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Nacionalismo: ironia e ingenuidade

No documento Poesia romântica brasileira revisitada (páginas 62-73)

Capítulo II – Romantismo brasileiro

1. Nacionalismo: ironia e ingenuidade

O nacionalismo romântico, embora prime pela expressão de constantes distintivas de cada nação, no Brasil formulou-se à mercê de uma corrente marcada pelo pensamento europeu. Nosso índio figuraria, assim, como representante maior de nossa cultura, mas teria como paralelo formador a relação unilateral com o europeu civilizado. Tal noção comprovada, por exemplo, em “Canção do Tamoio”, pela utilização da cultura indígena como meio elucidativo ou mesmo moralizador face à cultura civilizada, possibilita perceber que ao se apoiar em uma tendência idealista o movimento romântico expõe um fenômeno interessante: as matrizes brasileiras aparecem, muitas vezes, como prolongamento de uma identidade externa.

A consciência face à fragilidade do olhar idealizado cria uma tensão interna no movimento. À medida que o poeta toma consciência da impossibilidade de perfeição humana começa gradativamente a questionar a perspectiva ideal, proporcionando a revisão do otimismo e a redefinição dos temas inerentes ao romantismo. Álvares de Azevedo (1900, p. 243), demonstrando extrema lucidez, questiona a tendência idealista ao observar que nossos poetas “falam nos gemidos da noite no sertão, nas tradições das raças perdidas das florestas, nas torrentes das serranias, como se lá tivessem dormido ao menos uma noite,...”. Azevedo deixa transparecer, nesse fragmento, que o “embelezamento” da natureza brasileira revela uma visão superficial das particularidades de nossa jovem nação, prejudicando, com isso, o ímpeto original desejado pelos românticos. A consciência diante

da fragilidade da utopia romântica proporciona a expressão de uma atitude racional face à realidade.

Machado de Assis (1885, p.36) afirma que “um poeta não é nacional só porque insere nos seus versos muitos nomes de flores ou aves do país, o que pode dar apenas uma nacionalidade de vocabulário e nada mais”. Em “Marabá”, de Gonçalves Dias, podemos vislumbrar a presença desse processo inerente ao movimento brasileiro. Nesse poema, a figura indígena, caracterizada com traços europeus, não é reconhecida como sendo uma genuína representante das características nativas. O sofrimento causado ao eu-lírico pela existência de uma essência nativa presa a uma máscara de exterioridade (Marabá: índia mestiça na língua Tupi) conduz à descaracterização da personagem que, não sendo reconhecida por seus pares como pertencente a “Tupã”, converte-se em sofrimento e melancolia.

Marabá

Eu vivo sozinha; ninguém me procura ! Acaso feitura

Não sou de Tupã ?

Se algum dentre os homens de mim não se esconde: ⎯“Tu és” , me responde,

“Tu és Marabá !”

Meus olhos são garços, são cor das safiras, Têm luz das estrelas, têm meigo brilhar; Imitam as nuvens de um céu anilado, As cores imitam das vagas do mar!

Se algum dos guerreiros não foge a meus passos: “Teus olhos são garços”,

Responde anojado, “mas és Marabá : ‘Quero antes uns olhos bem pretos, luzentes,

“Uns olhos fulgentes,

“Bem pretos, retintos, não cor d’anajá !” É alvo meu rosto da alvura dos lírios, Da cor das areias batidas do mar;

As aves mais brancas, as conchas mais puras Não têm mais alvura, não têm mais brilhar. Se ainda me escuta meus agros delírios:

“És alva de lírios” ,

“Quero antes um rosto de jambo corado, “Um rosto crestado

“Do sol do deserto, não flor de cajá.” Meu colo de leve se encurva engraçado, Como hástea pendente do cáctus sem flor; Mimosa, indolente, resvalo no prado, Como um soluçado suspiro de amor ! ⎯ “Eu amo a estatura flexível, ligeira,

“Qual duma palmeira”, Então me respondem; “tu és Marabá: “Quero antes o colo da ema orgulhosa,

“Que pisa vaidosa,

“Que as flóreas campinas governa, onde está Meus loiros cabelos em ondas se anelam, O oiro mais puro não tem seu fulgor;

As brisas nos bosques de os ver se enamoram, De os ver tão formosos como um beija-flor ! Mas eles respondem: ⎯ “Teus longos cabelos,

“São loiros, são belos, “Mas são anelados; tu és Marabá : “Quero antes cabelos bem lisos, corridos,

“Cabelos compridos,

“Não cor d’oiro fino, nem cor d’anajá.” E as doces palavras que eu tinha cá dentro

A quem as direi?

O ramo d’acácia na fronte de um homem Jamais cingirei:

Jamais um guerreiro da minha arazóia Me desprenderá:

Eu vivo sozinha, chorando mesquinha,

Que sou Marabá! (Poesias completas, 1957 )

Em “Marabá” o sujeito poético se posiciona criticamente em relação à tradição e, com isso, indica a necessidade de reorganizar o delineamento da caracterização do nacional em nossa tradição romântica. Esta postura pode ser verificada na medida em que o eu-lírico projeta o dilema interior da personagem: um elemento nativo construído sob a égide do paradigma externo. A tensão dialética presente no âmago da construção do poema exemplifica a necessidade de redefinição dos valores inerentes ao cenário brasileiro, uma vez que um dos símbolos de brasilidade – uma índia – é descrita com traçõs eminentemente européus, mais que isso, sua compleição híbrida é negada. O azul dos olhos

imitando o céu anilado e as vagas do mar; a alvura da pele comparada às “areias batidas do mar”, às “aves mais brancas”, às “conchas mais puras” e o cabelo loiro e anelado dão a Marabá uma caracterização européia, não sendo, por isso, reconhecida como representação genuína da matriz nacionalista. A ausência de traços “brasileiros” como olhos “bem pretos, retintos,” a cor morena – “ Quero antes um rosto de jambo corado,/ Um rosto crestado/ Do sol do deserto, não flor de cajá.” – provocam a descaracterização da personagem desprezada pelos guerreiros por não apresentar traços ligados ao ambiente nacional.

A jovem “Marabá” lamenta o fato de ser fisicamente branca, mas interiormente uma personagem ligada aos valores indígenas. O eu-lírico, expondo o dilema individual da personagem, aponta para a fragilidade de se conceber o exótico e o pitoresco da “cor local” como representação unilateral dos elementos ligados à cultura brasileira. A enunciação interrogativa : “Não sou de Tupã?” pode ser entendida, então, como confirmação deste lamento, pois denuncia a inquietação do eu-lírico, decepcionado por não ver “Marabá” ser reconhecida como representação do “puramente” brasileiro. A constante alusão aos elementos ligados à natureza brasileira pode ser entendida, nesse poema, como um mecanismo de “abrasileiramento” do traço externo. “Marabá”, embora seja externamente uma européia – loira de olhos azuis – tem as ações filiadas à identidade nacional . O “abrasileiramento”, servindo primeiramente como ponto de equilíbrio, mostra uma cisão do interno com o externo, configurando a necessidade de síntese dessas matrizes culturais.

Segundo Bosi (1993), essa tendência pode ser percebida quando José de Alencar descreve Peri:

ao mesmo tempo: tão nobre quanto os mais ilustres ‘barões portugueses que haviam combatido em Aljubarrota ao lado do mestre de Avis, o rei cavalheiro’, servo espontâneo de Cecília, a quem chama Uiára, isto é, senhora, e representante unilateral de um sentido de brasilidade encarnado na figura do nativo. (BOSI, 1993, p. 241)

A tensão entre traços internos e externos leva a uma inquietação, na qual o externo passa a ser visto não como ponto harmônico, mas como elemento deflagrador de uma máscara imposta à essência de brasilidade. No poema “Marabá”, a inquietação do eu-lírico poderia ser entendida como indício da tensão entre nativo e civilizado, revelando a necessidade de fusão entre os dois planos como forma de expressar uma visão mais complexa da identidade nacional.

Nessa linha de raciocínio, podemos observar que a utilização dos temas ligados ao ambiente nacional assumem, em nosso romantismo, duas possibilidades de realização temática. Na primeira o poeta, ainda preso ao nacionalismo ufanista, prolonga a visão da sociedade brasileira como modelo de perfeição e plenitude perpetuando o tom idealista inerente ao movimento. Nessa postura idealista, o artista projetado no paradigma nacionalista de Gonçalves Dias, por exemplo, veicula uma visão fantasiosa face à realidade brasileira, levando a uma conotação extremamente positiva do homem diante do real.

Como exemplo desse comportamento podemos observar o poema “Sete de setembro”, de Casimiro de Abreu, que é, inclusive, dedicado ao imperador D. Pedro II.

Sete de setembro

A D. Pedro II.

I

Foi um dia de glória! __ O povo altivo Trocou sorrindo as vozes de cativo

Pelo cantar das festas! O leão indomável do deserto

Bramiu soberbo, dos brilhões liberto, No meio das florestas! Lá no Ipiranga do Brasil o Marte Enrolado nas dobras do estandarte

Erguia o augusto porte; Cercada a fronte dos lauréis da glória Soltou tremendo o brado da vitória: __Independência ou morte!

II

Anos correram; __ no torrão fecundo Ao sol de fogo deste novo mundo

E franca e leda, a geração nascente À copa altiva da árvore frondente

Segura se abrigou! À roda da bandeira sacrossanta Um povo esperançoso se levanta

Infante e a sorrir! A nação do letargo se desperta,

E __ livre __ marcha pela estrada aberta As glórias do porvir

O país, na alegria todo imerso, Velava atento à roda só dum berço.

Era vosso, Senhor! Vós do tronco feliz doce renovo Vede agora, Senhor, na voz do povo

Quão grande é seu amor! ( Obra completa, 1961. p.156)

O poema começa com a exaltação exclamativa “foi um dia de glória”, seguida pela indicação de um povo altivo que se liberta ao “deixar de ser cativo”. O país liberto aparece alegre rumo a um porvir cheio de esperanças. O grito da Independência, transcrito na segunda estrofe, é tomado por um furor otimista recheado de reverência e gratidão. D. Pedro I, transfigurado em “Marte”, Deus da Guerra, envolto “nas dobras do estandarte” aparece cercado pelos “lauréis” da glória, o que proporciona a visão positiva e a elevação do imperador à condição de herói nacional.

Esse pulsar nacionalista recheado de exaltação proporciona, como em “Canção do exílio”, uma visão utópica da nação brasileira. O cenário envolto pela ânsia de concretização do otimismo conseguido pela proclamação da independência nacional leva o poeta à crença na plenitude da nação recém liberta. Versos como “a nação do letargo se desperta,/ E-livre-marcha, pela estrada aberta / As glórias do porvir” acentuam a conotação positiva associada à nação brasileira. De outra face, entretanto, o poema de Casimiro exemplifica a atitude ingênua do poeta romântico diante da realidade nacional. O Brasil, descrito como um “leão indomável”, aparece livre pela ação redentora do império

brasileiro, que, por esse motivo, figura como símbolo da liberdade alcançada com a Proclamação da Independência.

A constatação da fragilidade do otimismo romântico conduz, em alguns momentos, à materialização da segunda possibilidade de realização temática : a inversão irônica da utopia romântica. Nesses momentos de rebeldia, nosso romantismo torna-se crítico diante do tom “ufanista” presente no cerne do movimento, induzindo, nesses casos, à implementação de um olhar mais consciente diante da realidade nacional. A figura ambígua de Macário, em Álvares de Azevedo, pode ser tomada como exemplo desse viés romântico. Esta personagem metaforiza o confronto de um plano ideal versus uma visão mais lúcida diante da realidade. O confronto destes pólos revela a fragilidade da caracterização ideal atribuída à figura humana em nosso romantismo. Sousândrade, um dos poetas mais singulares do romantismo brasileiro, poderia ser citado como exemplo concreto da inversão irônica presente em nosso romantismo.

(D. João.Jool VI. Escrevendo a seu filho :)

Pedro ( credo! Que sustos !) Se há ao reino empalmar

Algum aventureiro,

O primeiro

Sejas . . . toca a coroar!

(1º Patriarcha)

___ Quem que faz fraca gente,

Calabar Camarão? Ou santelmos delírios,

Ou sírios

Das gargantas do Cão? (2ª Patriarcha )

___ Bronzeo está no cavalo Pedro que é fundador; Ê ! ê! Ê! Tiradentes,

Sem dentes,

Nesses versos, a fala de D. João VI descaracteriza a visão heróica atribuída por Casimiro à cena inaugural de nossa liberdade. Ao revelar a motivação econômica que movia os passos de D. Pedro I, Sousândrade retoma a a acepção heróica atribuída à ação do monarca brasileiro em 1822, para deflagrar a necessidade histórica que moveu a ação redentora do primeiro monarca brasileiro. A alusão jocosa à figura de “Tiradentes”, que satiricamente aparece “sem dentes”, aponta para a fragilidade de nossa liberdade, vista como prolongamento do jugo português, posto que a liberdade, deslocada, “Não tem onde se por”.

Dessa maneira, ao constatar a permanência do regime monárquico no poder e, conseqüentemente, aludir, mesmo que simbolicamente, à falta de envolvimento popular na contestação ao regime político dominante no país, Sousândrade revela um olhar consciente diante da discutível liberdade conseguida com a Independência de 1822. Por esse prisma, o ato inaugural de D. Pedro I prolonga a dependência nacional. Termos como “gargantas do Cão?”; “Se há ao reino empalmar/ Algum aventureiro/ O primeiro /Sejas . . . toca a coroar!” sugerem, então, o enfraquecimento do sentido de liberdade conferido à nação brasileira, evidenciando que o Brasil, mesmo independente, continua à mercê do regime monárquico.

Fagundes Varela, no poema “A estátua eqüestre”, revela um olhar semelhante diante da realidade brasileira à época da Independência.

A estatua eqüestre

Ergue-te ousado sobre o chão da praça, Homem de bronze, __ imagem de monarca,

Simulacro fatal!

Pisa inda as turbas humilhadas, como As duras patas do corcel que montas

Ao chão do pedestal.

Cansadas nunca de opressores ferros,

Livres de um jugo, __ de outro jugo escravas,

Do pó resgatam seus tiranos mortos, E à luz do sol inundam de louvores,

Por terras debruçadas! Raça de ilotas, que fizestes pois Da férvida centelha que no seio

Vos pôs a divindade? Porque reledes o passado escuro, Quando deveras derribar os tronos

Cantando a liberdade?

Volta-se à treva o busto dos Andradas, Some-se a glória de ferventes mártires

Na lama do ervaçal!

Mas fria a estátua pisa a turba, como As duras patas do corcel de bronze

O chão do pedestal!

Oh! terra do Brasil; __ diamante vivido Da coroa soberba de Colombo,

__ Bela estrela do sul, __ Porque tão cedo declinas a fronte E a fímbria do vestido enegreceis

No limo do paul? Porque tão cedo enregelais o selo Nessas frias geadas que predizem

A morte das nações,

E os pulos presos, e a vontade escrava, Do mártir a memória e a voz dos bardos

Cobris de maldições?

Ergueis-vos desse lívido marasmo, Afrontai o negrume das tormentas,

O horror da tirania!

Se agora em bronze eternizais __ senhores, __ Gravai nos bronzes o brasão dos livres,

Saudai um novo dia!

Embora o mundo me proclame louco, Embora à fronte com furor me gravem

Estigma infernal!

Não posso calmo ver pisar-se as turbas, Como o corcel de levantada estátua

O chão do pedestal! (Antologia de poesia brasileira: Romantismo)

Nesse poema, o “homem de bronze” ( D. Pedro I), aparece imóvel pisando em “turbas humilhadas”, fazendo despontar uma visão negativa face à realidade brasileira, pois esta é descrita como prisioneira de “opressores ferros”, uma metáfora para a perpetuação do jugo português. Os versos “livres de um jugo – de outro jugo escravas,/ As massas enervadas” confirmam o olhar negativo comentado acima, uma vez que remetem a

uma passividade da nação diante da dominação. As últimas estrofes do poema induzem à ironia face ao regime monárquico que, caracterizado como degradador do espaço brasileiro, deve ser lançado às “trevas” em meio à “lama do ervaçal”, expressando o desejo de concretização da liberdade metaforizada no verso “gravai nos bronzes o brasão dos livres”.

Os heróis nacionais, simbolizados ironicamente pelo “busto dos Andradas”, são descaracterizados, concretizando-se a visão negativa em relação ao regime político vigente no país. Dessa forma, Varela demonstra, em seu poema, uma visão realista ao explicitar a inquietação do eu-lírico face ao regime em vigor, classificado, inclusive, como “estigma infernal”, “horror da tirania” e “simulacro fatal”, segmentos que expressam a insatisfação do eu-lírico quanto a liberdade conseguida em 1822. A perda da “centelha que no seio vos pôs à divindade” desvela, assim, um tom crítico indicando a acomodação do povo que não se manifesta para redimensionar o regime político. A visão do eu-lírico ridiculariza o povo brasileiro, descrito como uma “Raça de ilotas” envolto em “lívido marasmo”, funciona como exortação para que o povo assuma uma postura revolucionária, necessária para a reformulação social do país.

Existe, portanto, no movimento romântico brasileiro uma nuance no que se refere ao envolvimento crítico dos autores. Em muitos momentos, imbuídos por uma visão extremamente positiva diante da cultura brasileira, os poetas, sob a influência nacionalista/religiosa das idéias de Magalhães, Garrett, entre outros, tendem a imprimir um olhar utópico ao espaço nacional. Em outros momentos, porém, são acometidos de uma lucidez diante da fragilidade da utopia romântica. Nesses momentos, redefinem o lirismo romântico rumo a uma visão mais consciente diante da realidade e do fazer poético inerente ao romantismo.

A adoção de temas mais complexos, entre eles a luta republicana e abolicionista e a tendência à metalinguagem contribuem ativamente para a revisão do cânone romântico nacional. Essa rebeldia crítica subjacente ao romântico brasileiro remete a uma situação inusitada. Muitos poetas produziram mecanismos internos para, em nível profundo, apontar para a presença de reflexões mais densas do que a afetação sentimental própria ao movimento. O mais expressivo desses comportamentos pode ser rastreado no que denominamos como flutuação temática. Essa postura proporciona uma gradativa reorganização do cânone romântico rumo à implementação de uma racionalização do crivo emotivo primário característico ao romantismo.

Caminhamos, portanto, para a constatação de que no seio romântico brasileiro alguns autores deixaram implícitas as marcas de uma crítica à situação vivida pelo Brasil no século XIX. Exemplo explícito desse processo está na tela “Independência ou morte” de Pedro Américo. O autor, nesse caso, mesmo custeado pelo regime, deixaria implícito por meio do espanto visível no rosto do camponês, à esquerda da tela, a marca indiscutível da não participação do povo brasileiro na libertação da nação. Esse fato se tomado isoladamente revela que, mesmo nos momentos de maior adesão à euforia nacionalista, é possível verificar a presença do crivo reflexivo em nosso romantismo. Se compreendermos, portanto, a marginalidade da figura na tela como um índice crítico deixado pelo autor, somos levados a verificar que aquém da mensagem grandiosa imposta ao patriarca de nossa independência tem-se a expressão indelével da precariedade da Independência conseguida em 1822 e, conseqüentemente, a explicitação da fragilidade da visão nacionalista exposta na tela.

Pelo que tem sido comentado até este momento do trabalho, podemos conceber a literatura romântica brasileira como resultado de um complexo jogo entre a sociedade e a

visão individual de cada autor. Daí concebermos o romantismo brasileiro como um movimento marcado pelo traço heterogêneo, pois cada autor soube filtrar a realidade circundante e plasmar, através de uma atitude intimista, um universo lingüístico que refletisse as inquietações do meio social no qual estava inserido.

Tais colocações demonstram que, no romantismo brasileiro, a tradição nacionalista e a valorização da “cor-local” não figuram como representação unilateral da utopia romântica, mas, em alguns momentos, podem representar pontos de reflexão para as ações humanas ditas ou compreendidas como civilizadas. A linha de leitura adotada tende a ver na constante referência ao traço natural um ponto de reflexão do sujeito perante a realidade social que o envolve. E, nesse sentido, compreender, mesmo que parcialmente, a preocupação descritiva, geralmente exaltada e sentimental, do cenário nacional como forma de reflexão individual do sujeito diante do mundo.

No documento Poesia romântica brasileira revisitada (páginas 62-73)

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