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Literacia mediática como ferramenta de resistência às fake news

Capítulo 1: Pós-verdade e fake news

1.8 Literacia mediática como ferramenta de resistência às fake news

Ao longo desta contextualização referimos mais do que uma vez a expressão “literacia mediática”. Ainda que o termo “literacia” tenha sido utilizado ao longo de décadas com o significado objetivo de capacidade de ler e escrever, os media visuais e digitais estão a redefinir o que significa desenvolver as ferramentas da literacia para compreender um mundo em mudança – relativamente não só à receção de informação, mas também à sua expressão – o que tem levado a um crescente reconhecimento da importância da literacia mediática – e da sua educação – nas políticas nacionais e internacionais (Apkon, 2013; European Commission, 2009, Koltay, 2011, Tuominen & Kotilainen, 2012, cit. in Kleemans & Eggink, 2016).

Esta educação para o desenvolvimento de competências deve ser aplicada em contextos informais, mas também em contextos formais. A inclusão da literacia mediática e digital na educação formal – tanto na educação primária e secundária como no ensino superior - pode-se assumir como uma ponte entre clivagens digitais e enclaves culturais, uma forma de motivar os indivíduos e um meio de criar uma maior igualdade de oportunidades em ambientes digitais (Hobbs, 2010). Adicionalmente, e no que toca em particular a esta investigação, a literacia mediática e a sua educação assumem-se, hoje em dia, como um dos principais bastiões de combate às fake news e à desinformação (Bulger & Davidson, 2018).

Assim, a literacia mediática pode ser definida como “a capacidade de aceder, analisar, avaliar e criar mensagens através de uma variedade de contextos” (Livingstone, 2004, p. 18). Ainda que bastante ampla, também Apkon (2013, p. 37) corrobora o principal desta definição, defendendo que a literacia se refere, hoje em dia, a muito mais do que a capacidade de simplesmente ler um alfabeto ou outro guião, aproximando-se mais do significado de “proficiência” – de forma mais ampla, a capacidade de compreender e de expressar ou articular. Atualmente, a literacia vai, então, muito para além da mera leitura ou escrita, e denota a capacidade tanto de descodificar e codificar palavras como de inferir significados mais profundos e de expressar pensamentos mais complexos.

Uma outra proposta mais trabalhada é avançada por Potter (2004, pp. 58-59, cit. in Martens, 2010, p. 2), que define literacia mediática como “o conjunto de perspetivas a partir das quais nos expomos aos media e interpretamos o significado das mensagens que

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encontramos”, introduzindo na sua definição a importância da construção de boas estruturas de conhecimento, particularmente no que toca à necessidade dos indivíduos possuírem uma quantidade suficiente de informação relativa à indústria, à mensagem e aos efeitos dos media, assim como do mundo real e de si mesmos – o que fornecerá aos indivíduos o contexto necessário para a compreensão da informação com que se cruzam (Martens, 2010). Esta ideia entronca na proposta de Buckingham (2013, p. 41, cit. in ibidem, p. 2) que defende que “o objetivo da educação [para a literacia] dos media é […] habilitar os indivíduos de uma reflexão sistemática relativamente aos processos de leitura e de escrita, de compreender e de analisar as suas próprias experiências como leitores e escritores”.

Independentemente da sua definição exata, a literacia – particularmente a mediática – assume-se sempre como uma resposta à tecnologia emergente e a sua transformação é geralmente “indolor”, exceto para os elementos mais conservadores da sociedade, que frequentemente temem e resistem à mudança. Para os restantes, que abraçam a noção da evolução da literacia de forma a refletir o desejo humano pelos mais diretos e não-mediados meios de comunicação, esta evolução acaba por ser um processo natural, particularmente no caso dos media visuais (Apkon, 2013). No entanto, importa referir que a literacia mediática não se constrói como um conceito em que os indivíduos são ou não são, devendo, ao invés, ser percecionada como um continuum onde os indivíduos permanentemente se movem, consoante o seu próprio conhecimento e as suas próprias competências (Martens, 2010).

No que toca à realidade da sociedade contemporânea, na era digital, o presente assume-se como o momento de reconstruir a ideia de “literacia visual” – não para a derrubar, mas sim para a expandir. Devemos agora ter em conta o que é tecnologicamente inevitável no século XXI: a proliferação de mensagens que são crescentemente divorciadas das suas fundações escritas e crescentemente casadas com vias de conhecimento visual sem palavras (Apkon, 2013). Nas palavras de David Abram (cit. in ibidem, p. 37): “[A] linguagem… é muito como um código; é uma forma de representar coisas e eventos reais no mundo percecionado.”.

Hoje em dia, a vasta maioria da nossa informação é transmitida através dos media visuais: a televisão, o cinema, a Internet, e os ecrãs que nos rodeiam, onde trabalhamos, onde fazemos compras, onde socializamos e onde aprendemos (Apkon, 2013). Em suma, discussões recentes sobre má-informação, desinformação e fake news reacenderam o

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interesse na literacia noticiosa ou mediática. Um amplo conjunto de atores – de educadores a companhia tecnológicas – defendem que o aumento da literacia mediática dotaria os indivíduos da capacidade de diferenciar factos de ficção, potencialmente limitando a disseminação de informação falsa e deixando-os mais bem equipados para navegar em ambientes mediáticos tendenciosos (Newman et al., 2018).

Com base no referido supra, compreende-se a importância absolutamente fulcral da literacia mediática no próprio desenvolvimento integral do indivíduo na sociedade contemporânea. A capacidade de aceder, analisar e engajar num pensamento crítico relativamente à panóplia de mensagens que os sujeitos recebem e enviam, através dos mais variados meios de comunicação e diferentes plataformas, é fundamental no sentido de tomadas de decisão informadas sobre os mais diversos domínios da vida social, tais como a saúde, o trabalho, a política e o lazer. Adicionalmente, uma participação “completa” naquilo que é a vida cultural contemporânea exige não só o consumo de informação através de mensagens em contexto digital, mas também a capacidade de criar e partilhar as mesmas. Neste sentido, torna-se essencial a aquisição, por parte dos indivíduos, de competências comunicacionais através de multimédia, que incluem a capacidade de compreender, criar e partilhar mensagens utilizando não só a própria linguagem, mas também o design gráfico, imagens e som, e conhecimento relativo ao uso destas competências no sentido de participar na vida cívica das suas comunidades (Hobbs, 2010).

De um ponto de vista mais concreto, Hobbs (2010) define como principais competências de literacia mediática e digital – que se assumem como competências de cidadania nucleares na era digital –, necessárias para uma participação integral do indivíduo numa sociedade rica em informação saturada pelos media:

 Fazer escolhas responsáveis no acesso à informação, através da identificação e da partilha de materiais, e a consequente compreensão da informação e das ideias;  Analisar informação e mensagens em diversos formatos através da identificação

do autor, do seu propósito e ponto de vista, e avaliar a qualidade e a credibilidade do conteúdo;

 Criar conteúdo em diversos formatos, fazendo uso da linguagem, imagens, som e novas ferramentas digitais e tecnológicas;

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 Refletir sobre a própria conduta e comportamento comunicacional, à luz da responsabilidade social e de princípios éticos;

 Participar ativamente na comunidade, guiado por uma preocupação social, trabalhando individualmente ou em conjunto com outros, de forma a partilhar conhecimento e a resolver problemas, em família, no local de trabalho e na comunidade.

Em suma, possuir uma elevada literacia mediática, na sociedade contemporânea, torna-se essencial na maior parte dos processos de recolha de informação e de tomada de decisão. A literacia mediática é então, vista como uma forma fundamental de desenvolvimento de cidadãos informados, reflexivos e engajados, essenciais para o funcionamento da democracia. Simultaneamente, assume-se ainda como uma resposta à procura, por parte dos indivíduos, de uma cidadania ativa e responsável nas sociedades democráticas (Kleemans & Eggink, 2016).

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Capítulo 2: Fake news e social media em Portugal: O caso da