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Capítulo 2: Fake news e social media em Portugal: O caso da página “Os Truques da

2.4 Apresentação e discussão de resultados

2.4.1 Principais dimensões de análise

A primeira análise realizada prendeu-se com as frequências das notícias para cada uma das categorias consideradas. Assim, no que toca aos órgãos de comunicação social identificados, é possível concluir que:

 O órgão mais visado é o Expresso, com 56 ocorrências – 12,3% das notícias analisadas;

 De seguida, surgem o Público, com 51 ocorrências, e o Observador, com 50 – 11,2% e 11% do total, respetivamente;

 Seguem-se Diário de Notícias (44 – 9,7% do total), Correio da Manhã (38 – 8,4%), Jornal i (36 – 7,9%) e Jornal de Notícias (34 – 7,5%);

 No extremo oposto, o órgão de comunicação social menos visado foi o jornal ECO com apenas 2 ocorrências (0,4% do total), ainda que esta situação possa ser explicada pelo facto de ser um órgão relativamente recente, tendo sido lançado no final do ano de 2016;

 Seguem-se a Rádio Renascença e o Notícias ao Minuto, ambos com 4 ocorrências cada (0,9% do total) e a RTP/Antena 1 e a Visão, com 8 ocorrências cada (1,8% das notícias analisadas).

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Relativamente à data das publicações consideradas, o grosso das mesmas foi recolhida e apresentada no período correspondente ao primeiro semestre de 2017, com 176 ocorrências, o que equivale a 38,8% do total de notícias analisadas. Por outro lado, o período com menor quantidade de ocorrências é o segundo semestre de 2015, com apenas 4 publicações (0,9% do total), o que pode ser explicado pelo facto de neste semestre terem sido apenas consideradas notícias publicadas desde 8 de Outubro de 2015, o dia da primeira publicação da página.

Desta forma, o período semestral “completo” com menor número de ocorrências é o primeiro semestre de 2018, com 23 ocorrências, apenas 5,1% do total de notícias consideradas, o que pode ser explicado por uma menor atividade da página, admitida publicamente por um dos gestores da mesma, e que decorre diretamente do facto da equipa editorial d’”Os Truques” ter ficado reduzida, temporariamente, a uma só pessoa.

Figura 2 – Distribuição das notícias por data

No que toca ao número de caracteres (sem espaços), é possível concluir que a esmagadora maioria (280, o que equivale a 61,7% do total) das notícias consideradas apresentam mais de 1250 caracteres. Esta disparidade entre ocorrências nas diferentes subcategorias pode ser explicada pela definição a priori dos intervalos de caracteres, o que acabou por se provar um erro. Qualquer estudo deste género deverá, no futuro, ter a

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preocupação de considerar intervalos de caracteres mais amplos, de forma a evitar este tipo de problema metodológico.

Relativamente à adequação da imagem apresentada nas notícias analisadas, conclui-se que 80,4% das mesmas (365 ocorrências) apresentam imagens adequadas, sendo que em 56 casos a imagem se provou desadequada à notícia que acompanhava – 12,3% do total das vezes. Os restantes 7,3% (33 casos) englobam notícias em que a categoria de adequação de imagem não era aplicável.

No que toca à categoria destinada a definir o valor de notícia através de duas dimensões fundamentais: a atualidade e a relevância das mesmas, é possível concluir que:  A maioria (325 casos) enquadram-se na subcategoria “atual e relevante” – 71,6%

do total de notícias analisadas;

 74 casos (16,3% do total) foram definidos como atuais e não-relevantes;  Foram considerados 15 casos (3,3%) não-atuais, embora relevantes;

 As restantes 40 notícias (8,8%) definem-se como não-atuais e não-relevantes. Relativamente à categoria que pretendia aferir se, em casos onde a mesma se aplica, se deu espaço a indivíduos ou a grupos para realizarem a sua defesa ou apresentarem o seu ponto de vista, vulgo direito a contraditório, foi possível concluir que na esmagadora maioria das notícias (328 casos, 72,2% do total) esta categoria não era aplicável. Em 16,1% dos casos (73 ocorrências) foi dada a oportunidade de contraditório, enquanto nos restantes 11,7% (53 casos) o mesmo não aconteceu.

Na categoria relativa a problemas ou enviesamentos relacionados com a origem da notícia, i.e., com as fontes ou com a autoria da notícia, é possível concluir que das 454 publicações analisadas, apenas 39 das mesmas (8,6%) apresentam problemas relativos a esta temática, estando os restantes 91,4% (415 ocorrências) livres de qualquer enviesamento relativo a esta questão em particular.

No que toca à dimensão de análise relativa a potenciais alterações de quem beneficia ou é prejudicado pela notícia em causa, os resultados são bastante mais negativos. Em 238 dos casos analisados verificou-se um enviesamento resultante no benefício ou prejuízo de algum dos intervenientes, totalizando uma maioria (52,4%) do total de notícias analisadas. 43% do total de notícias (195 ocorrências) não apresentam problemas nesta dimensão, não se aplicando a mesma a 21 publicações (4,6% dos casos).

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Esta dimensão assume-se então como particularmente problemática, na medida em que beneficia ou prejudica, quer na forma, quer no conteúdo, indivíduos ou grupos em mais de metade dos casos analisados, o que contraria a ideia fundamental do jornalismo como um meio e uma atividade especialmente neutra e imparcial na sua natureza.

No seguimento da categoria analisada supra, também a dimensão de análise relativa à alteração das razões pelas quais a notícia é relevante para o sujeito apresenta resultados bastante preocupantes: em 279 das ocorrências consideradas (61,5% do total) verificou-se algum tipo de alteração ou deturpação das razões de relevância da notícia para os indivíduos, a nível de título, imagem ou conteúdo. Apenas 37,9% (172 casos) das notícias consideradas não apresentaram problemas nesta categoria de análise em particular, enquanto que em 3 ocorrências (0,7% do total) a mesma não foi aplicável. Estes resultados apontam uma problemática considerável no que toca à objetividade e à precisão expectáveis do jornalismo.

Relativamente à categoria que pretende identificar enviesamentos ou alterações sobre a realidade emergente da notícia, para os leitores, é possível concluir que, das 454 notícias em análise, 99 apresentaram problemas relativamente a esta dimensão (21,8% do total), enquanto que uma maioria de 354 casos (78% do total) reporta fielmente a realidade. Apenas em 1 caso, correspondente a 0,2% do total, esta dimensão de análise não foi aplicável.

Na categoria relativa à adequação do e a enviesamentos existentes no título da notícia, os resultados são, também, bastante inquietantes. Das 454 notícias analisadas, 301 delas (66,3%), praticamente dois terços das mesmas, apresentam problemas no próprio título da publicação. Os restantes 33,7% (153 ocorrências) apresentam um título adequado e sem enviesamentos nas suas publicações.

Ainda que seja difícil precisar quais os tipos de problemas encontrados, os mesmos variam entre omissões e truncamentos de informação, no sentido de tornar o título mais apetecível, e títulos que estão objetivamente errados ou que levam os indivíduos a interpretá-los de forma errónea, sendo frequentemente contrariados no próprio corpo da notícia. Apesar de gravosa, esta conclusão não surge necessariamente como uma surpresa, dado o ênfase existente na própria literatura relativa ao fenómeno de clickbait e a importância que o mesmo assume para a própria sobrevivência do jornalismo online, como já foi extensamente debatido e analisado no presente documento.

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Relativamente à categoria destinada a aferir a existência de distorções de significados de conceitos e conteúdos concretos existentes no corpo da notícia, é possível concluir que 22,5% do total de notícias analisadas (102 ocorrências) apresenta problemas nesta dimensão, enquanto em 77,1% dos casos (350 notícias) não foram encontradas distorções a este nível. Em 2 ocorrências (0,4% do total) esta dimensão foi considerada não-aplicável.

No que se refere à categoria delineada no sentido de identificar notícias que apresentem enviesamentos relativos às ideias e aos valores implícitos no conteúdo da notícia, os resultados são, mais uma vez, bastante negativos. Em 285 dos casos considerados (62,8% do total) verificaram-se enviesamentos e problemas relativamente a esta dimensão, enquanto em 36,6% dos casos totais (166) não se verificou qualquer alteração a este nível. Adicionalmente, em 0,7% do total de notícias (3 ocorrências) esta análise foi apreciada como não-aplicável. Esta é uma categoria cujos resultados remetem, mais uma vez, para a problemática da neutralidade e da imparcialidade, ou de falta delas, que seriam expectáveis no desenvolvimento da atividade jornalística.

Relativamente à categoria definida para avaliar a parcialidade perante uma das partes envolvidas em casos de confronto ou conflito entre diferentes agentes, conclui-se que em 20,7% dos casos (94 ocorrências) esta dimensão não era aplicável. No entanto, 34,8% do total de notícias (158 casos) apresentam problemas de parcialidade, o que se assume como um problema bastante considerável dada, mais uma vez, a necessidade fundamental de imparcialidade jornalística. Os restantes 202 casos (44,5%) não apresentaram problemas nem enviesamentos nesta dimensão.

No que toca à dimensão de análise referente à existência de erros factuais não corrigidos nas notícias analisadas, é possível verificar que em 80,2% do total de publicações (364 ocorrências) não foram identificados qualquer tipo de erros. Por outro lado, em 88 notícias (19,4% do total) verificaram-se a existência de erros factuais não corrigidos. Para as restantes 2 publicações (0,4% dos casos analisados) esta mesma dimensão não se aplicou.

Na categoria referente à existência de alterações de facto para opinião, ou vice- versa, foi possível concluir que 17,4% (79 casos) das notícias analisadas apresentaram algum tipo de problema ou enviesamento relacionado com esta dimensão. Em 81,1% do total de notícias (368 casos) não se verificou qualquer alteração a este nível, enquanto que

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os restantes 7 casos (1,5% do total) não se consideraram para esta categoria de análise em particular.

Relativamente à categoria de análise destinada a identificar notícias cujo contexto exposto apresentava algum tipo de falta ou de enviesamento, verificou-se que 69,4% das publicações analisadas (315 casos) não apresentavam falhas nesta dimensão. No entanto, nos restantes 139 casos (30,6% do total) foi possível identificar problemas relacionados com o contexto disponibilizado no corpo da notícia.

No que toca à categoria de análise destinada a aferir o nível de gravidade do enviesamento identificado, conforme exposto no Manual de Codificação, os resultados encontram-se expostos infra:

 Cerca de um quarto das notícias, 126 casos (27,8% do total de notícias) foram incluídas na dimensão considerada menos gravosa, designada por “Clickbait”;  O grosso das notícias (280 casos, 61,7% do total) incluíram-se na dimensão

intermédia, denominada “Notícias enganadoras”;

 Cerca de uma em cada dez notícias analisadas (10,6%, 48 ocorrências) foram incluídas na dimensão mais grave de enviesamento, denominada “Erros graves”.

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No que toca à categoria denominada “Efeito de onda”, construída no sentido de identificar situações de disseminação da mesma notícia por mais de um órgão de comunicação social e que apresente problemas similares, os resultados mostram que em 17,4% dos casos (79 ocorrências) esta difusão por vários órgãos se verificou, enquanto que o mesmo não se verificou nos restantes 375 casos (82,6% do total).

Por fim, relativamente à temática das notícias enviesadas analisadas, foi possível concluir que:

 A temática mais recorrente nas notícias em causa foi a de “Internacional”, com 119 ocorrências (26,2% do total), seguida de “Política”, com 112 ocorrências (24,7% do total). Em conjunto, estas duas temáticas agregam mais de metade do total de notícias analisadas (231 casos, correspondentes a 50,9% do total);  Seguidamente, surge a temática de “Sociedade”, com 96 casos (21,1% do total) e

a de “Economia”, com 71 notícias (15,6% do total);

 Segue-se a temática de “Ciência e Saúde”, com 17 ocorrências (3,7% do total);  Por fim, surgem as temáticas de “Cultura”, “Tecnologia” e “Desporto”, cada uma

com 13 ocorrências (2,9% do total de notícias cada).

Figura 4 – Frequências das notícias por temática

Ainda que as simples frequências constituam uma análise exploratória relativamente simples, é possível tirar algumas conclusões do exposto supra. Neste

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sentido, algumas das dimensões de análise que apresentam os resultados mais negativos ou potencialmente mais preocupantes são:

 A categoria 8, relativa a notícias que apresentam problemas relativos à alteração de quem beneficia ou é prejudicado pelas mesmas, onde mais de metade das publicações apresentam falhas a este nível (52,4% do total, 238 casos);

 A categoria 9, relativa a alterações sobre as razões da relevância da notícia para os indivíduos, onde mais de 6 em cada 10 notícias (61,5% do total, 279 casos) apresenta problemas;

 A categoria 14, referente a alterações de ideias ou de valores implícitos no conteúdo da notícia, onde, mais uma vez, mais de 6 em cada 10 publicações (62,8% do total, 285 casos) apresenta problemas.

Ainda que as categorias suprarreferidas apresentem as suas próprias especificidades, importa ressalvar que todas elas contendem com falhas de princípios fundamentais do jornalismo, nomeadamente a neutralidade, a imparcialidade e a objetividade dos relatos e das reportagens de cariz jornalístico. Adicionalmente, também a questão do valor de notícia surge como um problema associado a esta análise, dado que a relevância das notícias – ou a falta ou enviesamento da mesma – também se assume como uma das problemáticas mais graves nesta análise inicial.

A categoria que apresenta, estatisticamente, os resultados mais negativos, e consequentemente mais gravosos e inquietantes, é aquela referente a problemas no título da notícia, sendo que praticamente dois terços das notícias analisadas se incluíram nesta dimensão (66,3% do total, 301 casos). Como referido supra, esta conclusão poderá ser explicada, pelo menos em parte, pelo fenómeno de clickbait, que, como vimos, se assume como um dos principais problemas do jornalismo e da imprensa contemporâneos em contexto digital.

Um outro dado recolhido no decorrer desta investigação, ainda que de forma secundária, mas que importa avançar neste momento, pois entronca diretamente na temática dos títulos das notícias e da sua adequação ao conteúdo das mesmas, passa pelo facto de, das 454 notícias analisadas, 69 delas (cerca de 15,2% do total) tiveram os seus títulos alterados pelos respetivos editores após a publicação das mesmas na página d’”Os Truques da Imprensa Portuguesa”. Ainda que seja um valor relativamente reduzido, torna-se particularmente significativo quando se procura aferir o impacto da página e da

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crítica do público junto dos próprios órgãos de comunicação social. As notícias que tiveram os seus títulos alterados após a publicação na referida página podem ser consultadas na Listagem de Notícias, exposta no Anexo 2 do presente documento, onde possuem uma anotação “(corrigido)” junto do título da mesma.

A própria página d’”Os Truques” reconhece e aponta este facto. Numa publicação6 de 7 de Março de 2017, a página estima que nos três meses anteriores à mesma, 42 notícias de 122 publicações realizadas na página (cerca de 34,4%), numa proporção de mais de uma para cada três, sofreram algum tipo de alteração, quer no seu título, imagem ou no próprio corpo da notícia.

Naturalmente, é impossível afirmar que todas estas alterações, ou até mesmo que a maioria das mesmas, decorre diretamente da sua publicação na página d’”Os Truques”. No entanto, não é implausível que, pelo menos, algumas destas alterações tenham sido motivadas pela sua exposição ao grande público numa página dedicada à crítica da imprensa, particularmente quando os jornalistas e os órgãos diretivos dos órgãos de comunicação social portugueses estão completamente cientes da existência da página e da sua missão de crítica e de exposição de más-práticas jornalísticas. Este é um apontamento especialmente relevante no que toca à influência da página, particularmente, e do grande público, de uma perspetiva mais ampla, na crítica e na monitorização das práticas da imprensa portuguesa.

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