na tentativa de extrair dela seu significado mais profundo, o sujeito usou os recursos formais para atingir a perfeição expressiva e, nesse processo, em muitos momentos incorporou uma racionalização da rebeldia emotiva.

Apoiados na hipótese de que o romantismo brasileiro foi, em muitos momentos, mais lúcido e crítico face à emotividade intimista e impulsiva apregoada pela visão

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canonizada no Brasil, argumentamos a favor de que no Brasil, assim como na Europa, algumas produções representam uma postura racional semelhante àquela encontrada no romantismo alemão. A presente investigação, portanto, postula a existência de um veio crítico subjacente ao romantismo brasileiro, o que possibilita a delimitação da Gestalt romântica comentada por Luiza Lobo (1986) e a compreensão da importância do romantismo como fonte de influência para a modenidade nas letras nacionais.

Para dar conta dos objetivos deste trabalho, relacionamos o corpus selecionado ao conceito de ironia defendido pelo grupo romântico de Iena, principalmente às idéias de Friedrich Schlegel (1994) e Novalis (1988), bem como alguns apontamentos críticos dispersos ao longo das produções românticas nacionais, sobretudo o conceito de binomia definido por Álvares de Azevedo. Como corpus representativo para o desenvolvimento do trabalho, foram selecionados fragmentos dos poemas O Guesa, de autoria de Joaquim de Sousa Andrade, doravante, Sousândrade, como o poeta se auto-intitulou, bem como parte da obra poética de Gonçalves Dias, Casimiro de Abreu, Álvares de Azevedo, Fagundes Varela, Tobias Barreto, Bernardo de Guimarães, entre outros. Destas fontes, extraímos as fontes primárias que constituíram o objeto de estudo deste trabalho. A seleção do corpus levou em conta um aspecto comum: optamos por poemas que apresentam uma inquietação crítica face à realidade circundante, ora projetando um maior engajamento político-social, ora manifestando um teor metalingüístico que explicita a preocupação reflexiva inerente às manifestações românticas nacionais.

O corpus selecionado reflete a preocupação em rever o que podemos denominar por cristalização do cânone romântico no Brasil. Não tendo a intenção de criar novos paradigmas estruturais para a apreciação do cânone romântico brasileiro, algo ingênuo em se tratando de um movimento tão rico em particularidades, nossa busca é pela revitalização

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de algo até certo ponto cristalizado por grande parte da crítica literária nacional. Para a delimitação do corpus procedemos a uma leitura detalhada da obra dos principais autores de nosso romantismo. Feita a delimitação primária, deparamo-nos com um dilema: ou investigaríamos textos marginais ou optaríamos por abordar textos consagrados pelo que denominamos há pouco visão crítica cristalizada. Optamos, como será visto no decorrer do trabalho, pela seleção de muitas obras “consagradas” pela visão canônica no Brasil e pela inclusão de textos de autores considerados marginais, sobretudo Bernardo de Guimarães e Sousândrade. Tal opção aparentemente paradoxal, sustenta-se na medida em que o trabalho propõe a revisão do cânone romântico. Acreditamos que a escolha de textos consagrados como corpus se revela coerente, posto que o que muda nesse trabalho é o ponto de vista adotado.

Nosso argumento primário para a seleção do corpus foi, portanto, discutir a viabilidade de um olhar inovador, no caso irônico, como algo inerente não só a autores “marginais” de nosso romantismo, como apregoa acertadamente Luiza Lobo (1986, p.24), mas vislumbrar a possibilidade de releitura da diversidade romântica brasileira sob uma ótica irônica. Nesse sentido, retomamos as colocações de Franchetti (1987) que, ao analisar a tendência erótica em poetas como Bernardo de Guimarães e Álvares de Azevedo, aponta para a necesidade de revitalização dos caminhos críticos percorridos pela crítica acerca do romantismo. Este estudo, portanto, vem somar forças a estudos anteriores que procuraram ampliar ou rever o cânone romântico brasileiro, entre eles, só para citarmos alguns nomes, podemos lembrar Vagner Camilo (1997) e Cilaine Alves (1998).

Para darmos conta desse objetivo, abordamos o corpus sob uma ótica sincrônica, posto que nossa leitura deterrmina, por um lado, a apresentação da ironia romântica no seio brasileiro e, por outro, a compreensão do romantismo como um movimento heterogêneo e,

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portanto, muito próximo da essência modernista do século XX. Compartilhando com as idéias de Haroldo de Campos (1969), compreendemos que é necessário rever constantemente nossa tradição literária com vistas a dirimir possíveis antagonismos primários. Acreditamos que é no campo da mútua influência que as tendências literárias podem ser vistas em sua integralidade. Nesse sentido, a abordagem sincrônica possibilita a percepção da permanência da tradição e, na mesma medida, de inovações no seio romântico nacional o que faz do movimento uma das tendências literárias mais ricas em variedade e estilos em nossa tradição literária.

O objetivo geral do trabalho é, portanto, discutir a presença da postura crítica e racional dentro dos limites do romantismo brasileiro. Nosso intuito é fornecer subsídios para a compreensão da complexidade das manifestações românticas no Brasil, bem como reafirmar a importância do romantismo brasileiro para o redimensionamento da tradição literária nacional. Como pode ser observado, propomos apresentar uma visão distinta em relação ao cânone romântico prestigiado pela crítica nacional. Para tanto, partimos do pressuposto de que o Romantismo no Brasil, sendo heterogêneo, operou em níveis profundos a mobilização da tradição, levando arcaísmo e modernidade a coexistirem no seio romântico brasileiro. Acreditamos que a totalidade complexa do movimento, imposta pelo olhar subjetivo/individual sobre o mundo, dá a ele uma importância renovadora e o marca como ponto de influência sobre o Moderno. Trata-se de uma tentativa de ampliação dos limites canônicos do romantismo brasileiro, visto aqui como ponto de partida para a Modernidade.

Cabe ressaltar que, ao pensarmos o Moderno, recorremos à perspectiva apresentada por Hugo Friedrich (1991, p.30), para quem o moderno nada mais é do que “Romantismo desromantizado (entremantiserte Romantik)”. Dessa forma, consideraremos o Moderno

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como uma tendência amplamente crítica que representou um novo paradigma expressivo para a arte não só brasileira, mas em termos universais. O conceito de Modernidade será compreendido como um ideal reformulador e rebelde que imprime a mudança dos padrões estéticos predominantes à arte clássica. Tendo início no século XVII com o Iluminismo, a Modernidade ganharia contornos mais definidos, em termos literários, com o advento romântico, em meados do século XVIII, sendo, por isso, muitas vezes associada a esse movimento. Já o termo Modernismo será circunscrito, nos limites deste trabalho, a uma corrente literária surgida no início do século XX que, via de regra, intensifica tensivamente os ditames revolucionários da modernidade, formando uma tradição, para ficarmos em um termo de Octavio Paz (1984), em constante renovação.

Para o desenvolvimento da pesquisa, analisamos minuciosamente as fontes primárias referentes ao tema proposto, dando ênfase, em um primeiro momento, à explicitação da visão romântica norteada pela perspectiva crítica consagrada em nosso romantismo, a qual denominamos como vertente epigonal e, posteriormente, apontamos para os novos caminhos inerentes à presença do titânico em nossas manifestações românticas. Para isso, procuraremos investigar os paradigmas que delimitaram as particularidades formais e temáticas inerentes às manifestações tidas como canônicas no interior do romantismo brasileiro. Procedendo a uma breve explanação sobre a importância da vertente epigonal para a implementação da visão romântica no Brasil, buscamos discutir como a partir do olhar individual, “cor local”, emotividade, entre outros, os artistas românticos brasileiros foram gradativamente incorporando os ditames da escola para, por fim, imprimirem a visão reflexiva face à ingenuidade da utopia romântica. Ao implementarmos ao corpus o olhar crítico visamos ampliar a delimitação de nossa matriz

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romântica tida como epigonal apontando, nesse processo, para a presença da perspectiva titânica em nossas manifestações.

Ao aludirmos às idéias do chamado grupo romântico de Iena, principalmente no que se refere aos escritos de Schlegel (1994), Hölderlin (1994) e Novalis (1988), achamos conveniente ressaltar que não nos preocupamos em estabelecer identidades formais por meio de procedimentos comparativos, tão somente usar estas fontes como instrumentação teórica para elucidar a presença do olhar racional no interior de nosso romantismo. Nossa hipótese apóia-se na compreensão de que o romantismo brasileiro foi, em alguns momentos, lúcido e crítico face à emotividade apregoada pela visão epigonal. Argumentamos a favor de que o romantismo brasileiro representou, em muitos momentos, uma postura racional semelhante àquela encontrada no romantismo alemão. Este, de acordo com Walter Benjamin (1993), cultivava o interesse pela filosofia com muito rigor intelectual, desmentindo, com isso, a idéia de um Romantismo sentimental e irracional, uma vez que o poeta impregnado por uma afetação de ordem histórica buscava, através da arte, compreender e explicar a realidade circundante.

Para analisar os aspectos estruturais do corpus, utilizaremos uma abordagem baseada na verificação e delimitação das particularidades estéticas do discurso romântico brasileiro. Buscaremos encontrar na diversidade romântica os mecanismos utilizados para a veiculação de uma postura mais lúcida e racional. Nessa busca pela singularidade procederemos ao estudo das inovações estéticas e formais que imprimem um tom crítico às manifestações românticas selecionadas como corpus da pesquisa. Nesse percurso, comentaremos a existência da atitude irônica no interior dos textos em análise. A ironia será concebida, neste trabalho, na perspectiva defendida pelo Grupo romântico de Iena que pensa o irônico como um posicionamento crítico do Eu diante da realidade, revelando uma

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postura reflexiva e racional face ao mundo. O estudo não tem a pretenção de construir uma definição totalizadora para o movimento romântico brasileiro, nem tampouco aludir à impossibilidade concreta desta definição. Buscamos contribuir para a compreensão do Romantismo como um movimento marcadamente heterogêneo, no qual, apesar da afetação emotiva percebe-se um princípio racional que, em alguns momentos, manipula a diversidade estético/temática comum a esse movimento.

O trabalho está organizado em quatro capítulos. No primeiro deles, procederemos a um breve histórico do Romantismo em termos universais. Posteriormente, de forma sucinta, comentaremos alguns aspectos do romantismo alemão aludindo à presença do viés crítico nesse movimento. Logo em seguida, partiremos para a exposição dos conceitos de ironia romântica na perspectiva do Grupo romântico de Iena. A discussão da ironia romântica e do traço reflexivo, subjacente a essa postura, visa situar o leitor, bem como apontar para alguns procedimentos pragmáticos que norteiam o desenvolvimento do trabalho.

No segundo capítulo, procuraremos discutir o cânone romântico brasileiro. Para isso, perscrutaremos a perpetuação desde a publicação em 1836 dos Suspiros poéticos

e saudades, de Gonçalves de Magalhães, nos manuais de literatura brasileira, do que

denominaremos de cânone romântico tradicional ou epigonal. Ainda neste capítulo, procuraremos abordar a validade das constantes estéticas determinadas por essa visão crítica e, na medida do possível, apontar para o redimensionamento dessas constantes epigonais. Nesse capitulo, portanto, procederemos a uma problematização da visão tradicional, procurando estabelecer, por meio dos textos poéticos comentados, elementos concretos que possibilitem a percepção de uma organização racional subjacente aos textos românticos brasileiros.

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No terceiro capítulo, damos continuidade à discussão do corpus à luz das idéias do grupo romântico de Iena, procurando, sempre que possível, investigar a existência dos elementos racionais no interior do romantismo brasileiro. Nesse sentido, aplicaremos ao

corpus um olhar crítico que visa perceber a existência da perspectiva irônica no interior de

nossas manifestações literárias. Ainda nesse capítulo, apresentamos a presença da perspectiva irônica como elemento primordial para o aprofundamento crítico presente em nosso romantismo, bem como discutir a reorganização imposta, por alguns autores, aos padrões românticos epigonais, evidenciando a modernidade do movimento romântico brasileiro.

No quarto capítulo, procuraremos discutir a presença da ironia e da sátira diante da tradição epigonal como evidência da consciência crítica presente nos autores românticos nacionais, bem como comentar que a ironia e a sátira à tradição romântica criam momentos de reflexão metalingüística no interior do romantismo brasileiro. Dessa forma, discutiremos a validade da definição dada por Friedrich (1991) que percebe o Modernismo como um “Romantismo desromantizado” e, sendo assim, postularemos, por meio da exposição do veio titânico brasileiro, a importância do romantismo como uma corrente altamente moderna e inovadora.

Por fim, apresentamos as considerações finais do trabalho, apontando para o caráter híbrido inerente ao romantismo brasileiro, fato que atesta a importância dessa escola literária na tradição literária nacional, bem como a presença da vertente titânica como ponto de influência para a modernidade.

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Capítulo I

Romantismo: universal e individual

Pode-se dizer que o Romantismo foi a expressão artística de uma sociedade em transição. Os séculos XVIII e XIX, marcados por grandes mudanças sócio-econômicas como a Revolução Industrial, a Revolução Francesa e a transferência de grandes massas populacionais do campo para a cidade, desencadeou-se o fortalecimento e posterior ascensão da burguesia ao poder. Tais acontecimentos representaram uma mudança radical no comportamento humano e, conseqüentemente, uma gradativa reorganização da expressão artística.

O Romantismo, como salienta Elia (1993), vê na arte a concretização da “liberdade” materializada na rebeldia contra a estética vigente, representando uma tomada de consciência do sujeito frente às tendências históricas. Foi o momento em que a busca pela sobreposição do individual frente ao universal determinou uma revisão do papel periférico que a individualidade assumia até meados do século XVIII. O termo “liberdade” acaba por refletir a busca por novos padrões expressivos, caracterizando o chamado “desajuste romântico”, uma espécie de desconforto do homem com seu meio. O artista romântico apresenta um profundo desapontamento diante da realidade, já que os ímpetos eufóricos iniciais – concretização do ideário francês de Liberdade- Igualdade- Fraternidade – são bruscamente interrompidos pelo aumento da pobreza e a dificuldade de ascensão social na Europa do século XVIII e XIX. Esse mal-estar acarreta o caráter rebelde imanente às manifestações românticas, que, via de regra, buscam, por meio da arte, expressar a possibilidade de mudança do quadro degradante imposto ao homem pela realidade.

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Expondo o desajuste do Eu diante da realidade circundante, o artista romântico adquire a consciência de que o mundo empírico não é suficiente para a expressão das aspirações do indivíduo. O Eu precisa transfigurar a realidade, transcendê-la. Um dos caminhos para a materialização dessa busca reorganizadora é a rebeldia diante do pré-estabelecido. A esse fenômeno Novalis (1988) denomina de “transcendência romântica”. O Eu transcendente ligado ao “gênio original” de Fichte apresenta-se como arquétipo do grande homem uma vez que encarna os valores míticos de Prometeu e, por conseqüência, de Jesus (mito cristão), caracterizando a crença messiânica que, de certa forma, ameniza o sentido do “weltschmerz” (desconforto do mundo), acarretando o sentido de catarse presente no âmago da tendência romântica. Reymond (1997) toca nesta questão ao afirmar que

enquanto o escritor clássico, desejoso de conhecer-se a si mesmo, fiava-se na introspecção e transportava o resultado de suas observações para o plano da inteligência discursiva, o poeta romântico, renunciando a um conhecimento que não seja, ao mesmo tempo, um sentimento e um gozo de si mesmo – e um sentimento do universo, sentido como uma presença – encarrega sua imaginação de compor o retrato metafórico, simbólico de si mesmo, em suas metamorfoses. (REYMOND, 1997, p. 14)

O Eu romântico, por meio desse olhar catártico do “sentimento do universo, sentido como uma presença”, busca a purificação do sujeito. Essa postura materializa uma visão ideal do mundo, que, por conseqüência, amenizaria o sentido disfórico face à realidade empírica oportunizando a opção pelo efeito paradoxal, por vezes contraditório, impetrado pelo artista do romantismo diante de si e do mundo. Segundo Weiskel (1994, p.17), o sublime pode ser visto como a crença total na individualidade humana face à realidade, pois “a alegação essencial do sublime é a de que o homem pode, no sentido e no discurso, transcender o humano”. Dessa forma, o conceito de intuição para os românticos, na aresta do que propõe Benjamin (1999, p.37), “possui o significado constitutivo de algo relativamente objetivo, a ação, aquele tornar-se forma da forma, como seu conteúdo do

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espírito, ocorre, segundo a intuição romântica, constantemente, e constitui, antes de tudo não o objeto, mas a forma, o caráter infinito e puramente metódico do verdadeiro pensar.”. Tal propensão racional admite, portanto, a interiorização gnosiológica do mundo, fato que redimensiona a emotividade romântica rumo ao ímpeto reflexivo. O mundo, sintetizado pelo olhar conturbado e subjetivo – para Reymond (1997) em constante “metamorfose” – passa a ser o símbolo do Eu, na medida em que este se apropria dos valores daquele para se afirmar como individualidade, o que explica o enigmático fragmento de Novalis (1988) para quem o “mundo exterior nada é senão o mundo íntimo elevado a um estado secreto”, posto que interior.

O mundo, na perspectiva romântica, é individualizado pelo sujeito que busca sublimar os conflitos inerentes à figura humana, tendendo, por isso, à materialização primária de um mundo ideal, sublime. Esse olhar idealizado reorganiza a realidade que, por isso, passa a figurar como uma utopia, uma promessa, expressa no íntimo do sujeito pela negação (evasão) ou exposição (rebeldia) do argumento disfórico presente na realidade circundante. O Eu-transcendente, ao se colocar como uma tentativa de fuga ao desconforto do mundo, constrói uma nova realidade pautada pelo traço ideal. Essa noção possibilita perceber que o romântico vive um dilema perante a realidade, pois ao aceitá-la como agressora vê seu olhar idealizado ser questionado.

A conseqüência imediata dessa postura é que o sujeito bifurca-se em duas possibilidades realizáveis: uma, centrada na realidade e outra, na sublimação evasiva dessa realidade. Se por um lado existe no romântico a busca pela representação de um estado idílico do sujeito diante da realidade circundante, por outro, a constatação racional da impossibilidade de purificação do Eu materializa uma visão conturbada diante da realidade. Essa possibilidade de degradação imanente ao espírito romântico, muitas vezes,

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proporciona um amargor em relação à visão positiva do sujeito com o mundo (catarse). Nesse caso, o pessimismo invade o espaço eufórico, levando à angústia e à melancolia. O universo natural, transfigurado em negatividade e sofrimento, passa a agressor, perpetuando o desequilíbrio do Eu. Nesse processo, o Eu torna-se irônico por assumir uma posição consciente face à inquietação com o mundo.

Segundo Octavio Paz (1984), a ironia romântica advém dessa situação ambígua do sujeito. A constatação da dualidade do homem e, principalmente, a consciência diante dessa situação proporciona a angústia e o pessimismo do Eu romântico. O sujeito inverte a apreciação positiva e torna-se sarcástico, brincando com a impossibilidade de realização do equilíbrio. Tal postura é caracterizada por Bosi (1993) como uma “inversão do liame tradicional”, pois o dia é relegado à noite, a beleza, ao grotesco; a vida, à morte; a pureza, à depravação; a perfeição, à imperfeição.

Nessa fase de desespero e agonia, é comum a incorporação de elementos místicos e insólitos como forma de alienação do sujeito frente à realidade que o agride. É dessa situação conflitante que surge o apelo ao tom religioso de fundo messiânico. É como se o poeta negasse sua vida atormentada para ver, no transcendente, o elemento de regresso ao equilíbrio perdido. Por esse aspecto, a visão sublime e idealizada frente ao mundo acaba sendo transfigurada em grotesca, pois, como salienta Hugo (1992), o olhar romântico:

sentirá que na criação nem tudo é humanamente belo, que o feio existe lado a lado com o belo, o disforme junto do gracioso, o grotesco a par do sublime, o mal simultaneamente com o bem e a sombra com a luz. Perguntará se a razão limitada e relativa do artista deve sobrepor-se à razão infinita e absoluta do criador; se o homem deve corrigir Deus, se uma natureza mutilada será mais bela; se a arte tem o direito de dividir em dois, por assim dizer, o homem, a vida e a criação; se cada coisa funcionará melhor retirando-lhe a força e energia; se, enfim, a condição para ser harmonioso é ser incompleto. (HUGO, p. 115)

Dessa forma, pode-se dizer que em sua procura por transcendência, o artista romântico plasma um discurso extremamente inusitado, adotando, primeiramente, uma

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tendência à harmonização com o mundo; acaba por compreender a impossibilidade dessa harmonia e, nesse processo, questiona o idealismo romântico. Tal procedimento, entretanto, produz uma espécie de aprisionamento do Eu pela linguagem. Musset expressa muito bem essa tensão ao afirmar que as palavras atrapalham a plena expressão romântica. Não sendo suficiente para a expressão total do sujeito, a língua limita seu ímpeto primário e passa a ser explorada enquanto extrapolação expressiva.

O Romantismo representou, por esse prisma, uma reformulação da linguagem, pois, na tentativa de extrair dela seu significado mais profundo, o sujeito usou os recursos formais para atingir a perfeição expressiva. No dizer de Blanchot (1988, p.B-3), o movimento romântico buscou “o cerne da palavra para extrair dela a pureza expressiva”. Daí termos, nesse período, o chamado “barroquismo”, entendido, aqui, como trabalho estético com a palavra para atingir um plano expressivo mais próximo do desejado pelo espírito romântico.

Centrado no traço subjetivo/individual, o movimento romântico, como representação de uma individualidade conflitante, torna-se complexo e escapa a uma definição exata e totalizadora, pois reflete a inquietação do homem inserido no mundo. É justamente a complexidade do Romantismo que o leva a questionar a linearidade objetiva e equilibrada da visão Clássica. Esse olhar revolucionário proporciona ao movimento uma pluralidade expressiva, uma vez que o Eu muda sua perspectiva individual com o posicionamento do sujeito diante do mundo. Daí termos uma grande variedade de manifestações que lhe outorgam uma enorme gama de possibilidades expressivas.

Reymond (1997) comenta que o Romantismo transcende os limites de uma revolução estética, para figurar como um novo conjunto de valores ideológicos, políticos e sociais. Para o critico (1997, p.115), “o Romantismo vai da arte à história. A tudo envolve,

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a tudo impregna, como uma atmosfera.”. Essa atmosfera passa invariavelmente pela aceitação do novo e por uma profunda emotividade. O romântico tende ao ideal, ou seja, o espírito romântico, por mais complexo e heterogêneo que pareça, visa à expressão de um olhar positivo ligado ao humano. O homem, visto por esse prisma eufórico, resguarda em sua essência um traço positivo; pois, como observa Rousseau, a natureza mais íntima do homem é constituída por um conjunto de sentimentos positivos e morais, que pelo contato com a civilização, são descaracterizados.

Essa visão positiva diante da figura humana acaba por imprimir a busca pelo retorno à situação de pureza primitiva. Os padrões estéticos provenientes do clássico são reorganizados, porém, como salienta Vizzioli (1993), o Romantismo apresenta uma coexistência de elementos clássicos aliados com valores emotivos/individuais. De fato, se pensarmos que o Romantismo nega totalmente a visão clássica, instaurando unilateralmente um império da emoção, somos levados a pensar o Romantismo como uma negação total do passado.

Como salienta Gonçalves (1999), não existe, em literatura, uma tendência livre de influências, quer de correntes estéticas anteriores quer de novos valores que indicam o surgimento de uma nova tradição. Essa concepção acaba por imprimir uma cisura no que se refere à idéia de uma ruptura total em relação ao passado como imanente ao espírito romântico. Octavio Paz (1988) toca nessa questão ao comentar que o passado é sempre questionado, mas nunca sublimado inteiramente por uma nova postura estética e, nesse sentido, a idéia de que uma corrente estética é independente face à tradição precedente torna-se extremamente ingênua.

A postura inovadora presente no seio romântico não rompe literalmente com a tradição que a precede, ao contrário, o jogo renovador inerente às manifestações literárias é

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resultado do constante diálogo entre essas tendências e, no Romantismo, isto não é diferente. É justamente esse jogo dialético, no interior de uma tendência, que possibilita a evolução literária. O embate constante entre padrões tradicionais e inovadores2 acaba por determinar o surgimento de novas tendências, não pela negação da tradição, mas pela reorganização desses padrões aliados a uma atitude inovadora que, por isso, se insere como parte da tradição.

Podemos verificar que o heterogêneo pode ser compreendido como uma das balizas formativas do espírito romântico. Se de um lado a visão romântica caminha para a materialização de um princípio singularizador de cunho nacionalista e individual, de outro, a presença do ímpeto rebelde e da ânsia pela renovação dos padrões estéticos vigentes determina um conjunto de valores recorrentes, possibilitando a percepção de uma tradição canônica inerente ao Romantismo em termos universais.

Ressaltamos, entretanto, que ao pensarmos o termo cânone levamos em consideração as idéias defendidas por Harold Bloom (1995), que concebe o cânone como um intrincado jogo de influências individuais, formando ao longo de um decurso temporal uma rede de relações internas entre as obras e autores literários. Essa dinâmica de influências possibilita a percepção de uma linha comum estabelecida entre diferentes obras, ao longo de um dado período. Bloom (1995) comenta, ainda, que o cânone é uma construção heterogênea, uma vez que ao se estabelecer materializa um complexo jogo de influências que, por vezes, pode denotar preferências individuais ou permanência de tendências estéticas decadentes ou superadas. Pensando nisso, podemos observar a visão

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Por padrões tradicionais entendemos os elementos temáticos e estéticos que determinam a concretização de um modelo canonizado em um período literário, gerando influência e contiguidade. Por padrões inovadores entendem-se constantes que tensionam com a tradição ao imprimirem um novo padrão estético que, posteriormente, instaura uma nova tradição.

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canônica como o resultado de um intrincado jogo de referências que, em nível profundo, estabelece modelos, determinando, em muitos casos, comportamentos.

Considerando a diversidade romântica universal somos levados a concluir que a delimitação canônica do Romantismo passa pela adoção de comportamentos como: i) busca pela reorganização do ideário clássico; ii) coexistência do pendor emotivo aliado a um traço religioso e místico; iii) busca por liberdade formal e estética; iv) adoção de temas de cunho nacionalista, muitas vezes aliados a um caráter revolucionário como a luta pela liberdade; v) paralelo com o elemento natural, denotando uma tendência catártica influenciada pela perspectiva rousseauriana do “bom selvagem”; e vi) desalento diante da impossibilidade da catarse, caracterizando o “weltschmerz” (desconforto com o mundo), posicionamento que se convencionou chamar de “mal-do-século”.

A sucessão ou encadeamento desses elementos, geralmente ambientados em um espaço específico e singularizado, delimita a materialização do que podemos denominar por cânone romântico. Essa noção implica, antes de tudo, a concepção do Romantismo como uma tendência amplamente emotiva norteada por um crivo idealizador e, muitas vezes, utópico. Segundo Falbel (1993, p. 24), o cânone romântico proporciona ou favorece a reorganização do “ mundo ‘ordenado’ da Idade Média, permitindo uma nova transmutação de valores”. Esse comportamento, como já foi salientado, não determina a negação total do passado, antes sua redefinição.

Neste trabalho, não buscaremos a delimitação exata da diversidade romântica, uma vez que esse movimento, por ser marcadamente emotivo e repleto de particularidades individuais, se diversifica dependendo do lastro subjetivo que o materializa em discurso. Visamos apenas apresentar uma possibilidade de leitura que, de certa forma, corrobora para a compreensão da heterogeneidade do movimento. Centraremos nossa atenção na

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discussão do viés titânico presente em essência no romântico alemão e sua influência no romantismo brasileiro.

Pensamos, portanto, que na diversidade das manifestações poéticas brasileiras ocorre, mesmo que em nível profundo, uma reorganização crítica dos valores canônicos do Romantismo. Em nosso ponto de vista, o caráter reflexivo reorganiza a emotividade característica do movimento, possibilitando compreender a poesia romântica brasileira como ponto de partida para a materialização de novos caminhos na lírica nacional. O titânismo, nesse sentido, implica menos a negação do viés emotivo, antes sua perpetuação como elemento construtor de novos caminhos expressivos para os valores inerentes à nossa diversidade cultural.

Visto por esse prisma, compreende-se a dificuldade na definição do movimento romântico em sua totalidade. Sua marca primordial consiste, então, na diversidade de suas manifestações, sendo, por isso, influência para as escolas vindouras. Valéry ( 1999) já alerta para o fato de que muito do que se convencionou chamar de espírito romântico está presente nas tendências literárias do final do século XIX e início do século XX. Compreender a racionalização do veio emotivo no romantismo é, antes de tudo, afirmar que sua influência não se esgota com o fim cronológico do movimento. Para Walter Benjamin (1999), o romantismo na Alemanha cultivava o interesse pela filosofia com muito rigor intelectual, desmentindo, com isso, a idéia de um romantismo sentimental e irracional, uma vez que o poeta romântico alemão, impregnado por uma afetação de ordem histórica, buscava, através da arte, compreender e explicar a realidade circundante.

Apoiados na hipótese de que o romantismo brasileiro foi, em alguns momentos, mais lúcido e crítico face à emotividade intimista e impulsiva predominante no movimento, argumentaremos em favor de que a visão racional diante da emotividade

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romântica observada em algumas produções românticas brasileiras entraria em consonância com a perspectiva irônica e reflexiva presente na poesia romântica produzida por um grupo de poetas alemães sediados na cidade de Iena. Essa poesia altamente filosófica e reflexiva caracteriza a vertente titânica na poesia romântica. Novalis (1988, p. 27), um dos grandes representantes do Grupo de Iena, comenta que o poeta romântico alemão deve manter-se lúcido e consciente no momento de materializar a produção poética, pois, segundo o poeta, “a vida terrestre brota de uma reflexão original – de um primitivo entrar-em-si, de um recolher-se-em-si-mesmo – tão livre quanto nossa reflexão.”. Logo, para Novalis (1988), a poesia se aproxima do pensamento filosófico uma vez que o plano emotivo primário, característico dos poetas românticos, assume uma conotação reflexiva.

O princípio reflexivo, denominado por Schlegel (1994) como ironia romântica, prolonga-se em uma atitude contemplativa, muitas vezes, imbuída de um cunho catártico, uma vez que retoma a situação fragmentada do sujeito diante do mundo; denotando, com isso, uma postura mais crítica perante a impulsividade emotiva dos primeiros românticos. Em nosso ponto de vista, alguns poetas românticos brasileiros materializaram a mesma postura racional ao plasmarem, em seus poemas, a busca pela reorganização da emotividade romântica. É interessante, entretanto, ressaltar que essa busca racional não nega a latente emotividade do poetar romântico, antes apresenta uma emotividade crítica que reorganiza a própria tradição, conferindo ao romantismo brasileiro muito da rebeldia dos românticos alemães.

O confronto entre racional e emocional presente, por exemplo, na obra de Álvares de Azevedo, Sousândrade, Bernardo de Guimarães, entre outros, revela essa postura consciente no que se refere ao encadeamento das características marcantes do movimento

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romântico no Brasil. Esse comportamento, denominado por Azevedo (1900) por binomia, determina uma postura estético/temática centrada na valorização do processo racional em detrimento aos pendores puramente emotivos inerentes à composição romântica.

A tendência à racionalização do ímpeto emotivo primário pode ser verificada, em Álvares de Azevedo, a partir da segunda parte da Lira dos vinte anos. Vanger Camilo (1997, p. 57) comenta que Azevedo defende, no prefácio à segunda parte da Lira dos vinte

anos, uma postura mais crítica diante da emotividade romântica ao propor “o esgotamento

(tendência inscrita no tempo) da temática amorosa, do idealismo e do sentimentalismo à Chateaubrian”. Azevedo (1900), nesse prefácio, adverte o leitor para o fato de que sua poética reorganiza os valores emotivos para atingir uma expressão mais próxima de uma consciência diante dos traços canônicos presentes no seio do pensamento romântico. A advertência contida no prefácio à Segunda parte da Lira dos vinte anos denotaria, assim, a mudança de tom presente na obra azevediana, pois, para o poeta, o fazer literário, a partir desse momento, passa a ser reflexo de uma postura mais lúcida diante da realidade e dos padrões excessivamente emotivos presentes na tradição romântica.

Para chegarmos à compreensão do viés titânico em nossa poesia romântica, abordaremos algumas idéias do chamado Grupo romântico de Iena. Essa opção se deu por entendermos que sendo mais racional a vertente romântica de Iena valorizou o caráter individual como paradigma para a reorganização dos padrões estéticos do classicismo. Nesse grupo, como salienta Volobuef (1999. p. 37), o “Eu” emerge como “uma perspectiva voltada para o todo, o completo, o integral, tornando o horizonte desses românticos amplo e aberto, ainda sem as restrições do nacionalismo que marcaria as gerações subseqüentes”.

No entanto, antes de abordarmos as principais idéias do grupo romântico de Iena, faremos uma breve alusão a algumas particularidades inerentes ao romantismo alemão

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como forma de demonstrar que também na Alemanha uma das marcas do Romantismo é a diversidade.

1. Romantismo alemão: origens

Com salienta Volobeuf (1999), determinar com exatidão a origem do romantismo alemão é tarefa de difícil solução. No entanto, podemos perceber que o Romantismo na Alemanha é resultado de um intrincado conjunto de procedimentos estéticos/temáticos que, muitas vezes, reagem contra os padrões clássicos, outras vezes assimilam esses padrões, caracterizando um busca revolucionária por novas formas de expressão artística.

O Pietismo3 luterano pode ser lembrado como uma da primeiras influências para os românticos alemães, uma vez que esse movimento pregou a valorização da emotividade ao impor um traço combativo, determinado, em grande parte, pela luta face à Contra-reforma. Rosenfeld (1991) argumenta que o Pietismo influenciou decisivamente o espírito do Sturm

und Drang (1760) e, posteriormente, pode ser rasteado nas obras de Kant e Herder4, uma vez que expressava uma religiosidade intimista de cunho individual/libertário baseada na livre interpretação das escrituras bíblicas e em uma postura avessa à rigidez dos dogmas religiosos da época.

Ao valorizar a experiência religiosa pessoal centrada no amor ao próximo e na crença na salvação do espírito por meio de ações positivas e, às vezes contraditórias, o

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O Pietismo foi uma corrente religiosa protestante de cunho místico que se dirigia contra a ortodoxia dogmática da Igreja Protestante Oficial, no final do século XVIII.

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Kant tende a ver a individualidade como representação do processo revolucionário, expressando, por isso, uma visão positiva diante da figura humana, capaz, segundo ele, de redimensionar individualmente sua trajetória; Herder, por sua vez, imprime um forte teor nacionalista que, via de regra, busca restaurar o sentido de nação e identificar o sujeito como parte integrante de sua realidade. Esses dois autores materializam, individualmente, duas tendências muito importantes para o espírito romântico: o subjetivismo e o nacionalismo.

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Pietismo encarna os ideais revolucionários dos jovens poetas alemães. O Pietismo, as

idéias de Rousseau, Ossian, entre outros, aliados a uma gradativa influência filosófica, principalmente no que tange ao idealismo fantástico de Fichte, contribuíram ativamente para o delineamento das primeiras manifestações românticas alemãs, sobretudo, no Sturm

und Drang. Para Nunes (1993), a visão romântica alemã

resultou de uma ascendência intelectual; pois que ligada ao classicismo de Weimar (Goethe e Schiller), e particularmente sensibilizada pela problemática schilleriana da poesia ingênua dos antigos e a poesia sentimental dos modernos, reorganiza a tradição que o precedia. (NUNES, 1993, p. 52)

Nas palavras do crítico, podemos perceber que o olhar romântico alemão passa pela reorganização dos padrões clássicos vigentes. Essa reorganização se faz por meio de um processo continuo de reflexão intelectual. A postura de Goethe pode ser citada como exemplo do que acaba de ser dito. O artista alemão, primariamente envolvido no Sturm und

Drang, abandona a impulsividade sentimental encontrada em As mágoas do jovem Werther

(1774), por exemplo, para se filiar, na maturidade, a uma corrente na qual se percebe o predomínio de um princípio racionalizador imposto à emotividade primária dos Strümer. No entanto, mesmo nessa atitude racional, observa-se, no dilema interior de Fausto, fragmentado pela consciência racional e, ao mesmo tempo, vítima de seu ímpeto individual (paixão), a presença dilaceradora da emotividade em sua obra.

O romantismo alemão, nessa linha de raciocínio, pode ser compreendido como resultado do encontro entre emoção e razão. Nele existe um contínuo diálogo entre tradição e renovação e, nesse sentido, compreende-se a “ascendência intelectual”, descrita por Nunes (1993), como a busca pela manipulação racional da carga emotiva própria ao Romantismo.

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2. O Sturm und Drang :olhar nacionalista

Na Alemanha é comum associar o início do Romantismo a um movimento surgido, aproximadamente, por volta de 1760, chamado Sturm und Drang (tempestade e ímpeto). Esse movimento, amplamente revolucionário e rebelde frente aos padrões clássicos, é conhecido como Pré-romantismo alemão. Entre os principais representantes dos Strümer podemos citar J.G. Hamann (1730-1788); J.G. Herder (1744-1803), F. M. Klinger (1752-1831), M. R. Lenz (1751-1792), J. A. Leisewitz (1752-1806); H. L. Wagner (1747 – 1779), A. Burger (1747-1794), mas é com as obras de J. W. Goethe (1749-1832) e F. Schiller (1759-1805) que o movimento alcança seu contorno definitivo.

As obras desse período refletem um ímpeto renovador que se tornaria uma das grandes características do movimento. Sua temática marcada pela rebeldia frente os padrões clássicos franceses denota o questionamento das idéias de Boileau e, conseqüentemente, imprimem uma reavaliação dos cânones acadêmicos clássicos. Para Rosenfeld (1991), os Stürmer buscam a libertação do homem da prisão Iluminista cartesiana. O traço messiânico e o lastro nacionalista, comuns nesse movimento, refletem o conflito trágico do Eu face ao mundo, determinando um olhar pessimista diante da realidade e da civilização, projetando o anseio pela novidade materializados na busca por novos padrões expressivos.

A impulsividade emotiva, característica marcante do Sturm und Drang, sofre grande influência do nativismo utópico de Ossian e das idéias nativistas de Rousseau. Essa tendência ao individual imprime ao espírito dos Stürmer um alto teor nacionalista, refletido na busca pela singularização do espírito germânico. Em substituição ao clássico, os Stürm propõem o resgate dos valores prucianos como forma de delimitar uma essência germânica. A publicação dos Volksmärchen (Conto de fadas populares) por Ludwig Tieck,

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em 1797, e a adoção dos volkslieder (poemas e canções populares), por autores como Herder, podem ser tomados como exemplos dessa postura nacionalista presente no âmago do pré-romantismo alemão.

Podemos perceber, então, no pré-romantismo alemão por um lado a presença de uma postura clássica, observável, por exemplo, na obra de Lessing e, por outro a busca revolucionária de cunho nacionalista e intimista que, por meio de atitudes como o “volkslieder”, redimensionam a tradição clássica, incorporando valores da cultura popular e imprimido a predominância do individual sobre o universal fato verificável, por exemplo, na obra do jovem Goethe, sobretudo em Wherter.

3. O heterogêneo no romantismo alemão

O espírito romântico na Alemanha, rastreado desde a impulsividade dos Stürmer, se manifesta de maneira bastante complexa. Podemos identificar várias correntes românticas que, em alguns momentos, trilham caminhos opostos, mas de maneira geral, enquadram-se em uma busca contínua por uma essência germânica. Nesse percurso, os ideais revolucionários dos Stürmer vão sendo substituídos gradativamente por uma postura mais lúcida do sujeito diante da realidade.

Para Guinsburg e Rosenfeld (1993, p. 276), os alemães procuram a síntese entre Eu/ Mundo por meio de uma atitude consciente diante da realidade, pois “têm uma percepção agudíssima da cisão que os domina”. Nessa tentativa de síntese o romantismo alemão busca a racionalização do ímpeto inicial dos Strümer. Os artistas são racionais e tentam atingir o equilíbrio interior não pela pura emotividade, como fizeram os Strümer, mas pela equalização desse elemento. Ao passar pelo filtro emotivo e impulsivo do Eu, a realidade permeia uma postura reflexiva e consciente. Para Schlegel (1994):

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Para se poder escrever bem sobre alguma coisa, é preciso que ela não nos interesse mais; o pensamento que se deve expressar seriamente tem de ser algo do passado, que na verdade já não nos ocupe. Enquanto o artista estiver inspirado e entusiasmado, encontrar-se-á num estado no mínimo iliberal para a comunicação. Quererá dizer tudo __ o que no gênio imaturo é um mau hábito ou então um preconceito adequado a ignorantes maduros. Assim negligenciará o valor e a dignidade da autolimitação, que no entanto é, para o artista como para o homem, alfa e ômega, o mais necessário e o mais elevado. (...) Quanto a três erros, apenas, devemos nos precaver. O que parece e deve parecer livre-arbítrio, e assim irracional ou para além da razão, tem de, no fundo, ser pura e simplesmente racional e necessário; do contrário o capricho se torna obstinação, surge a iliberalidade, e da autolimitação vem o auto-aniquilamento. Segundo: não devemos nos precipitar na autolimitação, deixando primeiro espaço para a autocriação, a invenção e o entusiasmo, até que chegue o momento. Terceiro: não se deve exagerar em matéria de autolimitação. ( SCHLEGEL, 1994, p.85.)

Sendo assim, o poeta romântico alemão posiciona-se na interação racional com a sensibilidade emotiva. O deixar espaço para o entusiasmo, comentado por Shelegel, nos remete à importância dada ao impulso criativo, mas, ao mesmo tempo, denota a relevância do elemento racional como forma de efetivamente materializar o impulso poético “autêntico”. Dada essa tendência racional, “dignidade da autolimitação”, a negação ao clássico, mais branda na vertente alemã, revela um fazer poético lúcido e consciente, valorizando, com isso, o trabalho estético como possibilidade de materializar o impulso emotivo tão caro aos românticos.

Entretanto, essa visão racional não exclui o domínio emotivo presente no Romantismo, pois, como adverte Shelegel, “não se deve exagerar em matéria de autolimitação”. Em outros termos, o racional, no romantismo alemão, está condicionado a uma corrente emotiva, que, por isso, implica uma tendência racional impregnada pelo viés subjetivo. Os alemães não querem negar a realidade pela simples interação racional, mas sim modificá-la por meio da interação do Eu com o mundo. Desejam retornar à situação idílica através da compreensão dos problemas que deterioram e corrompem os ímpetos positivos do homem. Nesse sentido, podemos compreender o pensamento de Novalis

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(1988, p. 31) que considera a poesia como chave para a compreensão agnóstica do homem, uma vez que “eleva cada ser através de uma ligação específica com o todo restante”.

Como salienta Volobuef (1999), acontecimentos como a reunião em Iena, a partir de 1796, de jovens interessados em discutir a Wissenschaftslehere (Doutrina das ciências) de Johann Gottlieb Fichte e a problemática instaurada pelas idéias de Friedrich Schlegel a respeito da Poesia ingênua (dos antigos) e da Poesia sentimental (dos modernos) determinam a evolução da rebeldia dos Strümer para a consolidação do romantismo germânico.

Devido à diversidade as manifestações românticas na Alemanha passam a ser designadas por meio de uma correlação entre a cidade que abrigava um determinado grupo de artistas e a recorrência temática imanente às obras desses autores. Assim como em outros países, o romantismo alemão se manifestou, portanto, dentro de um espírito amplamente heterogêneo, sendo possível, inclusive, falarmos em vários romantismos na Alemanha.

Não buscaremos, dentro dos limites desse trabalho, a explicitação minuciosa da diversidade romântica alemã, antes discutiremos mais detidamente os conceitos de reflexão e de ironia inerentes às idéias do Grupo romântico de Iena. Para tanto, porém, achamos conveniente procederemos a uma breve explanação sobre algumas particularidades inerentes a essa corrente romântica alemã.

4. O grupo romântico de Iena

O Grupo Romântico de Iena, ou Jenaer Romantick (Frühromantik), tem início por volta de 1790, na cidade de Iena, e dissolve-se aproximadamente na primeira década do

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século XIX. Como representantes dessa corrente podemos citar: Hölderlin5 (1770-1843), Ludwig Tieck (1773-1798); Willhem Heinrich Wackenroder (1773-1798); Novalis – pseudônimo de Philipp Friedrich Von Hardenberg – (1772 –1801); os irmãos August Wilhelm Schlegel (1767-1839) e Friedrich Schlegel (1772-1829), Karoline Schlegel (1763-1809), Dorothea Schlegel (1763-1839), Friedrich Wilhelm Joseph Schelling (1775-1854); Daniel Friedrich Schleiermacher (1768- 1834), entre outros autores.

A influência da metafísica de Fichte (1762-1814) associada à essência nativista de Rousseau e a crença mística de F. Schelling estabelecem, no Frühromantick, um teor reflexivo contido no cerne das manifestações poéticas dessa vertente romântica. Essa postura reflexiva e, paradoxalmente, mística, muitas vezes relacionada a um sentido de religiosidade cristã de fundo redentor e messiânico, encontrado no Pietismo luterano, determina uma espécie de supremacia do Eu face à realidade.

Essa crença na individualidade expressa uma visão positiva diante do mundo e, por isso, o artista de Iena busca estabelecer, no paralelo Eu/Mundo, uma correlação com o elemento natural, tido como fonte suprema de pureza e reflexo dos dogmas humanos. Para Novalis (1988),

O mundo precisa ser romantizado. Assim reencontra-se o sentido originário. Romantizar nada é, senão uma potenciação qualitativa. O si-mesmo inferior é identificado com um si-mesmo melhor nessa operação. Assim como nós mesmos somos uma tal série potencial qualitativa. Essa operação é ainda totalmente desconhecida. Na medida em que dou ao comum um sentido elevado, ao costumeiro um aspecto misterioso, ao conhecido a dignidade do desconhecido, ao finito um brilho infinito, eu romantizo – Inversa é a operação para o superior, desconhecido, místico infinito – através dessa conexão este é logaritimizado – adquire uma expressão corriqueira. Filosofia romântica. Língua romana. Elevação e rebaixamento recíprocos ( NOVALIS, 1988, p. 142)

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Friedrich Hölderlin pode ser compreendido, dentro do espírito de Iena, por meio da forte influência que sofreu dessa corrente romântica. O poeta, em Carta dirigida à Immanuel Niethammer, escrita em 24 de fevereiro de 1796, irá dizer que o “eco de Iena, ainda ressoa, poderosamente dentro de mim e a recordação possui uma força grande demais para que a possibilidade do presente me seja salutar” (1994, p. 123)

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A necessidade de “romantizar” o mundo reflete a busca catártica inerente ao espírito romântico de Iena. A consciência de que o sujeito precisa reorganizar seu universo de valores individuais, para, assim, logaritimizar sua essência humana – “si-mesmo” melhorado em grau de potência – proporciona a purificação do sujeito na medida que expõe a necessidade de reavaliação contínua de seus valores primários. Para Novalis (1988), essa busca pela romantização do mundo provoca a redefinição dos valores humanos e a reflexão diante das ações e convicções do indivíduo. O indivíduo deve, portanto, refletir sobre suas ações e, por meio dessa atitude contemplativa, rever continuamente sua visão de mundo.

No poema “Na neuffer”, de Hölderlin6, podemos ter uma idéia desse olhar reflexivo atribuído à figura humana.

Na neuffer

Noch kerbrt in mich der süsse Frübling wueder, Noch albert nich mein kindiscfröhlich Herz, Noch rinnt vom Auge mir der Tau der liebe nieder, Noch lebt in mir der Hoffnung lust und Schmerz. Noch tröstet mich mit susser Augenweide Der blaue Himmel und die grüne Flur,

Mir reicht die Göttiche den Taumelkelch der Freude Die jugendliche freundliche Natur.

Getrost! Es ist der Schmerzen wert, dies leben, So lang uns Armen Gottes Sonne scheint,

Und Bilder bessrer Zeit um unsre Seele schweben, Und ach! Mit uns ein freudlich Auge weint.

A neuffer

Ainda me recordo da doce primavera, Ainda bate alegre o meu coração de criança Ainda o orvalho do amor as vistas me oblitera Ainda em mim vive a dor e prazer da esperança. Ainda, doce alívio, meu olhar se inebria Com o céu de anil e com o verde da devesa. Dá-me sua taça embriagadora de alegria A divina, jovem, amorável Natureza. Esta vida, podes crer, vale bem seus pesares Enquanto iluminar-nos, pobres, o sol de Deus E a imagem de um tempo melhor na alma guardares E os olhos de um amigo chorarem com os teus.

Em “A neuffer”, Hölderlin projeta um olhar positivo diante do elemento natural. A essência religiosa identificada ao traço religioso “sol de Deus” redime o sofrimento do eu-lírico diante da realidade. A tensão face ao mundo é amenizada pela lembrança da “doce primavera” aproximada a um tempo feliz materializado na infância. O eu-lírico, dessa

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Com relação à obra de Friedrich Hölderlin usaremos: HÖLDERLIN, F. Poemas. Tradução de José Paulo Paes. São Paulo: Cia. das Letras, 1991.

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forma, transfere para a “natureza” um olhar eufórico que, prolongado pelo traço religioso, imprime uma visão positiva por meio da interação homem/natureza. Nesse sentido, “os pesares” da vida acabam sendo sublimados pela ação pacificadora do traço natural que, por isso, projeta um futuro amplamente positivo, posto que o natural liga-se à pureza contida essencialmente na alma humana. Esta, entretanto, vem corrompida pelo contato com o mundo civilizado remetendo à busca remissiva pela pureza natural inerente ao humano.

O paralelo EU/Mundo representa a angústia humana pelo retorno ao equilíbrio verificado na evocação a elementos como “primavera”, “céu de anil” e a “verde da devesa”. A luz que emana desses elementos sob a égide do “sol de Deus” faz com que o Eu compreenda a precariedade da vida humana, no caso, metaforizada na aceitação do fluir do tempo e no contato com a pureza como forma de contemplação da finitude humana, uma vez aproximada à grandiosidade da natureza e à presença do mito cristão. A reflexão diante do natural remete ao divino, menos pela alusão ao exótico cenário da lembrança, mais pela tomada de consciência evocada pela pureza contida nesse cenário.

O caráter ameno presente no elemento natural encontrado na lembrança de uma pureza primitiva inerente não só na infância, mas também no contato com o natural, apazigua a figura humana, proporcionando a sensação de paz para o eu-lírico, mesmo que em contato com a civilização. O “coração de criança” resguarda, portanto, o equilíbrio e é através dele que advém a sensação de tranquilidade desejada pelo eu-lírico. O efeito paradoxal contido na constatação do duplo -“dor e prazer” na “esperança” – denota a consciência diante da fragilidade do sentido de pureza e equilíbrio ocasionando pelo contato com o natural, visto que lembrança. A catarse do sujeito-poético advém, nesse sentido, da constatação individual da necessidade de reavaliação presente na visão remissiva contida na lembrança.

Referências

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